Uma chance para acertar quem a Argentina considera seu inimigo nº 1 na Copa
Carolina Juliano
Do UOL, em São Paulo
Você pensou no Brasil? Errou. O treinador dos argentinos, Alejandro Sabella, não acha que a seleção brasileira seja a maior inimiga de sua equipe na Copa de 2014. Em entrevista exclusiva ao UOL Esporte, Sabella disse que o grande rival de sua seleção são eles próprios: "Não podemos relaxar nunca, todos os jogos são difíceis e o principal inimigo da Argentina vai ser a Argentina", disse o técnico.
Sabella talvez esteja diante do maior desafio de sua vida: levar a Argentina ao tricampeonato do mundo em terras rivais brasileiras. Aos 59 anos, o ex-jogador do River Plate e do Estudiantes de La Plata assumiu a seleção argentina em 2011, depois da desclassificação do time na Copa América, disputada em seu país. Teve pouco mais de 2 anos para preparar a equipe que vai trazer ao Brasil.
Experiência como treinador ele tem, e muito bem sucedida. Foi assistente de Daniel Passarella em times da Europa, do México, no Corinthians e nas seleções do Uruguai e da Argentina. Depois assumiu o Estudiantes, em 2009, e foi logo campeão argentino e também venceu a Copa Libertadores da América.
Sabella confessa que ainda não resolveu o problema do desequilíbrio entre ataque e defesa de sua seleção e que esse será o primeiro trabalho que fará com os jogadores que devem se reunir no campo de treinamentos em Ezeiza, na semana de 26 de maio. Se Carlitos Tevez estará entre os convocados ele não dá nem pista, é um assunto sobre o qual prefere não falar.
Adepto de várias superstições e manias, o técnico argentino garantiu, em entrevista feita por telefone desde Buenos Aires, que não vai mudar nenhuma delas para jogar a Copa em gramados brasileiros. "Vou fazer tudo igualzinho, mas para nós é estranho porque é muito perto, parece que estamos jogando no quintal traseiro de nossa casa", disse. "O problema é que o quintal é a casa do Brasil, o pentacampeão."
Leia a seguir os principais trechos da entrevista:
UOL: Como é para a Argentina jogar uma Copa no Brasil com tanta rivalidade entre os dois países?
Alejandro Sabella: Seguramente é diferente. Mas há duas circunstâncias: primeiro que nós, como argentinos, achamos que o mundial é muito perto de nossa casa, jogamos no quintal traseiro de nossa casa, mas a casa, na verdade, é do Brasil. E o Brasil é o pentacampeão, é muito vizinho, mas é um time de muita tradição, é a melhor equipe do mundo na história. Acho que tem muita rivalidade, mas muito respeito também porque nossas equipes são muito boas.
UOL: Sua experiência como jogador do Grêmio pode ajudar os jogadores argentinos a enfrentarem os torcedores brasileiros e suas provocações?
Sabella: É diferente porque é uma Copa do Mundo, e o povo brasileiro obviamente vai tentar apoiar o Brasil, mas eu estive jogando um ano e meio no Grêmio e depois três meses com (Daniel) Passarella como ajudante no Corinthians, mais ou menos eu conheço um pouco da mentalidade da torcida brasileira e do povo brasileiro. É um detalhe que poderá nos ajudar um pouco, mas não vai ser muito diferente porque todas as torcidas querem ganhar.
Achamos que o mundial é muito perto de nossa casa, jogamos no quintal traseiro de nossa casa, mas a casa, na verdade, é do Brasil
UOL: O campo do Internacional, rival do Grêmio, o senhor deve conhecer. Argentina vai jogar ali contra a Nigéria, pergunto se pode tirar alguma vantagem disso?
Sabella: Eu conheço o campo da época em que eu jogava no Grêmio e isso foi em 1985, já mudou muita coisa, os estádios são novos e estão muito modificados, por isso disso não tiraremos vantagem nenhuma.
UOL: No Brasil dizem que a Argentina está no grupo mais fácil da Copa, com Bósnia, Nigéria e Irã, países de pouca tradição em Mundiais. Há grupo fácil em uma Copa do Mundo?
Sabella: Grupo fácil não tem, mas há grupos mais fortes, claro. O grupo da Espanha, que tem o Chile, a Holanda está no grupo mais forte, o famoso 'grupo da morte'. Não é uma palavra que eu goste muito, mas é uma palavra que se usa. E depois tem grupos que são mais fracos do que os outros, mas não fáceis. Quem pensa que tem um grupo fácil comete um erro porque pode relaxar e isso vai ser problemático.
UOL: Mas haverá algum trabalho especial de sua equipe para que os jogadores argentinos não se deixem influenciar pensando que a fase de grupos já está ganha?
Sabella: Obviamente que vamos falar disso todo o tempo, que não podemos relaxar nunca, que todos os jogos são difíceis e que o principal inimigo da Argentina vai ser a Argentina. Vamos ter que nos concentrar e jogar cada jogo como se fosse o mais importante.
UOL: Na primeira fase da Copa, a Argentina jogará entre o Sudeste e o Sul do Brasil, onde haverá temperaturas mais amenas e também as distâncias percorridas para jogar serão. Isso pode beneficiar a sua seleção?
Sabella: O Brasil tem dimensões de continente, é um país muito grande e os jogos vão ser muito distantes. Essas distâncias são muito cansativas para o jogador e, além disso, se fôssemos jogar muito ao norte ou muito ao sul haveria grandes diferenças de temperatura, cai quase 15 ou 20 graus a temperatura. Até por isso escolhemos Belo Horizonte porque fica no centro do país e a oportunidade de ter sido sorteado para o grupo F para nós foi muito boa porque vamos jogar em três cidades relativamente perto e com temperaturas similares. Isso é bom para nós, sim.
UOL: Seu primeiro jogo será no mítico Maracanã, o senhor já jogou lá?
Sabella: Sim, quando joguei o Grêmio enfrentei ali o Vasco e também o Flamengo.
UOL: Se tudo sai bem, o Maracanã também será o palco do último jogo. Isso pode motivar sua equipe?
Sabella: Jogar uma Copa do Mundo é uma grande motivação, jogar no Brasil é uma grande motivação, e jogar em um estádio como o Maracanã ainda mais. Os jogadores sabem que são jogos muito importantes então tudo vai servir de motivação.
Não podemos relaxar nunca, todos os jogos são difíceis e o principal inimigo da Argentina vai ser a Argentina
UOL: Nos últimos mundiais se criticou muito a diferença entre a defesa e o ataque da seleção argentina. Como está a sua equipe hoje? Isso ainda é um problema.
Sabella: Sim, ainda é. Porque a Argentina tem uma grande potencialidade ofensiva e obviamente às vezes tem problemas e sofre na defesa. Quando você tem jogadores como Messi, Aguero, Higuain e Di Maria na frente tem muita potencialidade ofensiva e temos que conviver com essa realidade. A defesa tem problemas em jogos muito ofensivos e aí, sim, se desequilibra um pouco a equipe.
UOL: Mas há um trabalho em torno disso? Para fortalecer a defesa para a Copa?
Sabella: Sim, certamente vamos trabalhar. Até agora não tivemos muito tempo de trabalho, mas três semanas antes da Copa queremos os jogadores aqui na Argentina e faremos um trabalho defensivo para tentar equilibrar um pouco mais a equipe.
UOL: Lionel Messi chegará ao mundial como um dos maiores jogadores da Copa. Como o senhor faz para tirar essa pressão de cima dele? Messi precisa que lhe tire a pressão ou já está acostumado?
Sabella: Os grandes jogadores sabem todos que têm sobre eles uma grande pressão em uma Copa do Mundo, que se espera muito deles e, sim, cabe a nós tentar libertá-los um pouco dessa pressão.
UOL: Em 2009, o senhor como técnico do Estudiantes enfrentou o Messi no Mundial de Clubes. O que é mais fácil, enfrentá-lo ou tê-lo em seu grupo?
Sabella: Certamente que tê-lo no grupo. Não, não, enfrentá-lo não. Tê-lo na equipe. (risos)
Tenho superstições sim, e muitas. Mas são sempre as mesmas e não tem nenhuma nova para jogar esse Mundial. Tenho tantas que nem me lembra quantas são e quais são
UOL: Na Copa de 2010, a imprensa falou mais de Diego Maradona do que da própria seleção argentina. O senhor acha que aquela seleção foi sobrevalorizada por ter em seu comando um nome tão forte como Maradona?
Sabella: Aquela era uma grande seleção, com um grande treinador. Acontece que teve que jogar contra uma equipe como a Alemanha, que era um grande time e fez um gol logo no começo e depois foi muito difícil poder reverter o jogo. Perdeu só para a Alemanha, uma grande equipe com um grande treinador.
UOL: Dizem que o senhor tem muitas superstições e manias. Há alguma em especial para enfrentar a Copa do Mundo do Brasil?
Sabella: Tenho superstições sim, e muitas. Mas são sempre as mesmas e não tem nenhuma nova para jogar esse Mundial. Tenho tantas que nem me lembra quantas são e quais são, mas não vou modificar nada. (Sabella já contou à imprensa argentina que quando era técnico do Estudiantes, em todos os jogos dos dois campeonatos que venceu, o Argentino e a Libertadores da América, usou o mesmo casaco e o mesmo boné. Além disso, concedia sempre coletivas de imprensa em locais fechados. A partir de um jogo que perdeu para o Gimnasia, passou a conversar com os jornalistas somente ao ar livre e a primeira pergunta deveria ser sempre feita por um mesmo repórter).
UOL: O senhor se vê na final da Copa do Mundo?
Sabella: Não, eu me vejo no primeiro jogo. E depois me vejo no segundo e depois no terceiro e se classificamos ainda me vejo no quarto. E depois veremos.