Governo contraria CBF e diz que Diego Costa só perde cidadania se quiser
Aiuri Rebello e Vinícius Konchinski
Do UOL, em Brasília e no Rio de Janeiro
O atacante brasileiro Diego Costa, do Atlético de Madri, só corre o risco de perder a cidadania brasileira se ele mesmo quiser e pedir. É o que diz o governo em resposta à polêmica provocada pelo diretor jurídico da CBF, Carlos Eugênio Lopes. Ele afirmou que entraria com um procedimento no Ministério da Justiça pedindo a cassação da cidadania do jogador após ele anunciar que decidiu trocar a seleção brasileira pela seleção espanhola.
Em entrevista ao jornal "O Globo", publicada nesta quarta-feira (30), o dirigente afirmou que Diego Costa decidiu defender a Espanha por dinheiro e que o presidente da entidade, José Maria Marin, havia autorizado a entrar com o pedido de cancelamento da nacionalidade brasileira. Procurado ao longo de toda a quarta-feira para comentar a afirmação, o advogado da CBF não respondeu aos telefonemas. Durante a tarde, Marin recuou e afirmou que o pedido de cassação ainda seria estudado pelos diretores da CBF.
"Os processos de perda não são admitidos pelo Ministério da Justiça sem que conste declaração expressa da própria pessoa", informa o ministério por meio de sua assessoria de imprensa. De acordo com a pasta da Justiça, os pedidos de cancelamento de cidadania ainda são julgados e, se aceitos, têm de ser aprovados pelo presidente da República e publicados no Diário Oficial para serem válidos.
"Apenas pedidos encaminhados com a declaração expressa do interessado são admitidos no Ministério da Justiça. Após o recebimento de declaração expressa do interessado solicitando a perda de sua nacionalidade, o pedido é processado no Ministério da Justiça, que fará a análise da documentação e encaminhará para decisão", afirma a nota enviada ao UOL Esporte.
Como o atacante já manifestou seu desejo de manter a nacionalidade brasileira e vir morar no Brasil quando se aposentar, não há como a CBF exigir a perda de nacionalidade do atleta brasileiro.
Dupla Nacionalidade
A perda da nacionalidade brasileira por um cidadão está prevista no parágrafo 4 do artigo número 12 da Constituição. Apesar disso, uma emenda à Carta, de 1994, acabou com a perda automática nesses casos. Uma portaria do Ministério da Justiça de 1998 definiu que a perda de cidadania brasileira por parte de um cidadão nascido no Brasil só acontece se ele mesmo pedir.
A CBF tenta também barrar a "transferência" do jogador para a seleção espanhola na Fifa (Federação Internacional de Futebol), mas a entidade máxima do futebol mundial já se manifestou dizendo que, como Diego Costa disputou apenas amistosos e não competições oficiais com a camisa da seleção brasileira, não há problema jogar pela Espanha a partir de agora.
Em sua página na internet de orientação a brasileiros no exterior e nas páginas de consulados brasileiros, como o de Frankfurt, na Alemanha, o Ministério das Relações Exteriores também afirma que não há problema na dupla nacionalidade e que, de acordo com a legislação, um brasileiro só perde a nacionalidade de seu país natal se assim solicitar.
Brecha quase impraticável
Apesar da posição do governo, para a professora da Faculdade de Direito da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), Carmen Tiburcio, a cassação da nacionalidade brasileira é possível, porém pouco provável. Especialista em direito internacional, ela usou o mesmo artigo da Constituição para explicar que qualquer brasileiro perde sua nacionalidade original se adquirir uma outra nacionalidade, como aconteceu Diego Costa em julho. Entretanto, disse que não vê essa cassação como uma possibilidade real pois ela dependeria de uma ação do governo brasileiro, que dificilmente vai se mobilizaria para negar a nacionalidade a um brasileiro.
O conselheiro e presidente da Comissão de Relações Internacionais da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil), George Niaradi, vê a situação da mesma maneira que Carmen Tiburcio.
"A Constituição permite que um brasileiro que foi morar em outro país mantenha duas nacionalidade se isso for uma imposição legal do local de onde ele decidiu morar. Não existe isso no caso de Diego Costa", afirmou ele. "O jogador deliberadamente decidiu solicitar uma nacionalidade da Espanha. Por isso, pode perder a nacionalidade brasileira." Apesar disso, Niaradi confirmou também que a cassação dependeria de uma atitude do governo brasileiro. Um processo teria que ser aberto pelo Ministério da Justiça e, no final, um decreto da Presidência poderia cassar sua nacionalidade brasileira.
A professora da PUC-RJ (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro), Daniela Vargas, lembra também que o governo não costuma retirar a nacionalidade de um brasileiro nato. "Estamos em outros tempos. O fluxo de pessoas por países é enorme e um processo de cassação como esse teria inúmeras chances de contestação", afirmou. "Existem milhares de brasileiros vivendo na Espanha e com nacionalidade espanhola. Eles não têm problema algum. Só porque Diego Costa é uma pessoa conhecida existe essa discussão", afirmou.
Essa também é a opinião do presidente da Comissão de Direito Desportivo da OAB-SP, Patrick Pavan. Ele disse que, no campo do direito desportivo, a situação de Diego Costa é completamente legal. No campo do direito constitucional, ele também não vê que a nacionalização espanhola venha a criar problemas para o atleta.
"Há inúmeros brasileiros que decidiram jogar por outros países e nunca tiveram problema", afirmou. "Sobre a perda de nacionalidade, caso haja alguma chance de cassação, ela depende de uma ação do Estado brasileiro. O governo nunca iria entrar numa disputa internacional com a Espanha por uma picuinha da CBF", completou.
Recuo
A CBF, por sua vez, já recuou. Marin declarou nesta quarta-feira que qualquer medida da confederação depende de uma análise da diretoria. "A posição de Carlos Eugênio Lopes ainda precisa passar por uma avaliação da diretoria da CBF", disse Marin por meio da assessoria de imprensa da CBF.
Marin também disse que não está preocupado com a nacionalização de Diego Costa em si, mas com o que isso pode representar para o futuro do futebol. "Ressalto ainda que não estou preocupado com o fato de Diego ter decidido jogar pela Espanha, mas sim com o futuro do futebol brasileiro no que tange esse assunto", afirmou, mostrando que a disputa por Diego pode acabar tendo consequências sobre a nacionalização de outros jogadores.