Eles viram até oito Copas pelo mundo, mas não têm grana para ver no Brasil

Carolina Juliano

Do UOL, em São Paulo

A paixão de Antônio Raimundo Pereira da Silva pela seleção brasileira de futebol e pela Copa do Mundo é tão grande que ele tem a sala de sua casa, em Monte Sião, sul de Minas Gerais, toda decorada com objetos de cada uma das sete Copas que já assistiu. Silva começou a peregrinação em 1978, na Argentina, mas justamente em 2014, com o Mundial no seu "quintal", o aposentado de 63 anos corre o risco de quebrar uma tradição que já dura de 36 anos.

Edvalso Corsi, 74 anos, tem uma Copa a mais na bagagem: Argentina, Espanha, México, Itália, Estados Unidos, França, Alemanha e África do Sul. Só faltou na do Japão e Coreia "porque era muito longe e a língua era muito difícil". Mas e a Copa do Mundo do Brasil? "Corro o risco de não assistir ao Mundial na minha própria casa. Não tem ingressos, os hotéis estão caríssimos e as passagens aéreas também", diz. "É lamentável que o mais fácil acabou se tornando o mais difícil."

Silva e Corsi fazem parte de um grupo de pelo menos mais oito amigos que começaram a ir às Copas do Mundo motivados pela escalação, em 1978, de um jogador conterrâneo e muito amigo deles. "Eu fui o primeiro treinador do Oscar (Bernardi) na Associação Atlética Montesionense, de 1972 a 1977", conta Corsi. O zagueiro que começou na Ponte Preta e jogou depois no Cosmos dos Estados Unidos, no São Paulo e no Yokohama, do Japão, foi convocado para mais dois Mundiais (1982, na Espanha, e 1986, no México) e o grupo o acompanhou.

Três jogos do Brasil por US$ 110

Eles tomaram gosto e continuaram com a aventura pelas Copas a cada quatro anos. Os amigos contam que nunca tiveram problemas para assistir à seleção brasileira. Geralmente, eles aguardam o sorteio dos grupos e a definição dos confrontos e então começam a preparar a viagem. Compram as passagens aéreas e às vezes reservam hotéis. "Na Itália fomos sem fazer reservas e logo conseguimos hotel com diária de US$ 50. Nessa Copa também compramos os ingressos com tranquilidade em um banco e pagamos US$ 110 para assistir aos três jogos do Brasil na primeira fase", diz Silva.

O grupo às vezes compra as entradas antes de viajar, por alguma agência, para tentar garantir lugar. Para os Estados Unidos conseguiram um pacote completo com passagem, hotel e até ingressos para a primeira fase. "Mas isso pode dar certo ou não", diz Silva. "Na Alemanha, por exemplo, um grego que teria que nos entregar os ingressos desapareceu. Mas ainda conseguimos comprar para assistir Brasil e Croácia de um cambista, acredite se quiser, brasileiro, por 250 euros."

Arquibancada virou camarote

Na África do Sul, a sorte se inverteu de novo. O cirurgião dentista Walter Gotardello, outro integrante do grupo, comprou entradas para o jogo Brasil x Portugal, em Joanesburgo, pela internet, em uma empresa inglesa. Pagou US$ 170 por cada bilhete de arquibancada. "Quando chegamos lá, a moça representante da empresa disse que infelizmente não tinha mais lugares na arquibancada, e então nos colocou em um camarote da Fifa", conta. "Chegamos lá ao meio dia e saímos só depois das 20h, comemos e bebemos muito, esse jogo nós nem assistimos direito", lembra Corsi.

Os veteranos das Copas dizem que a experiência de já ter viajado para tantos Mundiais em tantos anos ajuda muito na hora de conseguir assistir aos jogos. E as histórias para contar são muitas. "Na França nós não conseguimos entradas para ver o primeiro jogo do Brasil contra a Escócia, mas eu e o Walter fomos até o estádio e um homem logo nos perguntou se queríamos assistir por US$ 500", conta Corsi. "Nós aceitamos e quando vimos, estávamos entrando no Stade de France por uma porta lateral marchando junto com a polícia. Eles nos colocaram sentados no meio do estádio, embolsaram os US$ 1 mil e sumiram. Tem malandro no mundo todo."

Jogo de abertura por R$ 10 mil

Mas no Brasil o grupo não acredita que conseguirá o mesmo êxito das demais Copas porque já ouvem falar em ingressos vendidos no câmbio negro por milhares de reais. "Tem um rapaz aqui da cidade que conseguiu ser sorteado para o jogo de abertura, ele nem gosta de futebol e disse que vai vender, mas que só para começar a negociar quer R$ 10 mil", conta Silva. "É um absurdo, o brasileiro enlouqueceu com essa Copa."

Até agora a turma conseguiu garantir presença no jogo do Brasil contra Camarões em Brasília. "Um de nós conseguiu 4 ingressos no sorteio, mas os outros fizeram as contas e como caíam na tabela dos considerados obesos pela Fifa, pediram esses ingressos que tinham baixa procura e conseguiram. Como podem levar um acompanhante cada um, já temos pelo menos oito ingressos garantidos", diz Silva. Mesmo assim, eles tiveram que desembolsar R$ 600 pela diária de um hotel na capital do país.

Mesmo estando presentes na Copa do Mundo dos Estados Unidos, quando o Brasil conquistou o tetracampeonato, o grupo de mineiros não esteve no estádio na final da Copa e não viu Dunga erguer a taça. E como não estiveram na Copa do Japão também não viram a festa de Cafu no pentacampeonato. "O pior é que se o Brasil conquistar o hexa aqui na nossa casa também não vamos ver e teremos que adiar esse sonho para 2018, na Rússia, se eu estiver vivo...", lamenta Corsi.

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