Esqueça a Alemanha divertida. Capitão Lahm concilia discrição e polêmicas

Do UOL, em São Paulo

Independentemente do título na decisão deste domingo, no Maracanã, a Alemanha também assegurou o título de seleção mais divertida da Copa de 2014. Em redes sociais e ao vivo, os jogadores da equipe europeia protagonizaram várias histórias que justificam esse rótulo. Só não tente incluir o capitão Philipp Lahm nas gracinhas. Reservado, o principal líder do time germânico não chama atenção por "selfies" ou brincadeiras. Se você ouvir falar sobre o polivalente jogador de 30 anos, até este domingo seria só por dois motivos: o desempenho incrível e o retrospecto de polêmicas. Agora, também por levantar a taça de campeão do mundo.

Lahm é um dos maiores símbolos da reconstrução do futebol alemão, processo que norteou a formação da seleção que disputa a Copa de 2014. Titular da equipe nacional há três Mundiais, capitão desde a edição passada, o lateral concilia dedicação, eficiência e características de jogo que alicerçam a formação da equipe. Foi o atleta que mais distribuiu passes no torneio deste ano (562 acertos - 86,3% de aproveitamento, superando o argentino Javier Mascherano na final).

"Ele é o jogador mais inteligente que eu já comandei", resumiu o espanhol Pep Guardiola, técnico de Lahm no Bayern de Munique. Com ele, o capitão passou a atuar com mais frequência como meio-campista. "É simplesmente impossível jogar melhor nessa posição do que ele fez nos últimos jogos", elogiou o treinador na temporada 2013/2014 do Campeonato Alemão.

Os elogios de Guardiola dão uma boa dimensão da relevância de Lahm. O espanhol foi o técnico responsável por um dos períodos mais vitoriosos da história do Barcelona. Comandou jogadores como Xavi Hernández, Andrés Iniesta e Lionel Messi. Fechou com o Bayern de Munique depois de um período sabático e encontrou uma equipe que havia triunfado muito na temporada anterior. Ele podia ter feito uma análise menos enfática ou podia ter direcionado a ovação a Bastian Schweinsteiger, Arjen Robben ou Franck Ribéry. No entanto, além de um reconhecimento, a avaliação foi uma forma de afagar o ego do principal líder do elenco.

No Bayern e na seleção alemã, Lahm é um jogador com enorme ascendência sobre os outros atletas. Uma liderança moldada a partir de uma combinação entre dedicação e experiência, sem gritos ou imposições.

"Hoje em dia você precisa dividir a responsabilidade. Cada jogador tem de saber o papel que precisa desempenhar. Olhe para o Manchester United que venceu a Liga dos Campeões da Uefa em 2008, por exemplo. Roy Keane não era um líder para aquele grupo, mas as coisas funcionavam", disse Lahm em entrevista concedida à revista alemã "Spiegel". "Eu não gosto de líderes que tentam se impor e controlar o grupo. [Stefan] Effenberg [jogador alemão] era um líder por causa da presença ou pelo que ele projetava como presença?", questionou na sequência.

A construção do líder

A trajetória de Lahm no Bayern de Munique começou quando ele tinha apenas 11 anos. O alemão chegou às categorias de base como meia e sonhava ser como o compatriota Mehmet Scholl. Logo nos primeiros anos, foi deslocado para a lateral. "Eu rapidamente percebi que precisava de um novo modelo. Escolhi [o italiano] Paolo Maldini", relatou o atual capitão da seleção.

Ainda na base, Lahm foi muito questionado por ser baixo e por não entregar nada espetacular. Hermann Gerland, que foi técnico dele nos times menores do Bayern de Munique, certa vez chamou um treinador para observar o lateral. "Ele queria cobrar o combustível gasto para chegar até ali porque achava que tinha perdido tempo. Nós nos encontramos anos depois, quando Philipp já estava consolidado, e eu saquei minha carteira. Perguntei quanto ele queria por aquela viagem", contou ao jornal "tz".

Em 2003, Lahm foi emprestado ao Stuttgart. Jogou nas duas laterais da equipe comandada por Felix Magath, ajudou o time a terminar um Campeonato Alemão na quarta posição e ganhou moral para o retorno ao Bayern de Munique. Na equipe em que foi revelado o lateral direito / lateral esquerdo / meio-campista conquistou 15 títulos, oito como capitão.

A consolidação em um dos maiores times da Alemanha alçou Lahm à seleção. O lateral já tinha histórico na base, mas foi convocado pela primeira vez para a equipe principal em 2004. Dois anos depois, foi titular na equipe que jogou a Copa do Mundo em casa. Fez o primeiro gol daquela competição e foi eleito pela Fifa o melhor em campo na segunda rodada. Tudo isso jogando pelo lado esquerdo do campo, apesar de ser destro.

Em 2008, Lahm já era um dos principais laterais do planeta. O alemão recebeu proposta formal para trocar o Bayern de Munique pelo Barcelona, mas contestou seus empresários e rejeitou. Em vez do dinheiro, ele preferiu seguir em casa. A personalidade forte do jogador se manifestava mais uma vez.

Lahm também já era uma voz importante na seleção alemã. Na primeira fase, depois de uma derrota por 2 a 1 para a Croácia, o lateral foi questionado pela revista "11Freunde" sobre o que havia conversado com o restante do elenco: "Quando você sente que é ouvido, começa a desenvolver devagar um papel de líder. Eu cheguei à equipe com 19 anos, e na época não conseguia participar das discussões importantes. Hoje eu ainda sou jovem, mas já tenho experiência suficiente para isso".

As polêmicas

O papel de líder do lateral na seleção só foi consolidado, contudo, na Copa de 2010. E de uma maneira que até hoje rende polêmica. Na época, o dono da braçadeira era o meio-campista Michael Ballack, que se machucou e não pôde jogar o Mundial da África do Sul. Lahm herdou a faixa e admitiu que gostaria de mantê-la. O anúncio foi feito num dia em que Ballack havia visitado o elenco, horas depois da saída dele.

Ballack sentiu ter sido traído. "Ele é um jogador inteligente e não teria dado uma entrevista assim sem ter respaldo. Deve ter sido algo combinado com o treinador [Joachim Löw]", acusou o meio-campista. "Eu sou o capitão. Ele se manifestou em momento inoportuno, quando eu estava machucado e não podia me defender. Vou conversar com ele sobre isso quando retornar. Eu ainda sou o dono da faixa", completou o meio-campista. Ballack nunca mais foi capitão da seleção alemã.

A polêmica com Ballack foi apenas uma em que Lahm se envolveu. Em 2011, o lateral lançou uma autobiografia intitulada "Der feine unterschied" ("A sutil diferença", em tradução livre). No livro, criticou praticamente todos os técnicos com quem trabalhou. Reclamou de Felix Magath e Louis van Gaal, mas o alvo mais contundente foi Klinsmann: "Com ele, nós praticamente só fazíamos treinos físicos. Havia poucas instruções técnicas, e os jogadores decidiam como se posicionar independentemente do que conversávamos nos vestiários".

Além da seleção alemã, Klinsmann foi técnico de Lahm no Bayern de Munique entre 2008 e 2009. "Depois de sete ou oito semanas nós já sabíamos que não daria certo", escreveu o lateral.

O livro de Lahm foi muito criticado por pessoas que trabalhavam com futebol alemão na época. Rudi Völler, ex-jogador e ex-treinador da seleção, chamou o jogador de mau caráter" e disse que ele havia feito um livro "patético".

O perfil reservado

Todas as polêmicas e discussões sobre poder contrastam com um traço marcante na personalidade de Lahm: ele é extremamente reservado. O lateral é casado com Claudia Schattenberg desde 2010, por exemplo. A cerimônia foi realizada quatro dias depois da Copa em que ele havia sido capitão da seleção, e nenhum jogador foi convidado.

Lahm é descrito por outros jogadores como um líder reservado, que fala apenas nos momentos mais importantes. Raramente eleva o tom de voz e demonstra muito controle emocional. "Não gosto de impor minha presença", resumiu o lateral.

Na Copa de 2010, Lahm foi o jogador tornou-se o jogador mais jovem da história a usar a braçadeira da seleção da Alemanha em um Mundial. Neste domingo, adicionou ao currículo um título que o país não conquistava desde 1990.

Questionado sobre como pretendia comemorar, Lahm deu mais uma demonstração de personalidade: "Dormir cedo e dormir muito. Provavelmente eu vou gritar bem alto no momento, mas depois vou querer descansar".

Veja os números derrubados pela Alemanha
  • AFP PHOTO / FELIPE DANA/POOL
    Gols marcados
    Pelé, Ronaldo, Romário e outros tantos artilheiros passaram pelo ataque da seleção brasileira. Mas, o Brasil não é mais dono do principal setor ofensivo das Copas. A goleada de 7 a 1 colocou os alemães com 223 gols contra 221 brasileiros. Foto: AFP PHOTO / FELIPE DANA/POOL
  • Flávio Florido/UOL
    Artilheiro
    Ele nem jogou na goleada sobre Portugal e muitos acreditavam que ali ele perdeu uma excelente chance de bater o recorde como maior artilheiro da história das Copas. Na 2ª rodada, Klose começa no banco de reservas, mas consegue fazer gol e empata com Ronaldo com 15 gols. Passam mais três jogos, ele atua em mais dois, apenas um como titular, e contra o Brasil consegue finalmente chegar ao 16º gol. Foto: Flávio Florido/UOL
  • Jefferson Bernardes/VIPCOMM
    Número de jogos
    Não satisfeito em derrubar Ronaldo como principal artilheiro das Copas, Klose também poderá se tonar o jogador com mais partidas em Mundiais. Na última terça-feira, o atacante alemão igualou Cafu no posto com 16 jogos. Agora, caso jogue alguns minutos contra Argentina ou Holanda, na final do torneio, ele se isolará como atleta com mais duelos. Foto: Jefferson Bernardes/VIPCOMM
  • REUTERS/Ruben Sprich
    Número de finais
    Não foi apenas no quesito gols marcados que Alemanha deixou o Brasil para trás. As duas seleções estavam empatadas em número de final. Como os alemães venceram a semifinal, a equipe europeia chegou a sua oitava decisão de Mundial, deixando os brasileiros apenas com sete. Foto: REUTERS/Ruben Sprich
  • Buda Mendes/Getty Images
    Maior goleada
    Por fim, a Alemanha ainda marcou a história do Brasil com a maior goleada sofrida pelos brasileiros na história, igualando a Copa América de 1920, quando o Uruguai venceu por 6 a 0. Em Copas do Mundo, essa derrota foi a pior de todos os tempos. Foto: Buda Mendes/Getty Images

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