Copa tem 'vencedores e perdedores' também na economia

Ruth Costas

Da BBC Brasil em São Paulo

Quando a última bola rolar em campo, neste domingo, a Copa do Mundo terá deixado vencedores e perdedores também na economia.

Apesar das promessas do governo de que o evento geraria milhares de empregos e ajudaria a impulsionar a economia, ainda não está claro qual será seu impacto geral nesta área.

Consultorias sondadas pela BBC Brasil, como a Tendência e a Capital Economics, preveem um efeito nulo ou insignificante sobre o PIB.

Mas se o saldo total do torneio ainda é incerto, está cada vez mais evidente que alguns setores devem comemorar a "taça" das vendas, enquanto outros amargarão resultados mais fracos.

Entre os mais beneficiados, segundo o economista Juan Jensen, da Tendências, estão negócios ligados a segmentos de lazer e turismo, como bares e os hotéis das cidades-sede.

Produtores de cerveja e fabricantes de televisores também saíram ganhando.

E ainda na fase de preparação para os Jogos, grandes empreiteiras lucraram com as obras ligadas ao Mundial.

Do lado dos perdedores parecem estar a indústria em geral e o varejo não ligado ao torneio - que sofreram com os feriados e paralisações provocados pelos Jogos.

Os restaurantes também reclamam da falta de movimento no mês da Copa e do perfil dos turistas que vieram para ver as partidas.

Abaixo, confira o levantamento da BBC Brasil sobre os campeões e os lanterninhas do Mundial no campo econômico:

Bares

Entre os segmentos que lucraram com o evento, os bares se destacam.

"Antes da Copa, estávamos preocupados: pela mídia, a impressão que se tinha era que os estádios podiam cair e correria sangue nas ruas", diz Percival Maricato, da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel).

"Ainda bem que esse pessimismo não afastou os turistas e a atmosfera de festa tomou conta do país. Como resultado, tivemos um aumento do movimento nos bares de até 30%, comparável ao das festas de fim de ano."

Nos dias de jogos do Brasil, teria havido uma alta de até 70% no movimento segundo a Abrasel.

Como resultado, o segmento deve faturar R$ 12 bilhões no mês do Mundial, contra R$9 bilhões do mesmo mês do ano passado.

Hotéis

O setor de hotéis também está entre os que saíram ganhando com o torneio.

Segundo dados do Fórum de Operadores Hoteleiros do Brasil (FOHB) na primeira semana da Copa, os hotéis das cidades-sedes registraram uma ocupação média de 80% em vésperas e datas de jogos.

Para o presidente do Fohb, Roberto Rotter, há muito a ser comemorado.

"Em Manaus, por exemplo, os turistas ficaram muito além do que apenas nos dias de jogos", ele diz.

"Talvez São Paulo, por ter o maior parque hoteleiro do Brasil e ser voltada para o turismo de negócios, (a ocupação) tenha ficado abaixo da média das outras cidades-sede, mas também surpreendeu", defende ele.

Em fevereiro, só 27% dos apartamentos estavam vendidos na capital paulista. Em junho, o índice chegou a 69% em dias de jogos e vésperas – valor próximo à média para o período.

"E deve-se considerar que as tarifas estavam mais altas do que normalmente, então o saldo deve ser positivo mesmo para os hotéis paulistas", diz o ministro do Turismo, Vinícius Lages.

Televisores

Entre os brasileiros que preferiram assistir aos jogos em casa, com família e amigos, muitos resolveram garantir uma imagem de qualidade.

Segundo a Associação Nacional de Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos (Eletros) as vendas de TVs de janeiro a abril aumentaram quase 45% em relação ao mesmo período do ano passado.

Um dos motores desse crescimento parece ter sido a queda no preço do produto – que estava 40% mais barato que na Copa de 2010.

Fabricantes e varejistas, porém, parecem ter projetado uma alta das vendas ainda maior.

Na Zona Franca de Manaus, por exemplo, a produção de TVs de LED de janeiro a abril foi 65% maior que no ano passado.

Isso explica por que algumas redes já estão fazendo promoções com a proximidade do fim do Mundial para acabar com os estoques.

Cerveja

No setor de alimentos e bebidas um dos destaques foi o segmento de cervejas.

Para atender à demanda da Copa, até junho a produção cresceu 11,2% na comparação com o mesmo período do ano passado segundo a CervBrasil, a Associação Brasileira da Indústria da Cerveja.

A entidade não tem dados relativos a vendas, mas o grande movimento nos bares parece indicar que esse esforço de produção foi compensado.

Em Porto Alegre, por exemplo, o consumo de cerveja nos dias de jogos superou o da Oktoberfest – maior celebração da bebida no país -, segundo um levantamento do jornal Zero Hora.

Em 18 dias de jogos, teriam sido consumidos nos bares da cidade 700 mil litros de cerveja, 100 mil a mais que nos 18 dias da Oktoberfest de 2014.

Construtoras

Segundo estimativas do Sindicato de Arquitetura e Engenharia (Sinaeco), as obras ligadas à Copa teriam movimentado no setor de construção civil mais de R$ 35 bilhões desde 2007.

Só os investimentos da chamada Matriz de Responsabilidade, documento que reúne os projetos a cargo do governo federal, governos estaduais e cidades-sede, somaram R$ 26 bilhões – e boa parte desse montante acabou no setor de construção civil.

A Odebrecht, por exemplo, esteve envolvida na construção ou reforma de quatro estádios.

João Augusto de Castro Neves, analista da consultoria Eurasia Group, diz porém que o impacto setorial do Mundial poderia ter sido maior se todas as obras de mobilidade e infraestrutura urbana prometidos para 2014 tivessem saído do papel.

"No final as construtoras que ganharam mais com o evento foram aquelas envolvidas nas obras dos estádios e seu entorno. Mas o efeito cascata desses investimentos acabou sendo mais limitado que o esperado", opina Castro Neves.

Varejo

Se os ganhos parecem ter sido segmentados, Marcel Solimeo, economista da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), diz que as perdas foram mais generalizadas, atingindo boa parte de comércio não ligado a Copa.

"É verdade que estamos em um cenário de desaceleração econômica e nem todas as perdas podem ser atribuídas ao Mundial", diz ele.

"Mas essas paralisações provocadas pelos jogos – feriados, semi-feriados, congestionamentos e rodízio ampliado – certamente não ajudaram a melhorar as vendas."

A Confederação Nacional do Comércio (CNC) estima em R$ 600 milhões as perdas diárias com os feriados.

Em São Paulo, as vendas no varejo registraram queda de 12,9% em junho ante maio e de 0,75% em relação a junho de 2013.

"O bolso é um só: então se as pessoas compraram mais televisores devem ter deixado de comprar fogão ou outros itens de eletroeletrônicos", diz Solimeo.

Indústria

A indústria também sofreu com as paralisações e feriados, em um cenário já desfavorável, marcado pela queda da produção e investimentos.

O economista da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan), Guilherme Mercês, calcula que só a indústria carioca deixou de ganhar mais de R$ 320 milhões em função dessas paralisações.

A Confederação Nacional da Indústria (CNI) não tem dados fechados sobre as perdas dos feriados, mas é de se esperar um impacto semelhante em outros estados.

"O problema é que haverá um custo para se recuperar essa queda na produção com horas extras", diz Mercês.

"Além disso, também é preciso considerar as perdas por conta da queda das vendas em setores não ligados ao torneio."

Restaurantes

No setor de serviços, entre os segmentos que se surpreenderam com a queda nas vendas está o dos restaurantes.

"Embora ainda não tenhamos dados gerais para o setor, tivemos uma redução significativa do movimento que não será recuperada depois da Copa - afinal, ninguém vai almoçar duas vezes para compensar", diz Sérgio Kuczynski, vice-presidente da Associação Nacional de Restaurantes.

Dono do Arábia, em São Paulo, Kuczynski conta que em seu restaurante o número de clientes caiu de 20% a 30% durante o torneio.

"Só os serviços delivery tiveram um pequeno aumento, porque muita gente que ficou em casa para ver os jogos acabou pedindo comida."

Para Kuczynski, o setor saiu perdendo em função do perfil de turista que veio para o Mundial.

"O turista de Copa em geral viaja sozinho, sem a família, e vai pouco a restaurante - prefere bar."

Impacto geral

O governo brasileiro sempre exaltou o potencial da Copa para movimentar a economia e gerar empregos.

"O Mundial é uma oportunidade histórica para promovermos desenvolvimento socioeconômico no âmbito local e nacional", disse em maio à BBC Brasil Joel Benin, assessor para Grandes Eventos do Ministério dos Esportes.

A promessa, feita com base em um estudo de 2010 da Fundação Getúlio Vargas e da Ernst & Young, era que o Mundial geraria 3,6 milhões de empregos e movimentaria R$ 142 bilhões até 2014.

"A Copa vai produzir um efeito cascata surpreendente nos investimentos no país", dizia o estudo. "A economia deslanchará como uma bola de neve, sendo capaz de quintuplicar o total de aportes aplicados diretamente no evento e impactar diversos setores."

Desde o início do torneio, porém, analistas têm advertido que a competição pode decepcionar quem espera um efeito econômico amplo significativo, embora alguns setores específicos devam de fato ser beneficiados.

Eles apontam que a essa altura os efeitos dos investimentos em infraestrutura já deveriam ter sido sentidos.

Alguns estudos também sustentam que essas previsões iniciais estavam superestimadas. Um trabalho do professor da Unicamp Marcelo Proni, por exemplo, diz que os cenários iniciais não consideraram o desaquecimento econômico e seus efeitos sobre os investimentos.

Além disso, a agência Moody's e consultorias como a Capital Economics e a Tendências têm enfatizado o pequeno peso em relação ao PIB dos gastos dos turistas e investimentos ligados ao evento.

"Como sai caro sediar eventos esportivos como Copa e Olimpíadas, antes que eles ocorram sempre temos estimativas oficiais infladas sobre seu possível impacto econômico que mais tarde têm de ser revisadas", diz Jensen, da Tendências.

"O Brasil está vivendo um momento de enfraquecimento da atividade econômica em função principalmente da queda dos investimentos, problemas de competitividade na indústria e incertezas ligadas às eleições. Nesse contexto, a Copa pode até ajudar alguns setores mas não deve fazer muita diferença para a economia como um todo."

Longo prazo

O ministro do turismo, Vinícius Lages, admite que o Mundial não vai salvar a economia, mas exalta o potencial do evento para atrair turistas e investimentos no longo prazo.

Segundo o ministro, o Brasil projetou uma imagem positiva durante os jogos e o torneio foi um sucesso do ponto de vista organizacional.

"Nossa tarefa agora é trabalhar para capitalizar essa boa imagem para atrair mais turistas para destinos variados no país", diz ele.

João Augusto de Castro Neves, do Eurasia Group, é mais cético sobre essa possibilidade.

"É verdade que agora está havendo uma leitura positiva do torneio e ele parece ter sido bem-sucedido do ponto de vista organizacional", ele avalia.

"Mas no médio e longo prazo essa percepção pode acabar sendo afetada em duas situações: se os estádios construídos para a Copa virarem 'elefantes brancos' ou se as obras de mobilidade urbana que não ficaram prontas para o Mundial não forem retomadas."

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