A. Escobar e 'narcofutebol' ainda são tabus na Colômbia de James Rodríguez
Vanessa Ruiz
Do UOL, em Cotia
É o último dos dois breves dias de preparação da Colômbia em Cotia antes do jogo contra o Brasil pelas quartas de final desta Copa do Mundo. Calha de ser também o dia que antecede o aniversário de 20 anos da morte de Andrés Escobar, zagueiro da brilhante seleção colombiana do início da década de 1990, assassinado poucos dias após marcar o gol contra que derrubou a equipe favorita logo na primeira fase da Copa de 1994. Ali no centro de treinamento que serve de base para os "cafeteros", no entanto, são poucos os que topam falar sem reticência sobre o assunto mesmo tanto tempo após o fim da grande era do "narcofutebol".
Um dos costumes dos jornalistas colombianos é fazer entrevistas em série com os colegas de outras nacionalidades. Praticamente ninguém escapa. Um deles pede para falar com a reportagem do UOL Esporte e, entre as primeiras perguntas, há uma sobre memórias do futebol colombiano. Quando é mencionado o time de 1994 e Andrés Escobar, o entrevistador colombiano trata de mudar de assunto antes que a palavra "narcotráfico" pudesse ser dita - e ela seria logo na sequência, como ele deve ter antecipado: "Era mesmo uma seleção de um futebol bonito", disse o jornalista antes de emendar outra pergunta.
Em meio à onda de entusiasmo que cresce a cada boa atuação da Colômbia no Brasil, os jogadores certamente serão os últimos a comentar -- se o fizerem -- os fatos que buscam enterrar no passado enquanto lutam e acreditam no título mundial inédito: "Não estamos respondendo sobre isso, é um tema superado", diz, inflexível, o chefe de imprensa da seleção colombiana Mauricio Correa.
Assassinado em 2 de julho de 1994, Escobar tornou-se o símbolo de uma geração considerada favorita ao título da Copa dos Estados Unidos - nas palavras de Pelé, ao menos. O futebol vistoso jogado por Valderrama, Rincón e Asprilla misturou-se aos cartéis de drogas em uma história que terminou mal, sem títulos e com uma grande tragédia.
Duas décadas depois, o "balompié" colombiano se ergue novamente, apoiado no reluzente futebol de James Rodríguez, de apenas 22 anos, artilheiro da Copa com cinco gols e melhor jogador da primeira fase segundo o ranking da Fifa. Mas James não joga sozinho, como insistem em frisar seus companheiros a cada entrevista. Pablo Armero, Jackson Martínez, Juan Cuadrado são apenas alguns dos outros nomes desta que é a primeira geração de sucesso desde a época de Escobar. Uma geração que se sustenta em pilares totalmente diversos daqueles de outrora, seja no financiamento, na disciplina ou na estrutura. Deles, não vem sinal algum de que tremerão diante da seleção brasileira, que joga em casa e é favorita ao título, embora acossada pela pressão de vencer em seu país.
Responsáveis por este sonho
Se os atuais jogadores e comissão técnica tentar isolar os anos 90, os torcedores ainda o cultuam. Ao menos o aspecto esportivo, e isso pode ser visto no Brasil com demonstrações de gratidão e idolatria. Antes do jogo com a Costa do Marfim, vencido pela Colômbia por 2 a 1, a reportagem do UOL Esporte registrou um grupo de torcedores colombianos com uma bandeira gigante com os rostos dos principais jogadores da Copa de 1994. Na bandeira estava escrito: "Culpables por este sueño", ou "responsáveis por este sonho". "Eles começaram algo muito bonito, que virou uma tragédia e depois um sonho, que se concretiza aqui hoje", disse o comerciante Oscar Joramillo, de 39 anos. "Só temos a agradecer para o resto de nossas vidas".
A fala do torcedor resume o significado da geração que se desfez em 1998, na Copa da França. Desde então, foram 16 anos sem participar de Copas do Mundo, até o surgimento da geração atual. O único elo entre a "geração perdida" aos olhos do futebol mundial e esta que chega para colocar-se entre as melhores do mundo é o capitão Yepes, de 38 anos: "Tenho certeza que Ramiro Córdoba, Migual Calero, Juan Pablo Angel, Freddy Grisales, Gerardo Bedoya e Fabián Vargas estão felizes que eu possa representá-los", disse ainda durante as eliminatórias, quando a Colômbia garantiu a vaga.
Na visão dos colombianos, o sucesso de hoje é resultado da internacionalização do futebol do país: "A geração atual surgiu da exportação dos jogadores. Eles estão expostos a outra cultura, outro sistema de treinamento, disciplina e profissionalismo. Nesta seleção, você não verá escândalos ou qualquer tipo de má conduta", analisa o jornalista Dario Ángel Rodriguez, da emissora Cable Noticias. Dos 23 atletas convocados, 16 jogam na Europa.
Violência, política e futebol
Se hoje é certeza o talento de James Rodríguez e a afirmação de Pablo Armero, o mesmo não pode se dizer da causa da morte de Escobar. O que se sabe é que ele se incomodava com a forte ligação da seleção e dos clubes colombianos com o tráfico de drogas. Na volta para casa, foi morto em frente a uma casa noturna de Medellín em um crime que, a princípio, não teria ligação com o narcotráfico.
Embora oficialmente não haja uma conclusão para o caso, o irmão do ex-zagueiro, Santiago Escobar, não tem dúvidas: "A razão foi que esses apostadores perderam quantias importantes [com a derrota da Colômbia] e terminaram com a vida de Andrés. Ele perdeu a vida por isso", disse em entrevista ao UOL Esporte publicada em março deste ano.
A Colômbia vive um momento-chave não só no futebol, mas também na política. A última eleição presidencial ocorreu durante esta Copa. Juan Manuel Santos foi reeleito no segundo turno com 50,93% contra 45,02% de Óscar Iván Zuluaga adotando um discurso fundamentado na "paz". O que motivou os colombianos a manterem seu presidente no cargo foi a perspectiva de avanços no diálogo com as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) e com o ELN (Exército Nacional de Libertação), organizações de orientação socialista que, desde a década de 1960, se utilizam de táticas de guerrilha e se relacionam com o narcotráfico como forma de obter fundos para sustentar suas atividades.
A violência generalizada, no entanto, continua sendo um dos grandes desafios do país. Após o primeiro jogo da Colômbia em 14 de junho, um dia antes da definição da eleições, nove pessoas morreram em Bogotá durante as comemorações pelo 3 a 0 sobre a Grécia. Por conta disso, as maiores cidades do país decretaram lei seca, proibindo a venda e consumo de álcool, nos dias de jogos da Colômbia e algumas chegaram a adotar toque de recolher para menores de idade. Mesmo com as medidas, mais mortes ocorreram após a vitória nas oitavas de final sobre o Uruguai por 2 a 0 - oito foram confirmadas desta vez.
Apenas muito suavemente o tema da violência foi abordado nestes dois dias em Cotia, uma única vez e logo na primeira pergunta das entrevistas coletivas da semana, feita ao meia Cristian Sanchez: "Sabemos que a Colômbia é um país 'boleiro' e futebol é um motivo de alegria para os colombianos. Tudo o que fazemos é para dar alegria ao nosso povo e esperamos poder ajudar de alguma forma para que todos vivam em paz", respondeu.