Bastou um vexame na Copa para a Espanha reacender suas diferenças regionais

Guilherme Palenzuela

Do UOL, em São Paulo

Os madrilenhos culpam os catalães do Barcelona. Os catalães culpam o goleiro madrilenho. Outros separatistas quase comemoram a vitória holandesa. E aqueles que defendem a fragilizada monarquia reclamam de críticas estrangeiras mais duras. Bastou um vexame da favorita seleção espanhola para que as diferenças regionais e a instabilidade política reacendessem na Espanha. O futebol, dessa vez, serve como modelo para explicar um país desunido.

E tudo está refletido em capas de jornais, de diferentes regiões, com diferentes linhas editoriais e voltados a diferentes públicos. A Espanha tem em seu espaço geográfico dois movimentos separatistas que já foram mais fortes: no País Basco e na Catalunha. Às reações em relação a este último soma-se a rivalidade intensificada pelo futebol, representada no embate entre Barcelona – catalão – e Real Madrid – clube que historicamente é associado ao poder político da capital.

O que ainda contribui para intensificar a instabilidade política espanhola é o regime monárquico, que se enfraqueceu após a abdicação do Rei Juan Carlos, que abriu espaço para seu filho, Felipe de Bourbon, assumir a coroa. Nas últimas semanas as principais cidades espanholas viram emergir  protestos isolados de grupos de esquerda que pedem um referendo sobre a continuidade da monarquia. Querem a república, mas ainda são minoria.

E a seleção espanhola, representada pela monarquia no nome e no símbolo – federação é a "Real Federação Espanhola de Futebol", e o símbolo na camisa leva uma coroa –, servia até a última sexta-feira para ajudar a manter sob controle as diferenças regionais. Tão vitoriosa desde 2008, quando começou o processo de renovação com o técnico Luis Aragonés e venceu a Eurocopa, a Espanha estava desacostumada a perder. Foram seis anos de domínio mundial após décadas de impotência, com o inédito título da Copa do Mundo, em 2010, e mais uma conquista da Eurocopa, dois anos depois.

Isso durou até a manhã de sábado. O diário "As", de Madri, estampou: "A torcida pede mudanças: Javi Martínez, Koke e Pedro", em matéria que utilizou como base uma enquete realizada pelo site. O resultado vencedor pediu uma equipe titular sem Xavi, Gerard Piqué e Sergio Busquets. Mais que três jogadores do Barcelona, são três nascidos na Catalunha.

Do outro lado, a situação inversa. O diário "Mundo Deportivo", de Barcelona, publicou: "Quem é o culpado pela derrota ante a Holanda?". A foto que acompanhou a reportagem tem uma foto do goleiro e capitão Iker Casillas se lamentando ao lado do zagueiro Sergio Ramos, ambos do Real Madrid, maior rival do clube em que jogam Xavi, Piqué e Busquets.

No País Basco, o "Gara", associado à esquerda radical nacionalista, quase comemora o massacre holandês. "Holanda baixa a bola da Espanha", seria a tradução para o português do que disse a capa do jornal no dia seguinte à partida. É presente na esquerda radical nacionalista basca o sentimento de que a seleção espanhola não os representa, apesar das presenças de bascos como Xabi Alonso, Javi Martínez e Cesar Azpilicueta.

Do outro lado, o "La Razon", mais importante periódico que representa a monarquia, fez imenso compilado de títulos de reportagens de veículos de outros países para retratar o jogo. "Humilhação e vingança: a imprensa estrangeira acaba com a Espanha". Mais nacionalista impossível, a publicação mostra o vexame em outras línguas.

Segundo jornalistas espanhóis que fazem a cobertura da seleção nacional em Curitiba, onde o time do técnico Vicente Del Bosque realiza a preparação durante a Copa do Mundo, no CT do Caju, tais manchetes com ataques regionais eram comuns antes de 2008, quando a Espanha fracassava com frequência e ainda se falava em vestiário dividido entre jogadores de Real Madrid e Barcelona. Desde 2008, as críticas foram mais amenas. Outros afirmam que cada jornal estampa aquilo que seu público local pensa.

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