Tabárez: homem que renunciou à Fifa reconstruiu a Celeste comprando brigas
Do UOL, em São Paulo
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AFP PHOTO / DANIEL GARCIA
Óscar Tabárez, técnico da seleção do Uruguai e que anunciou que renunciará cargo na Fifa
O Uruguai que entrará Maracanã, neste sábado (28), às 17h, terá pela frente não só uma Colômbia entrosada, rápida e apoiada por uma multidão. A Celeste, bicampeã mundial, terá pela frente toda a carga emocional a que a equipe foi submetida nos últimos dias, quando o craque do time, Luis Suárez, foi excluído da competição após morder um adversário. Desafiar e inverter a lógica das coisas, porém, é característica marcante da seleção uruguaia e, principalmente, de seu treinador, Óscar Tabárez.
Ex-zagueiro medíocre que se aposentou precocemente aos 32 anos, o técnico, de 67 anos conseguiu ser o personagem da Copa do Mundo em um dia no qual a Copa do Mundo não teve jogos. Entrevistado na véspera do confronto das oitavas contra os colombianos, o uruguaio de Montevidéu falou pela primeira vez sobre a decisão da Fifa em suspender Suárez por nove jogos da seleção, além de proibi-lo de treinar e jogar por quatro meses após o fim do Mundial. E Óscar Washington Tabárez Sclavo não alivou, nem para seu jogador e muito menos para a entidade máxima do futebol.
"Não estou justificando nada, e não creio que não se deva punir (Suárez)", declarou Tabárez, que logo em seguida, condenou o tamanho e o peso da punição adotando postura surpreendente, ao anunciar que deixará de integrar a Comissão de Estratégia da Fifa, órgão em que o técnico uruguaio atuava como instrutor de cursos e membro do grupo de estudo técnico dos Mundiais. "Não é prudente ficar em uma organização com pessoas que pressionaram por uma decisão, e manejam critérios e valores diferentes dos que eu tenho. Portanto, nos próximos dias, apresento minha renúncia."
Batendo de frente
Os rompimentos, entretanto, fazem parte da história de Óscar Tabárez na reconstrução do status da seleção do Uruguai, a qual ele já havia comandado, sem sucesso, na Copa do Mundo de 1990. Ao reassumir a Celeste, em 2006, o técnico comprou uma briga cara ao futebol uruguaio: bateu de frente com Pepe Casal, empresário nascido no Brasil e criado no Uruguai e que, ao longo dos anos 90, dominou as entranhas do futebol local, dominando as negociações dos direitos de TV e das transferências internacionais dos principais jogadores uruguaios.
Com Tabárez no comando, as coisas começaram a mudar a partir do momento em que ele assumiu, além da seleção principal, as seleções das categorias de base do Uruguai. Tirou Pepe Casal do circuito e rejuvenesceu a equipe, dando chances a jogadores que demoraram a entrar na Celeste, como Diego Forlán, figura decisiva na retomada da seleção uruguaia, quarta colocada na Copa da África do Sul, em 2010.
Na imprensa uruguaia, por exemplo, era comum a afirmação que Forlán não jogava na seleção antes de 2006 porque seu empresário não era Pepe Casal, que ganhou poder justamente a partir do fim da Copa de 1990.
Coincidência ou não, Pepe Casal tinha como um de seus sócios Enzo Francescoli, astro do futebol uruguaio nas décadas de 1980 e 90 e líder da Celeste que foi jogar o Mundial da Itália. A campanha foi sofrível. O Uruguai só se garantiu nas oitavas na última rodada da fase de grupos, contra a Coreia do Sul, com um gol nos acréscimos. Na fase seguinte, caiu diante da seleção italiana - eliminada, por ironia, pelo Uruguai do Mundial jogado no Brasil.
Derrotado e com relacionamento estremecido com os líderes do elenco, foi tentar reconstruir a carreira no futebol argentino, onde dirigiria o Boca Juniors (por duas vezes). A fama conquistada com o Peñarol campeão da Libertadores de 1987 (onde enfrentou o Deportivo Cali, cujo atacante era Ricardo Gareca, atual técnico do Palmeiras) não convenceu ninguém na Bombonera. Mesmo assim, foi trabalhar no futebol europeu, dirigindo o Cagliari (também por duas vezes) e o Milan, onde não ficou nem por um ano.
Segunda chance
Mal-sucedido nos seus trabalhos em clubes, decidiu interromper a carreira em 2002, quando também não obteve sucesso em sua segunda passagem pelo Boca Juniors. Quatro anos depois, ganhou sua segunda chance na seleção do Uruguai, e com carta branca.
Tabárez comprou a briga, surpreendeu o mundo ao levar o Uruguai a sua melhor campanha em uma Copa desde 1970 (com o quarto lugar de 2010) e ainda emendou com o título da Copa América do ano seguinte.
Triunfos que trouxeram reconhecimento pessoal, sendo tratado como o Rei da América, tradicional prêmio concedido pelo jornal uruguaio "El País". Em 2011, seria eleito pela Federação Internacional de História e Estatística de Futebol (IFFHS) como o técnico do ano. Amparado pelo sucesso, pediu aumento à federação uruguaia para seguir na seleção. Empresários do país ofereceram ajuda para pagar o salário e garantir a manutenção do trabalho.
Agora, com toda uma revolução que foi iniciada para recolocar o Uruguai forte em uma Copa do Mundo, Óscar Tabárez vai para o jogo da tarde deste sábado escaldado, sabendo que muitos obstáculos já foram superados para se chegar até aqui. Superar a indignação provocada pela suspensão de Suárez e a qualidade da Colômbia não parecem intransponíveis para ele.