Copa do Mundo é "cola" para uma Bélgica rachada
Fernando Duarte
Do UOL, no Rio de Janeiro
Aertssen e Crollet. Nas costas de qualquer outra camiseta de futebol, dois sobrenomes que não despertariam muita atenção. Escritos num uniforme da Bélgica, a história é outra: lado a lado num dos bares no entorno do Maracanã representam duas partes de uma nação que apenas no futebol demonstra algum tipo de unidade. Flandres, a região norte em que o flamengo (uma variação do holandês) é a língua dominante busca a separação da Valônia de cultura e língua francesas. Graças à seleção belga, o espinhoso assunto que é a fragmentação foi relegado a um segundo plano.
Nesse ponto, a sobrevivência dos Diabos Vermelhos no Brasil ganhou também cunho político. Quando a classificação para o primeiro Mundial desde 2002 foi obtida em outubro do ano passado, separatistas de Flandres resmungaram. Com seu time formado não apenas por jogadores das duas regiões, mas também por descendentes de imigrantes marroquinos e do Congo, sua ex-colônia africana, a seleção belga não apenas representou a unidade do país, mas seus jogadores abraçaram a causa unionista.
"Estou orgulhoso do que podemos fazer com uma nação. Amo meu time, amo meu país. Juntos podemos sonhar", afirmou o capitão da seleção, o zagueiro Vincent Kompany, nas entrevistas após o jogo com a Escócia, que selou a classificação. A partida em Bruxelas, parte de uma campanha impecável e invicta nas eliminatórias europeias, em que os Diabos Vermelhos obtiveram 26 pontos em 10 jogos, foi a maior audiência da TV belga em décadas.
"Não estamos aqui para falar de política. A Copa do Mundo é uma chance que temos para celebrar com uma nação e apoiar um time que tem representantes de todas as áreas da sociedade belga. Isso é quase tão importante quanto o resultado do jogo aqui", afirma Jan Aertssen, de 32 anos, arquiteto e dono de uma das camisas inspiradoras.
A seu lado estava Jacques Crollet, colega de trabalho que no Brasil não quis se preocupar muito com política. "Não acho que deveríamos misturar muito as coisas. Até porque se nos separássemos ficaríamos com um time bem mais fraco", brincou.
Pesquisas mostram na Bélgica que cerca de 40% dos 6,5 milhões de habitantes de Flandres apoiam a independência. Nas eleições gerais de 2010, o Partido Nacionalista Flamengo, o braço político do movimento separatista, ganhou cadeiras parlamentares suficientes para causar um impasse político que durante quase 600 dias impediu a formação de um novo governo de coalizão. Mas se nas urnas o líder do PNF, Bart de Weveer, teve algum sucesso, na arquibancada a voz do povo é bem diferente. Na partida contra a Escócia, por exemplo, a torcida belga gritou diversas vezes "Bart, você está sozinho".