Klose, o trunfo da Alemanha: se ele marca, time não perde
Do UOL, em São Paulo
A Alemanha já vencia o Brasil por 1 a 0 aos 22min do primeiro tempo, quando Júlio César soltou uma bola na direção do meio da área. O rebote foi na direção de Miroslav Klose, que completou para as redes, chegou a 16 na história da Copa do Mundo e se isolou como o maior artilheiro da história do torneio. Ali o time europeu teve um motivo para prever que a vida seria tranquila. Afinal, a seleção nunca perdeu um jogo em que Klose marcou.
Klose é ponto divergente num time que tem sido exemplo de técnica e cuidado com a bola na Copa de 2014. É o definidor, e quase sempre em situações muito claras. Os 16 gols dele em Mundiais foram feitos a menos de 11 metros da linha fatal – distância menor do que um pênalti, portanto. Ainda assim, é inegável a estrela do centroavante, enfim campeão do mundo após o título conquistado no Maracanã, com o 1 a 0 sobre a argentina neste domingo.
Aos 36 anos, Klose foi o jogador mais velho da Alemanha na Copa. Também é o único do elenco que tem quatro Mundiais no currículo (finalista em 2002 e 2014, semifinalista em 2006 e 2010). A participação dele na competição dele vai ficar marcada por ter quebrado o recorde do brasileiro Ronaldo, que havia anotado 15 gols na história do torneio, mas a importância do centroavante é muito maior do que isso.
Com 71 gols marcados em 137 partidas, Klose é o maior artilheiro da seleção alemã. Ele balançou as redes em 47 partidas da equipe nacional, e o time obteve 41 triunfos e seis empates nesses jogos.
Os números positivos de Klose pela seleção alemã vão além: ele tem 17 vitórias em Copas, deixando em segundo o brasileiro Cafu (16), e divide com o compatriota Uew Seeler o seleto grupo de jogadores que anotaram pelo menos dois gols em quatro edições de Mundiais.
No elenco que o técnico Joachim Löw convocou para a Copa de 2014, Klose foi o jogador mais velho. E é o único que tem remotas chances de participar do próximo Mundial – a idade faz com que a possibilidade seja pequena, mas o atacante disse nesta semana que a aposentadoria da seleção "não é uma certeza".
Para entender a importância de Klose para o futebol, contudo, é necessário ir além dos números e do papel que ele exerce na seleção alemã. O definidor mortal, símbolo da eficiência ofensiva germânica desde o início da década passada, também é responsável por dividir um país.
Sempre que desperdiça uma chance de gol, Klose reage dizendo palavrões em voz baixa. No entanto, nunca foi preciso censurá-lo na Alemanha: o atacante fala em polonês, único idioma que ele usa em casa, nas conversas com a mulher, os filhos e os pais.
Klose nasceu em Opole, na Polônia, em 1978. Sob um regime comunista totalitário, seus primeiros anos foram difíceis – já corria em suas veias, porém, o futebol: seu pai, Josef, era jogador profissional pela equipe local; sua mãe, Barbara, também atleta, era da seleção polonesa de handebol.
"Lembro que nosso apartamento era muito, mas muito pequeno. Com minha irmã mais velha, dividia um quarto, que servia para ficar durante o dia. À noite, dormia com meus pais. Meu pai jogou tanto no campeonato polonês como na França, mas não ganhava bem. Minha mãe, mesmo sendo da seleção, também não", disse o atacante, em 2010, à revista "Spiegel".
O pai deixou a Polônia em busca de dar uma vida melhor para a família no ano em que o filho nasceu. Oito anos depois, em 1986, decidiu levar a família consigo para a pequena Kusel, na Alemanha .
"Fizemos as malas, jogamos no carro e atravessamos a fronteira para um campo de refugiados. Víviamos em quatro, cinco famílias, em um quarto, com um vaso sanitário, enquanto esperamos os passaportes alemães", contou Klose à "Spiegel". "Quando cheguei à Alemanha, logo encontrei um campo de futebol e pensei que 'a vida podia não ser tão ruim quanto esse gramado'. Não era".
Calmo e reservado, o pequeno Miroslav teve, com ajuda da bola, uma adaptação tranquila. Com nove anos, já atuava por um clube de formação local; com 20, foi para o Homburg, da quarta divisão. Um ano depois, chegou ao Kaiserslautern, na elite do campeonato alemão.
A ascensão foi rápida, e, na terceira temporada marcou 16 gols no campeonato nacional. As potentes cabeçadas de Klose fizeram com que Jerzy Engel, então técnico da Polônia, viajasse até Kaiserslautern para oferecer ao jogador uma convocação. A resposta foi não. Dois meses depois, em março de 2001, o atacante balançava as redes pela primeira vez com a camisa da Alemanha.
Depois de 14 anos e de muitas histórias em Copas, Klose é ídolo na Alemanha. Na Polônia, em contrapartida, a situação passa longe da unanimidade: o atacante é considerado traidor por muitos – os mais jovens, principalmente –, e é fácil encontrar na internet uma série de críticas a ele por ter recusado a seleção.
Outra corrente na Polônia pensa exatamente o contrário. Durante a Copa de 2010, Klose fez dupla com Lukas Podolski, outro jogador de origem polonesa que escolheu defender a Alemanha. Após a estreia contra a Austrália, com vitória por 4 a 0 e gols dos dois atacantes, os jornais "Polska" e "Przeglad Sportowy" estamparam as seguintes manchetes: "Alemanha forte, graças aos poloneses" e "Atuação gigante da dupla polonesa".
Em 2008, deu satisfações à imprensa do país onde nasceu: disse que a decisão foi difícil, e confessou que, se a convocação para defender a Polônia tivesse chegado no ano anterior, teria aceitado. Quando ela veio, porém, o atacante já tinha convicção de que tinha capacidade para defender a Alemanha, treinada pelo ídolo Rudi Völler.
Alemão dentro de campo, polonês em casa, Klose gosta de ser chamado de "europeu". Se para a Alemanha deixou gols, para a Polônia o atacante também criou um legado: por causa dele, a Federação Polonesa hoje tem uma rede de 48 olheiros espalhados pelo mundo em busca de jogadores que possam defender a seleção. A ideia é garantir que, se aparecer outro atacante com tanta estrela, ele não vista as cores de um país diferente.