Medo faz 'decoração de Copa' sumir da rota dos protestos em São Paulo
Vanessa Ruiz
Do UOL, em São Paulo
Estamos a pouco mais de duas semanas para o início da tão aguardada e tão controversa Copa do Mundo do Brasil. É pouco tempo, mas ainda há uma sensação generalizada de que o país não entrou no tal "clima de Copa", e muito disso se deve à ausência da decoração tradicional que nos acostumamos a ver por aí em época de Mundial tanto em estabelecimentos comerciais quanto nas ruas e nas janelas dos carros, casas e apartamentos.
Nesta terça-feira, a reportagem do UOL Esporte percorreu a pé os quase nove quilômetros do principal eixo de manifestações em São Paulo, uma área primordialmente comercial composta pela avenida Paulista, rua da Consolação desde a avenida Paulista até a praça Franklin Roosevelt, avenida Rebouças até a avenida Faria Lima, e deste cruzamento até o Largo Batata, em Pinheiros, onde aconteceu a concentração da megamanifestação de 17 de junho de 2013 e de tantas outras desde então.
Nesta regiões, bancos e concessionárias de carro têm sido os principais alvos de depredação por manifestantes quando os protestos se tornam violentos -- nos últimos tempos, principalmente na rua da Consolação. Mas os responsáveis por postos de gasolina também estão receosos. Cícero Dias é gerente do Auto Posto Consolação, de bandeira BR, e sua reação à pergunta sobre a intenção de decorar o posto diz muito: "Nem pensar!", falou de sopetão.
"Nós nem chegamos a conversar sobre isso, não há interesse nenhum, não tem motivação para isso", disse Cícero. Segundo ele, são dois os motivos para tamanho desânimo em relação às bandeirinhas verde-e-amarelas (que, aliás, é a cor dos postos Petrobras): a falta de empolgação geral e o receio de virarem alvo da violência de alguns dos movimentos anti-Copa.
Em 2010, por exemplo, a Petrobras distribuiu 6 milhões de bandeirinhas do Brasil para clientes dos postos BR. Neste ano, com Copa no Brasil, não houve uma ação sequer voltada para a competição. Cícero dá seu ponto de vista: "Parece que não tem coração nessa Copa, sabe?".
Um pouco mais para baixo, em direção ao centro, encontramos outros dois postos até chegar à praça Franklin Roosevelt, um de bandeira Ipiranga e um Shell. Nenhum dos dois estão decorados ou anunciam qualquer promoção. Tomando mais uma vez o período da Copa da África do Sul como exemplo, a rede de postos Ipiranga fez em 2010 uma promoção chamada "Copa Premiada", dando como prêmio dez mil camisas oficiais da seleção. E em 2014? Nada.
Frentista do Auto Posto Duque Centro, o Ipiranga da rua da Consolação já próximo ao centro, Márcio Lindraz da Silva conta que o mais próximo que o posto chega da Copa são as manifestações, e o que resta é se proteger já que a atmosfera de celebração anda distante: "Desligamos as bombas de combustível, recolhemos os extintores, lixeiras, porque tudo pode ser usado como arma quando começa a violência", diz Márcio, descrevendo o procedimento-padrão dos postos na rota dos protestos.
Subindo novamente em direção à avenida Rebouças, na calçada da pista sentido bairro da rua da Consolação, estão três concessionárias de carros, quase vizinhas. A loja do grupo Itavema, da Volkswagen, está sendo desmontada porque está prestes a ser fechada, mas José Roberto Vilhegas Filho, supervisor de vendas, admite que o espírito anda menos "copeiro": "Em 2010, lembro que tudo era em função da Copa. Decoração, promoções. Neste ano, não tenho visto isso nem nas concorrentes".
Esta concessionária não chegou a ser depredada, ao contrário da loja do grupo Caoa, da Hyundai, fabricante de automóveis que é parceira global da Fifa junto com Adidas, Coca-Cola, Emirates, Sony, Visa e Kia Motors. No dia 15 de maio, a Caoa da rua da Consolação teve quadro vidros atingidos por pedras e carros parcialmente destruídos.
Por conta disso, o gerente da terceira concessionária da área, do grupo Itacolomy, da Chevrolet, já bateu o martelo: "Não vou fazer decoração de Copa. E é por medo de acharem que estamos patrocinando, que temos alguma coisa a ver", diz, incisivo, Edemar Gonçalves Dias. "Pelo menos duas vezes por semana tem algum protesto passando aqui. No dia em que destruíram a Hyundai, ficamos três horas presos aqui dentro, com cliente na loja".
Além do medo da destruição causada pelos ataques de alguns grupos de manifestantes, todos os comerciantes com os quais nossa reportagem conversou demonstraram aborrecimento com os prejuízos causados pela necessidade de fechar as portas. Ainda na rua da Consolação, uma unidade de outro "apoiador nacional" da Fifa sofre com esta questão.
A unidade da escola de inglês Wise Up tem uma fachada discreta que tem passado despercebida pelos manifestantes. Lá dentro, no entanto, a conexão com a Fifa é bem explorada através de promoções que dão bonecos do mascote Fuleco (com um broche da Wise Up) e álbuns da Copa para alunos. O diretor comercial da unidade, Gutemberg Correia, acredita que isto se deve ao fato de as pessoas não associarem diretamente a imagem da escola ao Mundial. De fato, os comerciais da Wise Up exploram mais a ligação com o patrocinado Kaká do que com o evento que começa em junho.
Nas avenidas Paulista, Rebouças e Faria Lima, tampouco se vê muitos enfeites. No caso da Paulista, as cores do Brasil ficam restritas às bancas de jornal e a uma loja de material esportivo que oferece de tudo (chaveiros, apitos, cachecóis, camisa oficial da seleção e vários outros produtos), mas tem vendido pouco.
A Rebouças e a Paulista também já foram cenário de depredações, mas a avenida Faria Lima, não. Ali, a "falta de Copa" é puramente o resultado da falta de empolgação dos comerciantes.
O que ficou constatado é que os estabelecimentos comerciais que colocaram as bandeirolas do Brasil são praticamente heróis da resistência de um "vai ter Copa" que ainda não se sente no ar. Quando perguntamos ao dono de redistribuidora de água engarrafada Antonio Oliveira a motivação para tantas bandeirinhas, ele repetia insistentemente: "Vai ter Copa e vai ter muita Copa! Muita Copa!", para em seguida desafiar os manifestantes que pensem em atacar a loja, que fica numa esquina da rua da Consolação. "Nem o PCC me fez fechar, não são eles que vão fazer!", bradava.
Antes, muitos acreditavam que a convocação da seleção ajudaria a dar uma levantada no ânimo geral. Parece que nada feito. Agora, a expectativa é para que isto aconteça com a estreia do Brasil. Falta pouco.