Na era da internet, a geração de Messi vai arrebatando cada vez mais jovens almas apaixonadas pela bola, com o argentino conquistando votos como melhor da história até onde não se espera. Mas este não é o caso de Três Corações, cidade no sul de Minas Gerais que se orgulha de ter Pelé como seu filho mais ilustre. Mesmo para a juventude local que tenta a vida no futebol, o ex-camisa 10 da seleção segue como modelo de sucesso. Não importa que ele tenha parado de jogar há 40 anos e que Lionel esteja barbarizando nos gramados do país.

Mesmo que seja através de DVDs sobre o passado, é Pelé o norte para os meninos que começam a se aventurar com a bola nos pés em Três Corações. Raimunda Tobias Venerando é guia de um museu dedicado ao ídolo e lida com dois adolescentes que sonham em ser os novos craques da cidade a ganhar o mundo. Um deles é Lucas, seu filho, o outro é Patrick, um garoto humilde que tem em Raimunda sua madrinha esportiva.

"Eles se inspiram muito no Pelé. Inclusive o Lucas assiste muito a DVDs do Pelé. O Patrick quando vai jogar fora, fazer alguma peneira, assiste primeiro ao filme do Pelé para depois ir", conta a guia, à beira do campo do Atlético Tricordiano, junto ao treino das categorias de base.

Patrick, o mais velho, já negocia para reforçar as categorias de base do Botafogo de Ribeirão Preto. Intimamente, não nega que acha Messi o melhor da história e até sonha em ser camisa 10 do Barcelona no futuro. Mas o adolescente de 14 anos estuda Pelé por vídeos e acha que pode ser mais parecido com o conterrâneo ilustre. Outros meninos do time ouvidos pela reportagem também assumem: o rei primeiro, depois o resto.

Nas andanças dos times da base da cidade pelas competições no interior, os meninos de Três Corações carregam um atrativo especial. Qualquer toque mais refinado na bola pode sugerir que a história pode se repetir na terra em que Pelé nasceu.

"Eles falam que não cai o raio duas vezes no mesmo lugar, mas aqui a gente está esperando ele cair pela segunda vez", afirma Gustavo Vinagre, presidente do Atlético Tricordiano. 

Coordenador das categorias de base e técnico do sub-15 do Tricordiano, Marquione Pereira admite que os meninos lidam com esta pressão inevitável, desde cedo. No entanto, diz que a moderação é necessária para lapidar as jovens personalidades em formação para a vida.

"Isso em Três Corações é normal. Eles veem um menino jogando bola e falam: vai surgir um novo Pelé. Nós que trabalhamos, que estamos do lado de cá, trabalhamos com a razão, sabendo que existem talentos, mas precisam trabalhar muito, ter muita tranquilidade, porque Pelé é o Pelé. A gente sabe que dificilmente aparecerá outros", diz o treinador.

TRÊS ESTÁTUAS, UM MUSEU E MUITO MAIS PELÉ

O rei do futebol é uma imagem onipresente em Três Corações. Logo na entrada da cidade, uma figura imensa do ídolo recebe os visitantes com 12,83 metros, em obra que faz alusão aos 1283 gols na carreira do goleador. Já no centro, a Praça Pelé exibe a imagem do craque erguendo a taça Jules Rimet, em homenagem ao tricampeonato de 1970.

A cidade ainda tem mais uma estátua de Pelé, retratando o Edson menino ao lado da figura paterna, na entrada do Parque Dondinho – sim, o pai do mito batiza o espaço.

Mas a principal atração que exalta a memória do filho ilustre é a Casa Pelé, uma reprodução fidedigna da primeira residência do jogador mais famoso da história. A morada fica na Rua Edson Arantes do Nascimento, número 1000, e foi construída com base em depoimentos de Dona Celeste, mãe do ídolo, e seu irmão Jorge. O projeto contou até com cenógrafos da Rede Globo no trabalho de envelhecimento de cenários.

O espaço foi inaugurado em 2012 com a presença do homenageado e já recebeu mais de 35 mil visitantes, que se satisfazem principalmente com a visão do berço onde o rei dormia em seus primeiros anos. Atualmente, durante a Copa, a Casa Pelé virou atração turística para torcedores de Chile e Colômbia em viagem por Minas Gerais. Já as visitas de equipes de televisão estrangeiras são quase diárias. Na última semana, a reportagem do UOL conversou com ingleses da BBC, encantados com o universo da origem da lenda do futebol brasileiro.

"Acho que o mito do Pelé vai durar por muito tempo, particularmente aqui no Brasil, onde é impossível ir a qualquer lugar sem que ninguém fale do Pelé. Mesmo com o fato de ter grandes heróis que vieram depois, Ronaldinho, Romário, Ronaldo e agora Neymar e o resto. Pelé está além de todos os outros. Será difícil ver isso desaparecer tão cedo", disse o jornalista inglês Matthew Kenyon.