Protestos e medo de black blocs afastam clima de Copa nas ruas do Rio

Pedro Ivo Almeida

Do UOL, no Rio de Janeiro

Em um rápido passeio pelas ruas do Rio de Janeiro, o mais desavisado dos torcedores não seria capaz de perceber a proximidade da Copa do Mundo. A pouco mais de 20 dias do grande torneio, apenas algumas placas temáticas que indicam o caminho para os principais pontos da cidade lembram que o Mundial está chegando.

Nos tradicionais pontos de concentração de torcida, a animação está longe de reviver os momentos de empolgação de outras décadas e confirma que a Copa ainda não é uma realidade na capital fluminense. Pelo menos nas ruas.

As tradicionais bandeirinhas e o asfalto pintado dão lugar ao desânimo. No lugar de mobilizações para enfeitar as praças, o que se vê é o medo de protestos e até planos de contenção a possíveis ataques de manifestantes contrários à realização da Copa.

"Sempre fui um grande entusiasta, mas este ano está diferente. O clima está estranho. Não temos aquela animação de outros anos. O pessoal aqui da rua está até temendo possíveis ações de black blocs e vendo como podemos nos proteger de algo pior. Não temos nada a ver com corrupção e Copa, mas estamos bem no alvo", lamentou o comerciante José Cardoso, morador da rua Alzira Brandão, na Tijuca, tradicional ponto de concentração de torcida no Rio de Janeiro.

"Há uma diferença muito grande para outras copas. Era quase um carnaval prolongado antigamente. As casas estavam sempre pintadas, enfeitadas com bandeiras e hoje não estamos vendo isso. Essa desanimação popular chama a atenção. Um conjunto de fatores determina isso. Temos a exclusão social, dificuldades do dia a dia, problemas políticos, corrupção na máquina pública. As pessoas não se sentem mais parte deste processo de Copa. Isso desanima muito. Não há o encanto de um futebol que antes mexia com todos", explicou o médico José Augusto Messias, morador de Vila Isabel e testemunha das festas ocorridas de quatro em quatro anos desde 1958.

Presidente da Associação Recreativa e Cultural "Turma do Alzirão", Ricardo Ferreira tenta não perder as esperanças e reforça que o ponto que já chegou a atrair 30 mil pessoas em jogos de outras copas será enfeitado e repetirá a programação de outros anos. Ainda assim, reconhece que a animação já não é tão intensa.

"Teremos bandeiras, pinturas e shows aqui, mas estou achando a cidade meio desanimada mesmo. Isso vem caindo mesmo. Já tivemos quase 18 ruas enfeitadas na região da Tijuca e Maracanã, e neste ano teremos duas ou três, no máximo. Essas questões de Fifa, governo e protestos influenciam muito na falta de motivação do povo", argumentou.

E a turma do Alzirão conhece bem os problemas da Fifa. Por conta de uma regra no regulamento para Eventos de Exibição Pública da Copa do Mundo de 2014 - documento elaborado pela própria entidade e a TV Globo, que detém os direitos de transmissão –, o grupo da zona norte do Rio não poderá usar os termos "Copa 2014" e "Brasil 2014" em camisas e faixas no local.

O prejuízo poderia ser maior, não fosse uma intervenção do prefeito do Rio, Eduardo Paes. No mesmo regulamento, a Fifa pretendia cobrar até R$ 28 mil pela exibição pública dos jogos em praça de grande público. O valor, no entanto, não precisou ser desembolsado.

"Essa história também deu uma desanimada boa. Isso aqui sempre foi uma coisa do povo", defendeu o organizador Guilherme Guazzelli.

Comércio devagar
E os problemas se estenderam também para lugares onde a Fifa não quis se meter. No Largo dos Guimarães, no tradicional bairro de Santa Teresa, a Copa do Mundo está longe de ser o principal assunto.

"Por mim, não colocava nenhuma fita verde ou amarela. Ninguém está muito interessado nesse Mundial aí. É muito problema no país. Não tem o que comemorar. Os tempos são outros. O povo não é mais bobo", esbravejou o garçom Antônio Lima, que trabalha em um bar onde a única referência é uma bandeira da Copa de 2010.

No Saara, centro de comércio popular, os responsáveis pelas lojas que vendem objetos alusivos à Copa lamentam o prejuízo pela falta do tradicional clima que tomava conta do Rio de Janeiro em outros anos.

"A expectativa era muito grande, ainda pelo fato de sermos a sede da Copa, mas ainda não tivemos nenhum retorno. O povo não se empolgou. Antigamente, um mês antes da Copa, já estávamos vendendo muito bem. Investimos muito, mas não sabemos se vai dar em algo. A verdade é que a Copa não existe aqui, por mais que a gente tente insistir", resumiu o comerciante Auderi Barbosa.

Veja também



Shopping UOL

UOL Cursos Online

Todos os cursos