Invasão de chilenos é ato extremo de multidão frustrada
Mauricio Stycer
Do UOL, no Rio
Um argentino e seu filho entram no elevador do hotel em Copacabana. O pai me encara, passa os olhos pelo meu crachá, onde se lê claramente a palavra "mídia", e pergunta: "Tem ingressos para o jogo de Belo Horizonte?". Demoro um pouco para entender e ele explica melhor: "Você tem ingressos para vender da partida da Argentina?".
Faltam dois dias para o jogo contra o Irã, no Mineirão, e o torcedor está caçando ingressos dentro de um elevador de hotel, a mais de 400 quilômetros de distância. É bem possível que ele vá se juntar à tropa de "sem ingressos" que lotará a capital mineira no sábado.
Na partida de estreia da Argentina, contra a Bósnia, no Maracanã, a embaixada argentina estimou em 50 mil o número de cidadãos do país que se encontravam no Rio. A metade, talvez, dispunha de ingressos para o jogo.
Na última quarta-feira, dia de Chile e Espanha no Maracanã, voltei a presenciar cambistas negociando ingressos para a partida por US$ 1 mil (cerca de R$ 2,2 mil). Já havia visto aquela cena no dia de Argentina e Bósnia.
Assim que cheguei ao estádio, dei de cara com um grupo de chilenos que protestava contra o preço dos ingressos. A faixa que exibiam dizia: "No Chile nos roubaram o futebol". Um dos manifestantes gritava: "Mil dólares por um ingresso? É um roubo. Queremos que o futebol seja amor, seja família, não esse roubo."
Não quero justificar a invasão de cerca de 100 chilenos ao Maracanã uma hora antes do início da partida. Longe disso. Cometeram um ou mais crimes ao agirem daquela forma. Mas é impossível não enxergar no ato um protesto – contra o preço dos ingressos e a dificuldade de adquiri-los.
A Copa do Mundo, já há muito tempo, é um evento de mídia. Ou seja, o seu alcance, via televisão, o tornou de fato global. A venda de direitos de transmissão é muito mais importante do que a de ingressos. E há a limitação física, mesmo, dos estádios.
A invasão de sul-americanos sem ingresso ao Brasil expressa, além do prazer da aventura e do turismo, o desejo de testemunhar esse evento in loco, ao vivo. É uma coisa meio fora de moda. Respeito e, até, admiro esses "locos", que estão fazendo qualquer coisa para ver a Copa do Mundo.