Van Gaal coleciona inimigos brasileiros (e holandeses, franceses...)

Do UOL, em São Paulo

O holandês Louis Van Gaal sabe exatamente o que as pessoas pensam dele. A clareza na percepção do que ex-companheiros de trabalho têm a seu respeito é tão evidente que ele não perde tempo em se defender. Prefere logo assumir que é "arrogante, dominador e honesto". "Não vou mudar minha personalidade só porque as pessoas querem que eu mude" é uma de suas declarações mais recorrentes. Muitas dessas pessoas que querem, ou queiram, que Van Gaal mude são brasileiras, que passaram por seu caminho ao longo de 33 anos de carreira como técnico de futebol.

Técnico da seleção que fez a melhor campanha entre todas as 32 participantes da primeira fase da Copa do Mundo de 2014 e que enfrentará o México neste domingo, pelas oitavas de final, o holandês nascido Aloysius Paulus Maria van Gaal completará 63 anos em agosto e não passa muito tempo sem aparecer envolvido em alguma discussão, bate-boca público ou processo judicial. Uma rotina que, vira e mexe, inclui importantes personagens da história recente do futebol brasileiro, rusga que foi revivida nesta semana.

Irritado com as declarações de Van Gaal, que considerou a seleção brasileira beneficiada por não ter jogado nenhuma partida da primeira fase do Mundial sob o forte calor das 13h, além de enfrentar Camarões sabendo qual equipe enfrentaria nas oitavas de final (o Chile ou a própria Holanda), o brasileiro Luiz Felipe Scolari subiu o tom na hora de dar a resposta, mesmo sem mencionar o nome do colega que dirige a Holanda.

"Tem gente dizendo que a gente vai escolher adversário. Para quem fala isso, eu falo só uma coisa: ou as pessoas são burras ou mal intencionadas", disparou Felipão, na entrevista coletiva concedida um dia antes da partida contra os camaroneses. Durante o ataque, o técnico da seleção citou um nome importante para se relembrar o histórico de Van Gaal em confrontos verbais com brasileiros. "Estou conhecendo as pessoas pelo que eu imaginava não conhecer. Especialmente pelo que o Rivaldo falava", revelou o técnico do Brasil.

Longo histórico

Porque se tem alguém que bateu de frente com Van Gaal na vida este alguém é Rivaldo. Eleito melhor jogador do mundo (prêmio da Fifa) e vencedor da Bola de Ouro (honraria concedida pela revista francesa France Football) em 1999, quando os prêmios ainda não eram unificados, o meia-atacante que defendia o Barcelona sob o comando do holandês acumulou uma galeria quase infindável de polêmicas com seu chefe.

"Uma vez ele brigou comigo por 20 segundos de atraso, até mostrou o relógio", disse Rivaldo, em entrevista à "Revista da ESPN" em 2011. A diferença dos dois, porém, era na prática mais tática do que pessoal. Van Gaal defendia que o brasileiro jogasse aberto pela ponta-esquerda e entrasse em diagonal para o meio, para ficar mais próximo do gol e não bater cabeça com Luís Figo, o português que comandava o meio-campo da equipe catalã àquela época. Rivaldo, porém, queria atuar como um legítimo camisa 10, atuando mais pela faixa central do campo.

O auge da polêmica deu-se no dia seguinte a Rivaldo ser apontado pela Fifa como o melhor jogador de 1999, quando Van Gaal cortou o meia da relação dos atletas que enfrentariam o Rayo Vallecano, depois que o jogador afirmou que não jogaria mais como ponta-esquerda, como queria seu comandante.  "Rivaldo é um grande jogador e boa pessoa. Porém, não posso aceitar que um jogador se coloque acima da filosofia do clube", disse o holandês.

A partir daí, qualquer coisa que fosse virava uma tempestade, fosse parar o treino para fazer com que Rivaldo colocasse a camisa para dentro do calção ou ser o único dos 20 técnicos do Campeonato Espanhol a não votar no jogador como o melhor estrangeiro da competição (Van Gaal votou em outro brasileiro, o volante Mazinho, que defendia o Celta em 2000).

As inúmeras trombadas de Van Gaal com Rivaldo apenas engrossaram a lista de jogadores que não podem vê-lo nem pintado de ouro. "Van Gaal é o Hitler dos jogadores brasileiros, é arrogante, orgulhoso, tem problemas. E não tem a menor ideia sobre futebol. Ele é louco", declarou, certa vez, o meia Giovanni, que trocou o Santos pelo Barcelona e teve ótimos momentos pela equipe ao lado de Rivaldo e, principalmente, Ronaldo, três anos antes.

Ronaldo, aliás, nunca trabalhou com Van Gaal. Porque, segundo ele mesmo já declarou para jornalistas, o holandês não o quis. Em 2002, logo após sair consagrado como campeão e artilheiro da Copa do Mundo pela seleção brasileira, o atacante estaria com acordo para voltar ao Barcelona, clube que defendeu na temporada 1996-97. Seu nome não agradou ao técnico, e o camisa 9 foi jogador no rival do Barça, o Real Madrid.

A falta de paciência de seus comandados, porém, não é uma exclusividade dos jogadores brasileiros. Até com Johan Cruyff, a maior lenda do futebol holandês, Van Gaal bateu de frente. O histórico dos dois, inclusive, vai além de bate-bocas, comuns quando o atual técnico da Holanda dirigia o Barcelona, clube onde Cruyff  foi ídolo e ainda exerce enorme influência com seus comentários. O ex-camisa 14 da Laranja Mecânica até já processou Van Gaal, na época que este foi técnico do Ajax, clube que revelou Cruyff.

Cordão dos descontentes

Os problemas de Van Gaal também se acumularam aos montes em outro gigante do futebol europeu. Sua passagem pelo Bayern de Munique foi prolífica em situações desgastantes com parte do elenco. Luca Toni, atacante campeão do mundo pela Itália em 2006, perdeu lugar no time e pediu para deixar o clube. Schweinsteiger foi recuado para jogar como um volante mais defensivo e reclamou. Mas ninguém chiou tanto quanto o francês Ribéry enquanto o holandês lhe orientava. "Eu nunca me diverti no campo enquanto fui comandado por Van Gaal".

Diversão, aliás, não é algo que seja levado em conta por um técnico que declara que "eu sou do jeito que sou e não sou fácil de lidar". Ainda mais para alguém que já acumulou muitos fracassos antes de dar a volta por cima – no mesmo Bayern de Munique onde comprou tantas brigas. Campeão alemão em 2010, perdeu o título da Liga dos Campeões daquele ano para a Inter de Milão de José Mourinho, que havia sido seu auxiliar durante sua primeira passagem de Barcelona.

Com a carreira reconstruída em Munique, Van Gaal ganhou moral para ganhar uma segunda chance na seleção da Holanda, a qual já havia dirigido durante as eliminatórias da Copa do Mundo de 2002, quando fracassou e ficou sem a vaga. A campanha que garantiu o direito de sua equipe vir ao Brasil, entretanto, não deu margem às críticas. Venceu nove jogos e empatou um, ganhando moral e acertando um contrato de três temporadas para dirigir o Manchester United assim que a Copa acabar. Mesmo assim, a forma de jogar não agradou a todos na Holanda, tradicionalmente adeptos de um futebol ofensivo e com três jogadores na frente.

As circunstâncias da preparação da equipe obrigaram Van Gaal a assumir riscos e montar uma equipe que mais marca do que cria. Mas que contra-ataca de forma voraz e eficiente, como ficou claro no massacre imprimido contra a Espanha, que entrou no gramado da Fonte Nova como atual campeão e saiu desmoralizada com uma goleada de 5 a 1 nas costas. Vitória que foi fundamental para o mundo olhar para a Holanda como uma das favoritas ao inédito e aguardado título mundial. E dona do melhor ataque após três jogos. E da maneira que Van Gaal achou que fosse o jeito certo. Agora, não adianta discutir. Até porque ele não foge de discussões, como se sabe.

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