Ele é surdo e cego. Mas ganhou dos amigos a chance de 'assistir' à seleção

Maurício Dehò

Do UOL, em São Paulo

Carlos Alberto Santana Junior é um jovem de 26 anos que nasceu sem escutar. A partir dos 10 anos, passou a perder também sua visão. Enquanto os olhos funcionavam bem, era apenas mais um brasileiro apaixonado por futebol. Sem a visão, o garoto surdocego perdeu a chance de vivenciar a experiência de ir para um campo bater uma bola ou de simplesmente curtir uma partida na TV. Não mais. Um casal fez a Copa de 2014 ser inesquecível para ele.

Na última quinta-feira, Carlos chegou à casa de dois amigos, o casal de guias-intérpretes Hélio Fonseca de Araújo e Regiane Pereira com um pedaço de papelão na mão. Ele queria pedir para eles que encenassem no simples objeto a estreia do Brasil contra a Croácia e o ajudassem, pelo tato, a saber o que milhões de pessoas estavam vendo em suas TVs. Ele só não contava que eles já tivessem preparado algo semelhante, com direito a um campinho e à adaptação de seu meio de se comunicar para voltar a "ver" um jogo.

Regiane explica: "A ideia de colocar o Carlos para 'assistir' a esse jogo veio do Hélio, meu marido. Ele acordou de manhã e perguntou: 'onde ele vai assistir e como vai saber o que aconteceu?'. Uma vez vimos um surdocego usando um campinho, com bonequinhos. Então montamos para ele um campo tátil e o chamamos para assistir". O detalhe foi a surpresa do paulistano. "Ele não sabia que tínhamos feito. Antes ele participava, ia a jogos. Para ele, poder reviver foi muito emocionante. Ele chegou aquele dia com um pedaço de papelão... Aí mostrarmos para ele ( o campo). Não filmamos a parte da reação quando ele começou a tatear o campo, mas foi fora da série, ele ficou muito emocionado."

O fato de não ouvir – e por ter nascido surdo não ter desenvolvido a fala – e de ter apenas um mínimo resíduo da visão dificulta a comunicação de Carlos com o mundo exterior. Assim, ele se comunica com as outras pessoas por sinais – a libras, língua brasileira de sinais - e apreende o que acontece pelo tato, usando uma versão diferente da língua de sinais, a libras tátil, e a comunicação háptica, pouco comum no Brasil.

Para entender um jogo de futebol, Hélio e Regiane tiveram de ir além. Eles formaram uma parceria para passar a noção total do que estava acontecendo e narraram até a cerimônia de abertura.

  • 33133
  • true
  • http://esporte.uol.com.br/enquetes/2014/06/18/qual-sera-o-resultado-de-brasil-x-camaroes.js

"O Hélio fazia os jogadores no campo e a bola, falando com o Carlos por meio do tato, com as mãos. E eu fazia em suas costas a comunicação háptica: passava informações adicionais, mostrava quem estava com a bola, falava os cartões, impedimentos... A comunicação háptica meu marido trouxe de um congresso das Filipinas, países como a Noruega usam. E antes do jogo nós adaptamos, porque não tem nada criado no Brasil. Então o Carlos decorou os números dos jogadores e combinamos alguns sinais para a hora da partida", explicou ela.

O resultado está no vídeo divulgado por Hélio – que já gera repercussão internacional. Nas imagens (o vídeo completo pode ser visto aqui), é possível ter uma noção da intrincada comunicação que Carlos, Hélio e Regiane conseguiram usar, e perceber a grande emoção que o paulistano voltou a vivenciar ao acompanhar do hino ao susto com o gol da Croácia, dos gols do Brasil ao alívio do apito final.

Em busca da independência, trio pede ajuda

Carlos é surdocego por conta da síndrome de Usher, um mal que acontece principalmente no nascimento de filhos de pais consanguíneos. Sua irmã também sofre com ela. O paulistano nasceu surdo e ainda criança começou a ter problemas para enxergar. Os óculos já não faziam efeito e foi só aí que a síndrome foi diagnosticada.

Sabendo que perderia a visão e que teria muitas dificuldades para se comunicar com outras pessoas, o garoto foi para a luta. Começou a aprender braile, recebeu orientação na parte de mobilidade, para poder andar de bengala na rua, e não deixou o problema o isolar do mundo.

Há cerca de nove anos ele conheceu Hélio e Regiane em um evento religioso. O trio começou a se comunicar e a amizade formada naquele momento segue até hoje.

Carlos é formado como massoterapeuta e trabalha normalmente. Anda por São Paulo com naturalidade, pega metrô sozinho e vai para onde quer. "Ele conhece a cidade toda, às vezes ele que é nosso guia", brinca Regiane.

A motivação de publicar o vídeo mostrando como Carlos "viu" a Copa foi não só inspirar outras pessoas nesta situação, mas tentar ajudar o jovem a ampliar sua independência. Hélio e Regiane querem adquirir um display em braile, um aparelho que faz com que tudo o que aparece na tela do computador seja representado em braile.

"Hoje esse aparelho custa R$ 17 mil. Temos certo valor por conta das palestras que ele dá, mas ainda falta muito. É importante para ele ganhar autonomia, afinal, é um jovem que quer explorar o mundo, ter seus segredos e viver a vida dele sem que sempre precise da gente como intermediário", concluiu ela. (Veja como entrar em contato com eles no vídeo no topo da matéria).

Veja também



Shopping UOL

UOL Cursos Online

Todos os cursos