Para ex-psicóloga da seleção, euforia do hino "tira foco" de jogadores
Renata Mendonça
Da BBC Brasil, em São Paulo
O hino nacional cantado à capela pelos torcedores nas arquibancadas durante a Copa das Confederações surpreendeu os jogadores da seleção brasileira e virou o grande trunfo deles para entrar em campo mais motivados a vencer a competição.
Mas em uma competição onde a pressão é bem maior, como o Mundial, a euforia pré-jogo pode até estar atrapalhando um pouco a seleção. Após o choro de alguns atletas nos minutos que antecederam a disputa de pênaltis com o Chile que valia a vaga nas quartas de final, o próprio técnico Luiz Felipe Scolari admitiu que o time estava "abalado emocionalmente".
Para a ex-psicóloga da seleção brasileira entre 1998 e 2000, Suzy Fleury, isso é fruto de uma desconcentração dos jogadores no jogo de futebol em si e de uma concentração excessiva em fatores extra-campo – como o momento do hino antes das partidas, por exemplo.
"Uma coisa é o hino como elemento surpresa, como foi na Copa das Confederações, e aí os jogadores usaram aquele elemento como algo favorável, era uma coisa que eles não esperavam", explicou à BBC Brasil.
"Mas eu não posso 'depender' dessa parte, eu não posso me concentrar nisso para jogar bem, porque dessa parte eu não tenho controle. O hino ajudou mas já está prejudicando. O choro do Neymar, por exemplo, chorar é se emocionar, não é um pensamento concentrado no futebol, e isso antes da partida não é bom", prosseguiu.
O ex-jogador e ídolo do futebol brasileiro Zico já havia alertado para essa "falta de foco" do hino após o jogo contra o México. "Acho que você tem de estar concentrado no jogo. É uma hora de respeito. Muito jogador emocionado, você esquece um pouco o clima no jogo, acho que tem de ter um autocontrole maior em todos os sentidos", disse ao canal SporTV.
O segredo para retomar o equilíbrio emocional para a partida contra a Colômbia pelas quartas de final nesta sexta-feira seria justamente voltar a se concentrar somente no futebol, de acordo com Fleury.
"Não dá para ficar pensando no hino, na família que está ali no estádio, olhando a torcida...tem que focar no jogo", disse.
"Tem que esquecer o que está acontecendo e voltar o foco de atenção no rendimento, voltar pro básico, de jogar bola mesmo, porque aí você neutraliza todos esses fatores externos e fica concentrado somente no que está acontecendo dentro de campo".
Choro
O choro do capitão Thiago Silva, do goleiro Júlio César e do atacante Neymar antes da cobrança dos pênaltis contra o Chile foram entendidos como um momento de "fraqueza" da seleção brasileira. No entanto, apesar do abalo emocional demonstrado nos minutos que antecederam a grande decisão, Júlio César comprovou sua confiança defendendo dois pênaltis e Neymar converteu o dele, mostrando que a "emoção" naquele momento teria sido apenas um desabafo.
Para Suzy Fleury, o choro não necessariamente atrapalha o desempenho dos jogadores, mas desvia o foco deles e mostra como a tensão no time está elevada.
"Ali foi uma tomada de realidade, foi o momento em que eles perceberam: 'caramba, a gente pode parar aqui, a gente pode ser eliminado hoje!', e aí deu aquele descompasso", analisa.
"O choro não é característico de quem ainda está na competição, ele é mais de perda, você vê que as seleções que caíram choraram depois de perder. É o abandono, porque não tem mais o que possa fazer. Nossos atletas choraram antes, isso mostra esse grau de tensão exacerbado."
Após o jogo contra o Chile, alguns jogadores falaram à BBC Brasil sobre a emoção que sentiram no momento dos pênaltis, mas não admitiram um real medo de perder.
"Me emocionei bastante. Não imaginaria a seleção de fora (da Copa) porque eu errei um pênalti. Mas medo a gente não sente, é o frio na barriga normal", disse o meia Willian.
"Minha estratégia para estes momentos é pensar o mínimo possível em coisas que podem te prejudicar, tem que pensar em coisas positivas", revelou o volante Luiz Gustavo.
Essa estratégia, inclusive, é o conselho da psicóloga Suzy Fleury ao time de Felipão, especialmente a Thiago Silva, que admitiu ter pedido ao treinador da seleção para ficar por último nas cobranças – ele explicou que havia perdido dois dos últimos três pênaltis que bateu e não estava confiante.
"É preciso eliminar esses fatos antigos, erros, problemas. Ele já deveria ter tirado lições desses pênaltis pra que ele se sentisse tão convicto de que esse aprendizado serviu para aquilo não acontecer mais."
Fleury, no entanto, acredita que momento de insegurança de Thiago Silva não tira sua competência como capitão.
"O capitão é um líder, capaz de influenciar favoravelmente as pessoas. Aquilo foi um momento, mas há outros momentos que o construíram como um líder, ele tem uma história na equipe que refletiu no treinador a condição dele ser capitão."
Trabalho psicológico
A seleção brasileira de Luiz Felipe Scolari tem acompanhamento psicológico desde o início da gestão do técnico, entre 2012 e 2013.
A psicóloga Regina Brandão, que sempre trabalhou com Felipão – inclusive na campanha do pentacampeonato em 2002 –, passou o período pré-Copa estudando os perfis de cada jogador convocado e trabalhando individualmente cada aspecto emocional deles. A ideia era que eles aprendessem a lidar com a pressão que iriam sofrer durante a competição.
Regina não estava com o time nas últimas semanas na Granja Comary, mas foi ao centro de treinamento em Teresópolis nesta semana para conversar com os jogadores novamente.
Principal estrela da seleção brasileira, Neymar foi o "porta-voz" do time na última quarta-feira e garantiu que não há nenhum abalo emocional no time. "Sobre o emocional, ninguém está com problema. Está todo mundo bem. Foi um jogo emocionante, onde fiquei muito emocionado. Cada um tem sua emoção. Estamos todos bem, preparados para enfrentar a Colômbia", afirmou.
Apesar de jovem – ele tem apenas 22 anos –, o atacante carrega a responsabilidade de corresponder às expectativas da torcida. Mas Suzy Fleury afirma que a "juventude" da seleção brasileira não é um problema ou algo que contribui para o desequilíbrio emocional demonstrado nas oitavas de final.
"Esses jovens que estão segurando a onda agora. A idade cronológica não condiz, porque se você olhar a jornada eles, eles já estão em clubes europeus, têm grandes conquistas, já viveram bastante. Eles têm um nível de maturidade emocional muito grande", pontuou.
Para a psicóloga, o ponto positivo de tudo o que aconteceu contra o Chile foi o "alerta" que o sofrimento daquele jogo despertou para a seleção brasileira. "É preciso corrigir os erros que foram identificados ali", ela diz. E os principais pontos a serem trabalhados às vésperas do jogo contra a Colômbia são a retomada da autoconfiança do time e o foco no básico: jogar futebol.
"Tem que focar na bola, falar de jogo, do drible, do passe, focar no básico, no que corrigir dentro de campo, jogar com alegria. E olhar o que eles já vivenciaram, essa equipe tem títulos, já conquistaram coisas juntos", destacou.
"Todos precisam ter consciência de que cada um é importante na posição que joga e precisam ter confiança em quem está do lado pra dar a cobertura. O pensamento é esse: nenhum de nós é tao bom quanto todos nós juntos", concluiu.