O que fez Neymar sonhar com a final e como a CBF rechaça essa hipótese
Fernando Duarte, Gustavo Franceschini, Pedro Ivo Almeida e Samir Carvalho*
Do UOL, em Belo Horizonte e Santos
Com uma fratura em uma vértebra lombar, Neymar foi dado como fora da Copa do Mundo, mas cogitou mudar essa história. Empolgado com uma análise preliminar feita pelo médico que o atendeu, o jogador cogitou a ideia de jogar com uma infiltração. A CBF, porém, reagiu irritada e descartou completamente a hipótese do camisa 10 voltar a campo até o fim do torneio.
"Não faz sentido. Não existe isso. Pelo tipo de lesão. Esse tipo de lesão você não tem condição de colocar. Não consegue em uma semana, porque a dor é muito grande. Se ele tivesse duas ou três semanas talvez até pudesse, mas uma semana é muito em cima", disse José Luiz Runco, médico da seleção, em entrevista ao UOL Esporte.
A ideia surgiu da visita do médico Mauricio Zenaid à casa de Neymar no Guarujá, no último sábado. Acompanhado de Rafael Martini, fisioterapeuta que é amigo do jogador, Zenaid se animou ao ver o atacante andando menos de dois dias depois de sofrer a fratura em campo, na vitória por 2 a 1 contra a Colômbia.
De maneira precipitada, Zenaid comentou com Neymar que ele poderia até jogar no próximo domingo, caso o Brasil chegasse à final, dependendo da evolução de sua lesão e das dores que sente na região. O jogador fraturou a terceira vértebra da região lombar e tem recuperação prevista para algumas semanas, mas poderia, na visão do médico, voltar antes caso imobilizasse a região e fosse submetido a uma infiltração.
A esperança dada não caiu bem. Zenaid é médico do Santos, e foi atender Neymar por conta própria. A assessoria do jogador, em contato com o UOL Esporte, descartou qualquer tratamento alternativo. "Ele ainda está com dificuldade de subir escadas", disse o estafe de Neymar, que depois emitiu uma nota oficial. Em nenhum momento, porém, as pessoas que cercam o jogador descartaram ele na decisão.
"Se Neymar Jr. vier a ter condições clínicas de disputar uma partida de futebol profissional antes do tempo inicialmente previsto será em função da evolução positiva do seu quadro diante do tratamento possível que está sendo efetuado. Nenhum tratamento alternativo foi colocado em discussão. O retorno dele aos gramados depende da superação das fortes dores que sente", disse o documento. Runco, porém, é taxativo em sua avaliação e irritou-se com a hipótese.
"Não houve qualquer conversa com o Neymar nesse sentido. A coisa é séria e não podemos tratar isso de maneira leviana. Passamos para ele e família a real situação. Não somos crianças. Se tivesse qualquer chance mínima de tentativa de recuperação, não teríamos anunciado que ele estava fora logo após o exame", disse o médico da CBF, que seguiu o desabafo.
"Lamento que numa situação dessas ainda tenha gente levando a coisa na brincadeira e querendo se aproveitar. Isso é coisa de médico querendo aproveitar a situação para aparecer como salvador", completou.
Procurado pela reportagem, Zenaid não quis se pronunciar. "Sinceramente. Não vou comentar. É sigilo da família. Não tenho como dizer nem A e nem B. Vamos esperar o andamento das coisas", disse o médico. O chefe de Zenaid no Santos, Rodrigo Zogaib, porém, adota linha diferente.
"Oficialmente, o Santos não omitiu nenhum posicionamento sobre a conduta médica e terapêutica do Neymar até para evitar problemas de ética com a CBF. Para opinar é preciso examinar, ter uma autorização da CBF. Em minha opinião pessoal, o tipo de fratura gera importância funcional muito grande para a prática do futebol. Por isso, considero muito difícil ele jogar", disse Zogaib.
A CBF se incomodou tanto que fala em tomar medidas cabíveis. No fim do dia, em nota divulgada por seu site oficial, a entidade, sem citar o médico do Santos, reclamou do encaminhamento do caso. "As medidas da ética médica, que requer o caso, serão encaminhadas à análise do Conselho Federal de Medicina para os procedimentos cabíveis ao caso, ao nosso ver de extrema gravidade aos artigos de nosso código de condutas", disse a CBF.
A reportagem consultou o ortopedista Moises Cohen, que compartilhou a posição da CBF. "Eu fico até surpreso com essa informação porque vai totalmente contra a biologia. Qualquer fratura tem um tempo mínimo para formar um tecido cicatricial. [Poderia usar] xilocaína, que é anestésico, ou qualquer substância com o mesmo poder, mas você tem sempre uma ação sistêmica, com relação colateral em reflexos e agilidade. E nós estamos falando de uma decisão de Copa do Mundo, não de uma pelada de fim de semana", disse o especialista.
*Colaborou Guilherme Costa, em São Paulo