Conversa de Felipão com jornalistas desagrada estafes de jogadores
Gustavo Franceschini, Paulo Passos, Pedro Ivo Almeida e Ricardo Perrone
Do UOL, em Fortaleza e Teresópolis
Pressionado, Luiz Felipe Scolari reuniu seis jornalistas próximos em uma conversa na última segunda e, sentindo-se isolado, abriu aos repórteres parte da intimidade da seleção brasileira. A atitude incomodou os estafes dos jogadores comandados por ele. O UOL Esporte ouviu familiares, amigos, agentes e assessores de oito atletas do elenco do Brasil. Sete deles se queixaram da atitude do treinador por entenderem que os atletas foram expostos de maneira desnecessária.
A intenção de Felipão de conversar com os jornalistas não era uma novidade completa para o grupo. A reportagem apurou que antes de chamar a imprensa, o treinador avisou o capitão Thiago Silva que daria a entrevista. Só que as queixas de Scolari não foram discutidas previamente com os jogadores.
Com os jogadores em regime de concentração quase total desde o fim de maio, as pessoas próximas servem como termômetro da temperatura do vestiário, por vezes influenciando em decisões importantes. Consultados, os membros dos estafes ressaltam que ainda não viram qualquer indício de insatisfação dos jogadores com Felipão. Quem está em volta deles, porém, reclamou que o treinador expôs o grupo na conversa que teve.
Para dois deles, Felipão já perdeu a confiança dos comandados por resolver trocar confidências com a imprensa. A tese é de que os atletas não vão mais "correr" pelo chefe depois do episódio. Felipão teria desrespeitado uma regra implícita de que a roupa suja não deve ser mostrada a jornalistas justamente por quem mais deveria proteger o grupo.
Um dos principais motivos de desconforto é o fato de o técnico dizer que se arrependeu de ter convocado um dos 23 jogadores que defendem o Brasil na Copa do Mundo. O sentimento foi revelado pelo jornalista Juca Kfouri, blogueiro do UOL Esporte que participou da conversa com o técnico.
Com a condição de não terem seus nomes revelados, o integrantes dos estafes de atletas ouvidos pela reportagem afirmam que o técnico deveria ter dito quem é o atleta, pois deixou o grupo todo sob suspeita. Há também a desconfiança de que o treinador não se arrependeu de nenhuma das suas escolhas e de que teria dito isso apenas para motivar todos a darem uma resposta em campo.
Mais uma vez, incomoda os estafes a quebra de uma outra regra implícita do vestiário: é importante dar nome aos bois. Em casos de crise, seja em clube ou em seleções, é comum ver grupos de jogadores se rebelarem quando, por exemplo, um dirigente critica os excessos na noite. Os atletas sempre pedem nomes, caso contrário todo o grupo fica sob suspeita.
Um dos profissionais ouvidos pela reportagem afirmou que Scolari conhece todos os atletas há muito tempo e que, se houve arrependimento, é porque ele errou ao fazer a convocação. A CBF, por sua vez, minimiza o episódio e sustenta que Felipão foi mal interpretado.
A alegação oficial é que o treinador quis dizer que seria importante ter um jogador diferente dos 23 convocados no jogo contra a Colômbia, e não que um deles o teria desagradado até agora. Em público, os atletas não dão margem a polêmicas.
"Essa informação estou sabendo através de você. Ele (Felipão) não comentou com jogadores. Isso é uma resposta que ele pode dar melhor. Nós jogadores fomos escolhidos por ele. Ele vai saber responder melhor", disse o volante Ramires sobre o assunto.
Na conversa, o treinador também admitiu que a pressão pela conquista do Mundial em casa abala o emocional dos jogadores e que o time não está rendendo o esperado. Depois da vitória contra o Chile, em que o time voltou a ir mal, os críticos ressaltaram o choro dos atletas antes das cobranças de pênaltis e questionaram um eventual despreparo psicológico.
Na visão das pessoas que cercam os atletas, essa era a hora de Felipão tentar colocar uma pedra sobre o assunto, não expondo ainda mais os jogadores que caíram em lágrimas antes de depois dos pênaltis. Felipão, ao contrário, deixou claro que concorda com a visão, antecipando a visita da psicóloga Regina Brandão à Granja Comary.
Além disso, na visão de alguns assessores, Felipão reduz sua responsabilidade na campanha. Entre parte dos jogadores há o entendimento de que o time perdeu o equilíbrio emocional por não conseguir repetir o bom desempenho da Copa das Confederações, e não pela pressão de disputar a Copa no Brasil.
Os estafes adicionam uma outra crítica a Felipão. Para quem cerca os jogadores, o treinador não conseguiu arrumar o time taticamente e criar alternativas de jogo que fizessem a seleção repetir o bom futebol jogado em 2013.
A reportagem tentou ouvir o assessor de imprensa de Felipão, Acaz Fellegger, mas o jornalista se recusou a falar com a reportagem. Ele acompanha a Copa do Mundo credenciado pelo Sportv, canal de TV a cabo da Globo, e, quando questionado sobre o assunto, justificou dizendo que não está a serviço do treinador durante o Mundial e que é a CBF quem cuida da imagem do técnico no período.
Procurada pelo UOL Esporte, a entidade respondeu minimizando o peso das opiniões dos estafes. Segundo a CBF, nenhum jogador se manifestou até agora sobre o assunto, e que o grupo tem total liberdade de fazê-lo caso tenha interesse.