Herói da estreante Bósnia escapou de bomba em guerra civil nos anos 90

Do UOL, em São Paulo

A estrela da seleção da Bósnia-Herzegóvina, que acaba de ajudar o país a garantir uma vaga inédita na Copa de 2014, viveu na infância espremida em uma apartamento de 35 metros quadrados, espaço menor que uma pequena área de um campo de futebol. Edin Dzeko é o retrato de uma geração de seu país, que teve os anos de inocência marcados pela guerra nos anos 90. As memórias de um menino que um dia escapou por pouco de ser atingido por uma bomba certamente estarão presentes na histórica experiência de defender a bandeira bósnia no Mundial do Brasil. 

Jogador mais bem sucedido internacionalmente da atual equipe, Dzeko defende o Manchester City desde 2011 e tem uma trajetória pontuada por conquistas e, também, por traumas de uma guerra civil que devastou a sua terra natal entre os anos de 1992 e 1995.

A guerra da Bósnia foi um conflito armado que opôs sérvios e croatas e envolveu bósnios muçulmanos. A disputa, que resvalou em limpeza étnica, dizimou mais de 150 mil pessoas e fez do então presidente iugoslavo Slobodan Milosevic um célebre criminoso de guerra. O incidente só terminou depois de um acordo que gradualmente dividiu a Iugoslávia em seis repúblicas e duas regiões autônomas: Eslovênia, Croácia, Bósnia-Herzegovina, Macedônia, Montenegro e Sérvia (que ficou com Kosovo e Vojvodina).

Dzeko, hoje com 27 anos, é muçulmano e nasceu em Sarajevo, capital da Bósnia e um dos palcos centrais do conflito dos anos 90. Durante o cerco de forças sérvias, a casa do jogador foi destruída. A família de Edin teve que se abrigar na residência de seus avós e, durante três anos, ele viveu com uma dúzia de parentes em um flat com apenas 35 metros quadrados.

Em recente entrevista ao The Daily Mail, Dzeko relatou que ouvia tiros todos os dias e que perdeu muitos parentes durante o conflito. Entre as experiências traumáticas, o atacante descreveu o dia em que quase foi atingido por uma bomba. Ele estava brincando de futebol com outras crianças quando sua mãe o chamou e pediu para que ele saísse dali. Minutos depois, uma explosão tomou conta do lugar. "Meus pressentimentos salvaram a vida do filho", disse Belma, mãe do jogador, ao jornal britânico.

"A guerra da Bósnia aconteceu entre os meus 6 e 10 anos de idade. Era difícil sair e ter uma vida normal. Mas depois que tudo acabou, eu pude jogar futebol de novo", recorda Edin.

Assim como o atacante, a maioria dos jogadores da seleção bósnia teve uma infância difícil, marcada pela realidade de guerra civil. Muitos, em meio a instabilidade política, acabaram obrigados a abandonar o país e hoje atuam em times da Europa ocidental. 

Diamante bósnio

  • AFP PHOTO/ OLLY GREENWOOD

     

    Edin Dzeko começou sua carreira em 2003, como meio-campista em um time da Bósnia. Adiante se destacou jogando na República Tcheca, onde despertou a atenção do Wolfsburg, da Alemanha, que pagou 4 milhões de euros por sua transferência. Na temporada 2008/2009, ajudou o time alemão a conquistar a sua primeira Bundesliga e, no ano seguinte, foi artilheiro isolado do Campeonato Alemão, com 22 gols.

    A boa performance redeu a Dzeko uma transferência para o "novo rico" Manchester City por 27 milhões de euros. No time inglês, ele foi destaque na temporada de 2011/2012, marcando dois gols contra o Queen's Park Rangers na partida que deu ao City o título da Premier League após 44 anos.

    Dzeko é especialista em jogadas aéreas e detém o titulo de maior artilheiro da história da seleção da Bósnia, com 33 gols marcados. Em dez jogos nas eliminatórias europeias para 2014, a equipe acumulou 25 pontos e marcou 30 gols – dez foram de Edin. Depois de ajudar o país conquistar uma vaga inédita na Copa de 2014, o jogador se tornou um herói nacional e até ganhou o apelido de "diamante" 

O goleiro Asmir Begovic, por exemplo, fugiu para a Alemanha com a família quando tinha apenas quatro anos de idade e hoje joga no time inglês Stoke City. Já o atacante Vedad Ibisevic, que se refugiou nos EUA, atua no alemão Stuttgart. O meia Miralem Pjanic se mudou para Luxemburgo quando tinha 10 anos e hoje é titular da Roma na Itália.

E depois de duas décadas após a sangrenta guerra étnica, jogadores muçulmanos, sérvios e croatas se uniram em uma única seleção para conquistar o maior êxito de sua história. A inédita vaga na Copa no Brasil se cristalizou com a vitória sobre a Lituânia.

Após o triunfo, os jogadores foram recebidos como heróis em Sarajevo e trouxeram esperanças de união a uma sociedade que segue dividida por constantes divergências entre os líderes políticos do país – um problema que Dzeko quer ajudar a resolver.

Mesmo fora da Bósnia, o jogador não abandonou suas raízes e mantém um apartamento em Sarajevo. Em 2009 ele se tornou o primeiro embaixador da UNICEF no país e prega a unidade e a tolerância entre a população local. "Eu costumo ir até as escolas para falar com as crianças. Tento mostrar que o importante é você ser um bom homem ou uma boa mulher, independente se você é cristão, católico ou muçulmano", argumenta Dzeko.

"Eu tento convencer as pessoas a se unirem, mas é complicado porque a guerra trouxe ódio e desconfiança entre os povos. Ainda há muito a fazer", declarou o jogador ao jornal.

Pode ser que a classificação da Copa tenha sido o primeiro passo. É a primeira vez que o país chama a atenção do mundo por um evento positivo e, mesmo diante da dura retórica nacionalista dos políticos bósnios, as pessoas saíram às ruas da capital para comemorar, juntas, a classificação da seleção. 

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