Viciado em Bielsa e no trabalho, Sampaoli transformou o Chile em dois anos

Jeremias Wernek

Do UOL, em Belo Horizonte

  • Best Photo Agency & C / Pier Gia

    Jorge Sampaoli fez Chile sair do 7º lugar nas eliminatórias para ser um dos 16 melhores times do mundo

    Jorge Sampaoli fez Chile sair do 7º lugar nas eliminatórias para ser um dos 16 melhores times do mundo

O dia é 1º de maio de 2011, a cidade de Santiago aproveita o feriado do Dia do Trabalho, mas Jorge Sampaoli não. O técnico argentino, então à frente da Universidad de Chile, quer analisar estatísticas, planejar treinos e projetar jogos. Vai até o centro de treinamentos do clube e encontra tudo fechado, sem nenhum funcionário por perto. Para chegar ao objetivo, ele escala uma parede do prédio e entra por uma janela. Segue até o seu escritório e mantém a rotina.

A história exemplifica o estilo do treinador do Chile, responsável pela mutação de um time que era sétimo colocado nas eliminatórias sul-americanas e um ano e três meses depois vive dias de glória na Copa do Mundo. Com uma vitória histórica diante da Espanha e a consequente classificação para as oitavas de final.

Obcecado por trabalho, meticuloso, exigente. Fã inveterado de Marcelo Bielsa, o comandante do Chile no Mundial de 2010. Competitivo ao máximo e dono de histórias pitorescas desde o começo como técnico, no Peru, até chegar à seleção. Sampaoli alcança no Brasil o ápice de uma carreira vivida com intensidade.

"Eu sou antissocial, não só com a imprensa, mas com todos. Me dói muito o comportamento humano da atualidade. O egoísmo, o individualismo exagerado. E os meios de comunicação necessitam polemizar. Não participo disso, não leio e nem escuto. Me excluo", afirmou em entrevista ao jornal "El Mercúrio", em 2011.

O argentino teve a carreira de jogador interrompida por uma séria lesão na tíbia, aos 19 anos. Sem as chuteiras, passou a estudar para ser treinador e nesse período, corria pelas ruas de Casilda, na província de Santa Fé, ouvindo a voz de Marcelo Bielsa em entrevistas coletivas. As gravações rodavam em um walkman e ajudaram Sampaoli a encontrar seu estilo.

"Eu era louco pelo Newell's (Old Boys) do Bielsa. Era dependente disso, ouvia as entrevistas dele a toda hora. Eu era um bielsadependente, literalmente", admitiu Jorge Sampaoli à revista "El Gráfico".

De Bielsa herdou a ideia de ser ofensivo. De marcar o adversário em cima e de aproveitar muito os jovens durante os treinamentos. Nessa toada, tentando se achar, Sampaoli viveu a primeira das histórias que são chamadas de 'anécdotas de Jorge'.

Comandando um time amador de sua cidade natal, o Alumni, Jorge Sampaoli foi expulso durante uma final e deu seu jeito para seguir orientando os jogadores. Saiu do estádio e subiu em uma árvore, contígua ao muro e ao campo. De lá de cima, entre os galhos, berrou para a equipe cuidar os cruzamentos, pressionar no ataque e tocar rápido a bola.

O ato incomum chamou atenção para o seu bom trabalho e rendeu uma vaga nas categorias de base do Newell's Old Boys. Em 1996, estreou como técnico profissional pelo Argentino de Rosário e então iniciou a peregrinação até o cume da montanha. No Peru, também protagonizou histórias curiosas.

Dirigindo o Bolognesi de Tacna, Sampaoli virou a noite revendo os 90 minutos de uma derrota de 1 a 0 para o San Martín. E às 5h ligou para Luis Hernándes, titular do time e jogador de confiança, para simplesmente dizer que havia encontrado o erro de marcação que originou o gol adversário. E outra passagem, apostou com um atleta seu uma corrente de ouro, em uma disputa de futênis - uma variação do futevôlei praticado no Brasil.

Se o estilo dos times em campo foi ficando cada vez mais parecido com o de Bielsa, fora dele nem tanto. Sampaoli é próximo dos jogadores - ao contrário do ídolo, mas fala somente de futebol. Nada de ser o paizão, de dar conselhos sobre família e investimentos. E chega a ser paranoico quando o assunto é zelar pela privacidade de seu trabalho.

Já caçou fotógrafos em treinos e aqui mesmo no Brasil, na Toca da Raposa II, ordenou que a segurança da delegação fizesse uma ronda em volta do centro de treinamentos para garantir que nenhum espião olhasse os seus treinos antes da estreia contra a Austrália.

"Ele é extremamente meticuloso. Zela demais pela privacidade do seu trabalho e é viciado por ele", comentou o jornalista Cesar Campos, do diário "Las Últimas Notícias", de Santiago. O único a conseguir entrevistar Sampaoli fora do CT da Universidad de Chile durante a passagem do técnico pelo clube.

Na equipe da capital, aliás, vetou o acesso dos jornalistas em todos os treinos. Todos os dias. Mas de acordo com a mídia de Santiago, sempre foi educado e solícito. Jamais se negou a responder a uma pergunta sequer nas entrevistas coletivas. E muito menos distribuiu frases fortes diante de questionamentos mais duros.
 
Pela La U, ganhou três títulos nacionais e a Copa Sul-Americana. E também aprontou das suas - além da história da janela. O técnico chamou o escritor Eduardo Sacheri, autor do livro 'La Pregunta de Tus Ojos', que deu origem ao filme "O Segredo de Seus Olhos", para participar de uma palestra com Aránguiz, Jhonny Herrera, Eduardo Vargas e demais jogadores da Universidad de Chile. O convidado deu sorte e a equipe virou confronto final contra a Universidad Católica.
 
Em dezembro de 2012 assumiu a seleção do Chile e montou uma comissão técnica com boa dose de Marcelo Bielsa. Exigiu a contratação do analista Francisco Meneghini, que trabalhou com 'El Loco' no time nacional antes. E também levou consigo o preparador físico Jorge Desio, um braço direito desde os tempos de jornada no Peru, e o auxiliar de campo Sebastián Becaccece - que tem boa relação com Bielsa.
 
Avesso a entrevistas e também aos contatos da imprensa com seus familiares, Sampaoli tem somente um ponto não muito claro em sua trajetória: a verdadeira relação com Marcelo Bielsa. Não existem relatos concretos de que o mestre e o discípulo tenham se falado uma vez sequer. Toda e qualquer informação e inspiração não veio diretamente da mão do atual técnico do Olympique de Marseille-FRA.
 
O vício pelo trabalho e a intensidade que forjam o jeito Sampaoli de ser talvez expliquem uma de suas patologias. O treinador sofre de insônia e já admitiu publicamente que dorme no máximo cinco horas por noite. Menos tempo na cama é mais tempo no campo, portanto. E uma campanha com apenas três derrotas em 21 jogos dirigindo a seleção.
 
"Os números não mentem", resumiu Sergio Jadue, presidente da federação chilena de futebol, ao ser perguntado sobre a importância de Sampaoli no momento da seleção. "Ele é uma peça fundamental para estes dias que estamos vivendo", completou.
 
Depois da vitória de 2 a 0 diante da Espanha, no Maracanã, Jorge Sampaoli recebeu uma ligação de Diego Maradona. O grande ídolo dos argentinos parabenizou o técnico pela classificação às oitavas de final e, mesmo sem saber, tornou a chegada do técnico ao topo ainda mais histórica.

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