O que a Copa vai deixar para o futebol brasileiro?

Renata Mendonça e Paulo Silva Junior

Da BBC Brasil, em São Paulo

  • Júlio César Guimarães/UOL

Em junho do ano passado, quando faltava um ano para a Copa do Mundo no Brasil, o presidente da Fifa, Joseph Blatter, disse que queria que o Mundial deixasse um "legado" para o futebol no país, referindo-se ao esporte como um todo, não apenas à estrutura física dos estádios.

Passados os quase 30 dias de Mundial, alguns analistas ouvidos pela BBC Brasil já conseguem prever alguns benefícios que o futebol brasileiro poderá herdar: os 12 estádios "padrão Fifa", novos torcedores e uma possível "contaminação" do futebol de alto nível jogado na Copa.

Mas a herança principal da Copa para o futebol nacional pode surgir a partir de algo inesperado: a derrota por 7 x 1 para a Alemanha pode ser um fator determinante para uma mudança radical no futebol brasileiro.

"Esse desastre não veio por acaso, é reflexo dessa estrutura ruim que temos no futebol brasileiro", opinou o preparador físico João Paulo Medina, fundador da Universidade do Futebol (instituição que promove ensino e qualificação no futebol).

"A gente não pode querer botar a culpa no Felipão, nos jogadores. Perder ou ganhar vai acontecer com todos os países, mas a gente está tendo sinais de que estamos em declínio há muito tempo e a gente não está tendo mudanças. Quem sabe agora a gente acorda pra isso."

Torcedores ouvidos pela BBC Brasil no dia pós-goleada também mencionaram que a derrota humilhante deveria servir para o Brasil "repensar muita coisa". Citaram a importância de um investimento maior no futebol nacional e nas categorias de base com principal agente da mudança necessária para a seleção voltar ao topo.

Mas na coletiva de Luiz Felipe Scolari e Carlos Alberto Parreira (coordenador técnico da seleção) no dia seguinte à eliminação, o tom do discurso era de que uma derrota não poderia apagar a qualidade do trabalho que foi feito até agora.

"Reinventar o futebol brasileiro? Porque perdeu um jogo? Boa parte da equipe vai estar em 2018; é uma derrota catastrófica, feia, horrível, a pior do mundo, mas é um caminho para aprender e seguir", disse Felipão, que reforçou que o que houve com a seleção foi uma "pane".

"A visão é a mesma, de otimismo, avaliação positiva. O trabalho foi muito bem conduzido. Se fosse amanhã, nossa expectativa em relação à Copa seria para ganhá-la, não ia mudar nada. Não foi possível, estamos tristes", comentou Parreira.

Plano de mudança

Ao longo das últimas décadas, o comando da CBF e das federações de futebol de todos os estados sempre foi feito pelos chamados "cartolas", os homens de "negócios" do futebol, sem que mudanças significativas acontecessem. O presidente da Confederação era Ricardo Teixeira desde 1989 e só em 2012 deu lugar a José Maria Marín, seu vice à época. Esse, por sua vez, dará lugar à Marco Polo Del Nero agora, que também foi vice da sua gestão nos últimos anos.

Isso tem colaborado para deixar a estrutura do futebol brasileiro "engessada", analisam os especialistas. E a derrota por 7 a 1 para a Alemanha poderia servir para despertar os dirigentes para uma mudança mais efetiva.

O movimento de jogadores criado no ano passado, Bom Senso FC, até já deu os primeiros passos na reivindicação por melhorias no calendário e mais investimento no futebol nacional. Até o momento, no entanto, as conversas com a CBF sobre o tema não evoluíram muito.

Já o Ministério do Esporte parece mais empenhado em ajudar o desenvolvimento do futebol no país. "Nós temos que lidar com um problema crônico da dívida dos clubes brasileiros; temos que garantir que esses clubes nacionais continuem a ter um papel formador de atletas; temos que pensar em melhorias no calendário; temos que pensar em medidas para fortalecer a profissionalização dos clubes e das federações de futebol", disse à BBC Brasil o secretário do ministério, Luis Fernandes.

"É uma agenda ampla de modernização que terá que ser intensificada agora a partir das lições da derrota sofrida na semifinal."

João Paulo Medina vai além. Para ele, é preciso um plano de desenvolvimento do futebol, como aquele que foi feito na Alemanha no início da década de 2000 – após as derrotas na Eurocopa e no Mundial – para transformar o futebol brasileiro.

"Precisamos de um plano de ação para o futebol em que todo mundo contribua, do jogador ao técnico. É um trabalho integrado e tem que lutar pra que seja implementado", pontuou. "Não podemos jogar fora todo esse investimento feito (na Copa). Só estádio, que é o hardware, não resolve, temos que ter o software pra fazer funcionar", finalizou.

Procurada pela reportagem, a CBF disse que só vai falar sobre o tema depois da Copa.

Arquibancada

Apesar do trauma de terça-feira, a Copa do Brasil empolgou, com jogos emocionantes e uma chuva de gols – foram 167 até agora, média de 2,69 por partida.

As 12 modernas arenas construídas ou reformadas para a Copa permitiram ao brasileiro ter contato com uma nova experiência nos estádios, com mais conforto e mais segurança.

"Num primeiro momento, esses estádios novos atraem mais pessoas, que querem ir aos jogos para conhecê-los", disse Erich Beting, especialista em marketing esportivo, à BBC Brasil.

Para Erich, porém, o grande legado da Copa para o futebol brasileiro, mais do que os estádios, são os torcedores. "É bem possível que a gente veja o torcedor querendo ter mais contato com futebol", explicou. A Copa criou um torcedor mais exigente. Ele já não se contenta com qualquer coisa, ele quer um estádio melhor, um bar que funcione, mais organização. E melhor nível técnico também."

"Essa impregnação do futebol é muito positiva", comentou o diretor-executivo do Fluminense, Paulo Angioni. "O Brasil vive um momento de efervescência. Naturalmente essa média (da Copa do Mundo, acima das 50 mil pessoas por jogo) é improvável, mas podemos ter algo razoavelmente bom. Agora, paralelamente a isso deveria ser feito algo para dimensionar de melhor forma o nosso campeonato."

Por outro lado, há críticas quando ao aumento no preço dos ingressos dos estádios, decorrentes das reformas efetuadas para o Mundial - tornando mais difícil para o torcedor comum acompanhar os jogos de seu time.

"Se o espetáculo não ajudar, também, isso não adianta muito. O cara não vai pagar caro para ver um jogo ruim. No ano passado, fizemos um levantamento de público nas novas arenas e a do Grêmio, por exemplo, teve media de só 40% de ocupação", ressaltou Erich Beting.

O campo

Dentro de campo, a expectativa é também para que a Copa do Mundo inspire a melhora no nível técnico do futebol dos clubes nacionais.

Para Tostão, um dos craques da seleção brasileira de 1970 - aquela que ficou conhecida justamente pelo seu estilo de "jogar bonito" -, o futebol jogado na Copa pode servir de inspiração para o que vem sendo praticado nos campeonatos nacionais.

"Os jogos estão bons, de muita qualidade técnica, e isso não é o futebol que se joga no Brasil. O legado será abrir os olhos dos técnicos brasileiros, que estão reféns de um jogo ultrapassado, melhorar a qualidade dos times, das categorias de base", observou o ex-jogador em entrevista à BBC Brasil.

Sobre a retomada do Campeonato Brasileiro, o analista de desempenho do Grêmio, Eduardo Cecconi, vê um certo pessimismo da imprensa e acredita que a grande diferença da competição nacional para a Copa é principalmente na estética do futebol.

"A percepção do público passa mais pela mídia que pelos jogos, já que está sendo massificada essa ideia (de que o Brasileiro é um campeonato de baixo nível) e ainda nem sabemos. Os times estão há 45 dias treinando, vai que se consegue ter um bom campeonato?", opinou.

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