Governo tira trechos de manual que considerava manifestante força opositora

Aiuri Rebello

Do UOL, em Brasília

Muito criticado nas redes sociais e com medo de que uma interpretação grosseira do texto desse margem para violência excessiva por parte das tropas contra manifestantes, o governo federal modificou a redação do manual que irá reger a atuação das Forças Armadas durante a Copa do Mundo. No lugar de "Forças Oponentes" para designar pessoas ou grupos de pessoas "cuja atuação momentaneamente comprometa a preservação da ordem pública", agora está escrito "Agentes de Perturbação da Ordem Pública" no documento revisado, publicado na segunda-feira (3) no Diário Oficial da União.

Outro trecho, que colocava de forma genérica "movimentos e organizações" como exemplo das tais "forças oponentes", foi suprimido do material, assim como a parte que afirmava que os assessores de imprensa deveriam "prevenir publicações desfavoráveis à imagem das Forças Armadas na mídia e estimular as favoráveis". Logo que que foi publicado, no final de dezembro, o manual sofreu uma enxurrada de críticas nas redes sociais, na imprensa e por parte de movimentos sociais, viram o risco de supressão de direitos civis, repressão e censura às eventuais manifestações que podem ocorrer durante a Copa.

Pressionado inclusive dentro do próprio governo -- a presidente Dilma Rousseff não teria gostado da polêmica e pedido uma solução rápida -- o ministro da Defesa, Celso Amorim, que assina o manual, já havia admitido no final de janeiro quando questionado por jornalistas que ele seria redigido novamente para "evitar interpretações equivocadas". "O manual tem que dizer o que a pessoa na ponta da linha deve fazer. Ela precisa de instrução para agir rápido. Tem que saber a quem se reportar. O manual é para isso", disse o ministro Amorim, observando que a publicação se encontra nos estritos limites da Constituição e da legislação em vigor.

O "Manual de Garantia da Lei e da Ordem" serve como livro de regras para militares durante Operações de Garantia da Lei e da Ordem -- quando as Forças Armadas vão para as ruas em situações de grave crise de segurança pública, tentativas de golpe, distúrbios e revoltas urbanas, invasão estrangeira e outros casos extremos. Em tese, quem define o início deste tipo de operação é o presidente da República, que deve ter locais e período definido para acontecer em situações de exceção.

De acordo com o Ministério da Defesa cerca de 1.400 homens do Exército, da Marinha e da Aeronáutica ajudarão na segurança durante a Copa em cada uma das 12 cidades-sede do Mundial da Fifa. Apesar de não haver uma Operação de Garantia da Lei e da Ordem em curso, as regras de atuação das tropas são as mesmas. A segurança pública durante a Copa será feita em conjunto com a Polícia Federal, PMs e polícias civis dos estados, em centros de controle e comando integrados.

A crítica mais comum ao material foi que ao tratar uma eventual manifestação como força oponente, por extensão os soldados tratassem manifestantes como inimigos e exagerassem na repressão em caso de violência e conflito entre forças de segurança e manifestantes ou "black blocs". Após a reclamação de movimentos sociais como o MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) e outros por moradia, de que o manual induzia as tropas a considerá-los oponentes de antemão, o exemplo de quem seriam as forças oponentes também foi retirado.

Uso da força permitido

Também questionado por jornalistas na semana passada, o ministro concordou que a parte do texto que tratava de prevenir a divulgação de notícias ruins sobre o trabalho das tropas nas ruas e estimular as boas poderia ser interpretada com uma tentativa de interferir no trabalho da imprensa, e por isso foi retirada na nova versão.

O manual, que passou de 68 para 64 páginas, é essencialmente o mesmo, mas na nova versão trouxe ainda recomendações adicionais de cuidado para as tropas nas ruas. Além das alterações semânticas e trechos suprimidos, há uma série de recomendações de moderação. "As ações devem ser comedidas e moderadas", afirma um trecho do material, com instruções em caso de necessidade de ação.

É defendido no código de conduta que não pode haver excesso por parte das tropas em caso de violência e que os militares devem seguir as leis ou podem ser responsabilizados por suas ações depois. A ordem é primeiro negociar e evitar conflitos a qualquer custo antes de usar a força.

Apesar de todas as recomendações, o manual dá margem para uso de violência, inclusive de munição e equipamentos letais ao afirmar que o uso de violência por parte dos soldados deve ser progressivo e "priorizar" o uso de munição e armas não-letais.

De acordo com o texto, o uso de força é permitido para assegurar o funcionamento de serviços essenciais que tenham sido paralisados, liberar vias públicas, proteger ou desocupar locais de infraestrutura crítica e garantir a segurança de autoridades e comboios. Ou seja, o uso da força é autorizado para conter manifestações, apesar da recomendação ser para que isso seja feito apenas em último caso.

Alerta

A presidente Dilma estava em Portugal a caminho de Cuba no dia 25 de janeiro, quando um manifestante foi baleado pela PM em São Paulo após um protesto contra a realização da Copa do Mundo no Brasil que acabou em confronto entre "black blocs" e a polícia e muito vandalismo. Alertada por assessores próximos, determinou uma reunião com os ministros da Defesa, da Justiça, José Eduardo Cardozo, e do Esporte, Aldo Rebelo, para discutir o assunto.

Na semana passada, Andrei Rodrigues, titular da Secretaria Extraordinaria de Grandes Eventos do Ministério da Justiça, iniciou uma série de viagens às 12 cidades-sede da Copa para reunir-se com os secretários de segurança pública locais e tentar alinhar a atuação das PMs em todos os estados com as Forcas Armadas durante o evento.

O governo federal tenta garantir que não haverá excessos contra manifestantes com receio da repercussão que isso possa ter nas eleições de outubro. Em junho de 2013, quando as principais capitais do país foram tomadas por grandes protestos durante a Copa das Confederações, a presidente Dilma Rousseff perdeu mais da metade da popularidade que tinha, conforme indicou o DataFolha. A avaliação do Palácio do Planalto é que os governadores, mesmo os da oposição, também sofreram grande desgaste e evitar a escalada a violência durante protestos é do interesse de todos os governantes.

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