Copa começa e escreve um novo capítulo na história do Brasil

Adriano Wilkson, Rodrigo Mattos e Vinícius Segalla

Do UOL, em São Paulo

É impossível prever o que acontecerá no gramado a partir das 17h (horário de Brasília) de hoje quando os atacantes Neymar e Fred darão os primeiros toques na bola para iniciar a Copa do Mundo de 2014, no Itaquerão, em São Paulo. Além deles, porém, uma coisa é fato: o torneio já bateu a marca de maior evento da história do país.

A audiência somada de todos os jogos deverá chegar a  três bilhões de pessoas. Outras três milhões acompanharão as partidas nos estádios. Estarão envolvidos 736 jogadores; 170 mil homens farão a segurança, entre agentes particulares, policiais e membros das Forças Armadas do Brasil. 

Seis bilhões de reais terão sido investidos pelo mercado publicitário. Os mesmos seis bilhões serão lucrados pela Fifa. O poder público brasileiro colocou R$ 8 bilhões no esforço de construir ou reformar as 12 arenas. Ao todo, considerando todas as obras e aquisições feitas pelo governo brasileiro e pelos governos estaduais e municipais para receber a Copa, o dinheiro público empenhado é da ordem de R$ 30 bilhões, cifra que inclui investimentos que ficarão aqui após a Copa, como reformas em aeroportos e construção de obras de mobilidade urbana.

A Copa é o maior evento mundial que o Brasil já recebeu, superando a Copa de 1950, a Eco-92, os Jogos Pan-Americanos de 2007 e a Rio+20 sob os mais variados aspectos. E escancarou, aos olhos do mundo, as riquezas, mazelas e contradições da sétima economia do planeta.

O discurso oficial no já longínquo 30 de outubro de 2007, quando foi anunciada a sede do Mundial, nos apresentava um projeto de país que queria usar o torneio como propaganda de seus feitos recentes, de sua nova cara e posição no planeta.

Nesse sentido, a Copa seria a materialização do protagonismo brasileiro no mundo moderno, um país que havia estabilizado sua economia, consolidado sua democracia, tirado milhões de pessoas da miséria e virado mediador na geopolítica internacional. 

Em 2009, quando o mundo assistiu a uma crise econômica que tomou conta das nações mais desenvolvidas do globo, notadamente os países da Europa e os Estados Unidos, a posição brasileira de destaque no contexto internacional se intensificou.

Por aqui, a crise não freou o consumo interno, não gerou uma maciça onda de desemprego nem pôs em risco os programas sociais. Assim, a organização da Copa do Mundo viria coroar este novo Brasil.

Sete anos depois da escolha do país como sede do torneio, porém, a alta desaprovação popular ao evento, o gasto desenfreado de dinheiro público, as manifestações que tomam as ruas há mais de um ano, os atrasos e as obras de infraestrutura que não saíram do papel fazem um retrato muito mais próximo da realidade nacional do que a propaganda oficial pretendia.

Alguns números da Copa
30

bilhões de reais

Investimento dos governos em estádios e infraestrutura

2

estádios

prontos no prazo exigido pela Fifa

20

chefes de Estado/governo

É o número mínimo de mandatários que virão ao país

170

mil

profissionais envolvidos na segurança

18

mil

profissionais de mídia credenciados para cobrir o evento

 

O Brasil, ao fim das contas, continua sendo o Brasil. O país não se livrou graças à Copa de suas mazelas históricas. Corrupção, excesso de burocracia administrativa e injustiça social não sumiram do mapa por decreto.

Isso não significa, porém, que a Copa será um fracasso. Será um evento superlativo, do ponto de vista econômico, midiático, do turismo e esportivo. Mas ela será um evento com a cara do Brasil, com tudo que isso implica de bom e de ruim. 

Como legado, a Copa deixará novas arenas, aeroportos ampliados, obras urbanas que, espera-se, serão concluídas um dia e uma estrutura de telecomunicações aprimorada, tudo a um custo financeiro discutível. Mas para dizer se, aos olhos do mundo, o Brasil continuará sendo um país confiável e rumo ao protagonismo global, será preciso esperar o árbitro encerrar a última partida, no Maracanã, no dia 13 de julho.


RADIOGRAFIA DA COPA NO BRASIL

Cifras bilionárias  
Reprodução/Twitter

 

O poder público brasileiro colocou R$ 8 bilhões no esforço de construir as 12 arenas. Considerando todas as obras e aquisições feitas pelos governos nas três esferas para a Copa, o dinheiro público empenhado é da ordem de R$ 30 bilhões. A cifra inclui reformas de aeroportos e obras de mobilidade urbana.

Por outro lado, a Fifa, que não paga impostos no Brasil por nenhuma atividade relacionada à organização da Copa, prevê sair do país com um lucro de R$ 6 bilhões com o evento. Segundo o Tribunal de Contas da União, o governo federal concedeu uma isenção fiscal à Fifa e seus parceiros de R$ 1,1 bilhão. A cifra não inclui as renúncias tributárias de Estados e cidades-sede.

Sob o olhar de bilhões

Três bilhões de pessoas assistirão às partidas pela TV, em 200 países. Outras três milhões o farão nos estádios. Haverá ao menos 32 câmeras em cada estádio. Estarão envolvidos 736 jogadores. E 18 mil jornalistas.

A Copa de 2014 é maior que...

...a Copa de 1950

Divulgação/AFP

O número de seleções mais que dobrou, eram 13, hoje são 32. O número de cidades-sedes saltou de seis para 12. A quantidade de torcedores nos estádios será três vezes maior. A arrecadação das bilheterias irá dos R$ 26,4 milhões de 1950 (em valores corrigidos) para R$ 1 bilhão.

... os Jogos Pan-Americanos de 2007

Os Jogos do Rio custaram R$ 3 bilhões aos cofres públicos. A Copa custou dez vezes mais. O Mundial também tem mais que o triplo de profissionais de mídia credenciados (eram 5,4 mil em 2007) e deve atrair seis vezes mais turistas estrangeiros ao país (foram 100 mil para o Pan).

... a Rio 92

No final do século passado, o Brasil recebeu uma reunião de 108 chefes de Estado com o intuito de construir uma sociedade global mais sustentável. As ruas foram ocupadas pelo Exército. Tanques foram posicionados ao longo de vias expressas. O espaço aéreo ficou restrito a voos oficiais e de rota comercial. As escolas suspenderam as aulas. O governo decretou ponto facultativo. Peças de teatro foram canceladas.

Para a Copa de 2014, todas essas medidas também foram tomadas, à exceção dos tanques de guerra, que dão lugar às viaturas de polícias militares e federal e da Força Nacional de Segurança. Mas o número de profissionais deslocadas para a segurança da Copa é mais de 11 vezes maior: 170 mil agora, contra 15 mil em 1992.

... a Rio + 20

Divulgação

A segunda edição do evento, em 2012, foi a maior Conferência da ONU já realizada, mas teve números muito menores do que a Copa de 2014. O Mundial tem quase cinco vezes mais jornalistas credenciados, nove vezes mais voluntários e quarenta vezes mais seguranças.

Uma Copa continental

O governo federal fez pressão para que a Fifa incluísse 12 sedes na Copa. O ministro dos Esportes, Aldo Rebello, sempre disse que a ideia era ter um torneio que alcançasse todas as regiões do país. "Não podemos fazer uma Copa no Brasil e deixar a Amazônia de fora, o Pantanal de fora", dizia.

O país fez valer a sua vontade, e organizou um torneio do tamanho do Brasil. As seleções terão à disposição uma frota de oito aviões fretados pela Fifa, que viajarão entre os 14 aeroportos oficiais do evento. Os atletas dos Estados Unidos serão os que mais viajarão durante a primeira fase. O time se deslocará por 5.609 quilômetros em dez dias. Em linha reta, são sete horas de voo de Natal a Manaus e, depois, da capital amazonense a Recife.  

O evento-teste arrastou multidões para os estádios...

A Copa das Confederações, no ano passado, foi um sucesso de público, com média de 49.753 espectadores por jogo. Ao todo, 967.145 pessoas estiveram presente nos estádios. É a segunda melhor marca da história do torneio.

... e para as ruas

Reinaldo Canato/UOL

Já fora dos estádios, as manifestações de rua que varreram o país todo, e não só as cidades-sede, também impressionaram por suas dimensões. Em São Paulo, no dia 6 de junho, cerca de 5.000 pessoas protestaram contra o aumento na tarifa de ônibus.  

Uma semana depois, quando mais de 10.000 pessoas foram às ruas paulistanas, a Polícia Militar achou que já bastava, e reprimiu os manifestantes e os jornalistas que cobriam o evento. O episódio sublevou o país e deu início a uma onda de protestos que não se via desde a campanha pelas Diretas Já, em 1983-84.

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