Patê de queijo, sono e Lepo Lepo: os bastidores da convocação da seleção

Luis Augusto Símon

Do UOL, no Rio de Janeiro

Às 10h45, Mário Lúcio Tibúrcio fez sua entrada triunfal no grande salão montado pela CBF, no espaço Vivo Rio, comumente usado para shows de megastars como Marisa Monte, mas que na quarta-feira seria usado para a apresentação dos 23 convocados por Luiz Felipe Scolari para a Copa do Mundo. Negro, careca, com óculos vermelhos e impecavelmente vestido com um elegante paletó, que trazia no lado esquerdo um enorme brasão do Bayern de Munique.

O detalhe, se é que se pode chamar de detalhe, chamou a atenção de Adélia Mendonça, produtora da ART, televisão a cabo da Alemanha. Ela puxou o repórter Michael Scolks, há dois anos no Brasil, e foram em busca de notícia. Tibúrcio explicou que é representante do Bayern no Brasil e que também cuida dos interesses de Rafinha. E então, a surpresa: "eu era bailarino do Faustão e estou ensinando os jogadores alemães a dançarem. Samba já era, todo mundo quer saber do tal do Lepo Lepo".

Era um detalhe, uma não-notícia, que traz à mente a imagem de alemães de pouco molejo aderindo ao gingado brasileiro, mas tudo servia para os 836 jornalistas – 270 estrangeiros – credenciados para a cobertura do pontapé inicial da seleção brasileira rumo ao hexa.

Uma convocação que não apontava para grandes surpresas – "estamos aqui para saber quem será o terceiro goleiro, o quarto zagueiro e se Robinho terá uma chance ou não" – definiu Maurício Fonseca, de "O Globo".

Mesmo com pouca possibilidade de uma notícia que valesse manchetes garrafais – eu sei, isso é coisa de muito tempo atrás – a francesa Madeleine Pradel chegou ao grande salão às 6h40. "No ano passado, demorei um pouco mais e não consegui me instalar. Hoje, peguei o último lugar na primeira fila", explicava a repórter-editora-câmera. "Faço tudo, as perguntas também, da Agência France Press."

Só depois de instalada, Madeleine relaxou. E pode se alimentar com o brunch fornecido pela CBF – 16 tipos de bebida, entre refrigerantes, água e suco, seis tipos de sanduíches salgados, um patê de camembert, pão de queijo, leite, cereais, quatro tipos de doce, bolo de cenoura e goiabada entre ele e salada de frutas.

Seis recepcionistas ajudavam no credenciamento. "Vou receber R$ 150 por seis horas de trabalho. Está bom, viu", diz Eliana, uma delas.

Conseguir o credenciamento é fácil, acordar cedo é suportável – havia pessoas cuidando das instalações na noite anterior –, mas difícil mesmo é fazer uma pergunta. Rodrigo Paiva, o assessor de imprensa da CBF, avisou a todos que 80% dos pedidos seriam negados.

Sem perguntas, mas com a obrigação de escrever textos, de fazer vídeos, o que se via era jornalista entrevistando jornalista. Uma caminhada entre as duplas com os ouvidos bem atentos, na certa brindaria o andarilho com a quantidade enorme de "qual é sua expectativa? " que se ouvia. Um mantra.

Luis Simon/UOL
Presença constante em eventos da seleção brasileira na última década, a japonesa Kiyomi Nakamura acompanhou a convocação para a Copa de 2014
Quem conseguiu perguntar foi a japonesa Kiyomi Nakamura, 1,53 m, 47 quilos e idade não revelada. "Estou procurando um namorado e não posso dizer a idade não", diz, com a voz fina, extremamente infantil, que há 13 anos se tornou um sucesso nas coletivas da seleção brasileira.

E também no Bloco "Entorta, mas não cai", que sai na Barra, onde ela mora. "Tenho alma carioca, adoro passear no calçadão, tomar chopp", diz, ainda com muito sotaque. Kiyomi trabalha para a TVs NHK, Fuji e Wowow. "O Japão tem muito interesse no futebol brasileiro. Nossa meta é passar de fase, se não der, vamos torcer para o Brasil, 'craro' né".

Trabalhar para três veículos é pouco para Oliveira Júnior, correspondente do grupo RBS em Cuiabá, dono do site Craques na rede, repórter da TV Record, da Rádio CBN e do Jornal "A Gazeta", todos do mesmo grupo de mídia .

Para dar conta de tanto trabalho, Oliveira conta com dois celulares com câmeras de 7 mega pixels, um gravador e um laptop. "Olha a foto que tirei. Está boa para o site. Mandei também para o jornal. É preciso estar adaptado à tecnologia. Imagina Alta Floresta, a 800 quilômetros de Cuiabá. Antes, o ouvinte ficava naqueles rádios enormes de ondas curtas e só ouvia zumbido. Hoje, ele liga o celular e me ouve. Uma vez, fiz uma cobertura jornalística e mandei o link para o portal do governo do Estado. Fui ouvido por 120 cidades diferentes".

Antenado com as novas tecnologias, Oliveira Jr consegue se manter em coberturas importantes, mesmo estando longe dos grandes centros. É um sobrevivente. Já não há, como antes, repórteres do interior de Pernambuco, de Feira de Santana...

Um dos causadores disso está sentado ali, a quatro cadeiras de Oliveira Jr. Leonardo Baran é correspondente de oito rádios de estados como Rio Grande do Sul, Tocantins, Alagoas, Paraná, Goiás e outras seis do interior do Rio. "Já pensou como é o custo de mandar um repórter para o Rio?", pergunta Baran, que também trabalha para a televisão, Esporte Interativo.

Com tanta gente para informar, Baran precisa se desdobrar. "Sirvo muitas rádios, mas só posso fazer uma pergunta. Então, digo o meu nome, mas não falo de qual veículo sou". A globalização também ajuda Baran. "As coisas mudaram. Antigamente, se eu cobrisse para a rádio da Paraíba, teria de falar do Hulk, Ceará queria saber do Jardel e Goiás, do Túlio. Hoje, nem tem essa necessidade. Uma boa pergunta satisfaz todo mundo".

Falta pouco para começar a coletiva. E as pessoas começam a se acomodar. O grande salão está quase lotado. Há grande movimentação. Alberto Lati, da Televisa, uma das maiores redes do mundo, com inserção no México, EUA e Canadá, procura um bom lugar. "Sou do México e te garanto que o interesse pelos brasileiros é muito maior do que pelos espanhóis, que nos colonizaram. A gente sempre torce para o Brasil, mas nos últimos anos, estamos ganhando umas de vocês, como os Jogos Olímpicos e o sub-17. É uma honra. Quem sabe a gente ganha e daí não vamos mais ser conhecidos como o país do Chaves".

Luis Augusto Simon/UOL
Lan Wong, do jornal "Orient Daily", de Hong Kong: viagem de 30h e correria por camisa da seleção
A movimentação aumenta e uma camisa da seleção brasileira se torna destaque. É vestida pela repórter Lan Wong, do jornal Orient Daily, de Hong Kong. Ela faz parte de um grupo com mais seis colegas, que tiveram a viagem bancada pela Sportlink, empresa que vende os jogos do Brasil no mercado asiáticos. "Viajamos 30 horas, cheguei muito cansada e saí correndo para comprar essa camisa. É um respeito que tenho pelo Brasil, o imperador do futebol", diz Wong, antes de sentar rapidamente "He is coming, He is coming", diz.

"He" é Felipão. Ele chega, às 11h29, acompanhado de Marin, Del Nero e outros dirigentes. Toma assento à mesa, bem distante dos jornalistas.

São 11h34. Toma o microfone e pede à população brasileira que aceite e abrace os 23 convocados, mesmo que haja uma discordância. E começa a anunciar os nomes. São 11h35 e Felipão, com voz forte, olhar desafiador e sotaque gaúcho diz o nome de Jefferson....

Veja também



Shopping UOL

UOL Cursos Online

Todos os cursos