Hora da febre que faz a escalação do álbum valer mais que a do campo
Carolina Juliano
Do UOL, em São Paulo
O analista de sistemas Marcelo Vendas Urban tem 39 anos e, há nove, resolveu colecionar um álbum de figurinhas do Campeonato Brasileiro que veio encartado num jornal. Como já se achava "passado da idade" e não encontrou pares para trocar cromos repetidos, inventou um "facilitador" por meio de trocas pela internet. A ideia deu certo, hoje o site está em sua terceira versão e com uma comunidade de quase 80 mil colecionadores.
O movimento no site (http://www.trocafigurinhas.com/) aumenta 1000% na época da Copa do Mundo. "Normalmente se cadastram cerca de 20 a 30 novos participantes por dia. Nessa época de Copa são 200 a 300 novos participantes", diz Urban. "Por mim teríamos Copa todos os anos. Com certeza é o álbum com mais procura, seguido pelos do Campeonato Brasileiro de Futebol." Até hoje os participantes já cadastraram mais de 10 milhões de figurinhas em mais de 1500 álbuns de várias editoras e já fizeram mais de 2,5 milhões de trocas.
É mesmo como uma espécie de febre. Com as primeiras notícias sobre o lançamento do álbum de figurinhas da Copa do Mundo, esses enfermos começam a se movimentar, a se organizar e roer as unhas de ansiedade pela chegada às bancas da publicação. O deste ano deve ser lançado no início de abril, e a editora responsável diz ter investido R$ 2,5 milhões na fábrica para suprir a enorme demanda pelos jogadores de papel. Nesta quinta-feira (23) a editora divulgou a primeira imagem da capa do novo álbum.
"Temos muitas estratégias, eu busco manter uma boa rede de contatos para a troca e não compro muitas figurinhas de uma vez em um único local para evitar muitas repetidas", diz o analista de desenvolvimento de negócios Bruno Yamamoto, de 25 anos. "Há uma lenda de que as bancas recebem de uma vez o mesmo lote com figurinhas semelhantes." Ele diz que vai colecionar as figurinhas deste ano para "manter a tradição" e que já tem completos os álbuns das copas de 2002, 2006 e 2010.
Antes da troca, porém, faz parte da estratégia de Yamamoto comprar cromos semanalmente, ele não sabe precisar, mas garante que são "muitos no início". "Depois de um tempo busco evoluir mais na base da troca, já cheguei a andar quilômetros de metrô para trocar algum cromo bem longe da minha casa."
O estudante Alberto Souza, 24 Anos, de Maceió, é ainda mais profissional nessa arte de colecionar. "Desde 2010 tenho um grupo de 3 amigos e antecipadamente vamos a uma banca de revistas e encomendamos uma caixa fechada de figurinhas", conta. Essa caixa contém 1000 pacotes, ou seja, 5.000 cromos. Os amigos conseguem completar 2 ou 3 álbuns de uma vez. Com o restante das figurinhas, Souza faz caridade. "Em 2010 juntamos os cromos que sobraram, compramos alguns álbuns e distribuímos em uma comunidade carente, o que planejamos repetir esse ano. "
Lanche por figurinhas
A paixão de Souza já vem de anos, ele conta que quando estava na escola primária usava o dinheiro do lanche para comprar cromos. "Tinha uma banca próxima ao colégio, mas eu não tinha autorização para sair no horário do intervalo nem na saída sem ser acompanhado por meus pais", conta. "Então eu fiz amizade com um funcionário da escola e todo dia eu pegava o dinheiro que meus pais me davam para o lanche e pedia para que ele fosse na banca comprar um cafezinho para ele e o restante de figurinhas para mim."
Flávio Brossi, assistente administrativo de 35 anos vive em Piracicaba, interior de São Paulo, e começou a colecionar figurinhas que vinham junto com um chiclete, em 1986. "Na época conseguimos todas as figurinhas, mas não o álbum. Minha preferência é pelos álbuns da Copa do Mundo porque é bem democrático e todo mundo coleciona, homens, mulheres, jovens, crianças, idosos", conta. "Tenho completos e bem guardados comigo os da Copa de 2006 e 2010, mas colecionei de todas as Copas que assisiti, 90, 94 e 98 também".
Brossi tem também uma coleção completa do álbum do seu time de coração, o São Paulo. "Só que as figurinhas não estão coladas no álbum porque acredito que isso no futuro vai ser uma relíquia." Ele diz estar ansioso pela chegada do álbum da Copa 2014, que pretende completar, no mínimo, dois. A principal estratégia para conseguir é a mesma dos outros, a troca. "Em Piracicaba, nos fim de semana, tem pontos de troca onde o pessoal se encontra para trocar ou até vender. Quando a figurinha está muito difícil (os escudos das seleções, geralmente) a gente costuma dar até 10 cromos ou mais por eles. Eu trabalho em uma escola e costumo trocar também com os alunos."
Troca virtual e encontros
Para facilitar a vida dos colecionadores, o consultor de marketing digital Gustavo Passi criou, em dezembro passado, um grupo no Facebook (https://www.facebook.com/groups/632692543444280/) para reunir e antecipar a organização dos doentes por figurinhas. "O grupo é para trocar cromos somente de Copas, até agora o registro mais velho de solicitação de troca é de figurinhas da copa de 2006", explica. "Planejamos, por meio dele, organizar encontros presenciais em um bar de São Paulo (o Tche Café, na Zona Sul), na última Copa nos reunimos em shoppings, estações de metrô e no Masp para encontros rápidos, era só chegar com o bolo e voltar com as faltantes."
Passi coleciona figurinhas desde os 7 anos. "Quando peguei o álbum da Copa de 1994, a figurinha do Romário se tornou uma raridade na época e por falta de sorte não consegui completá-lo, faltaram 4 figurinhas. O último álbum da Copa eu completei, foi até rápido, eu peguei leve no ritmo para ter graça, pois os encontros ajudam muito a completar." O colecionador diz que não consegue estimar quanto gastou para completar o álbum, mas que as figurinhas que sobraram conseguiu vender e recuperar o valor investido.
Dizem que o bom colecionador de figurinhas não vai com tanta sede ao pote e estipula uma rotina de compra de cromos para levar tempo para completar o álbum e, assim, saborear melhor a brincadeira. "Eu tenho uma rotina de comprar 20 a 30 pacotes por sábado e ir colando no decorrer da semana, o álbum pode levar até um mês se você quiser curtir", diz Passi. "Os encontros de troca ajudam muito, mas com eles a brincadeira acaba logo."
Até o dia 23 de janeiro, o grupo tinha 100 membros, mas o organizador espera juntar 5 mil participantes. Na última Copa, ele diz que em poucos dias juntou 10 mil em um grupo criado no Orkut. "Este ano tem um gosto a mais por conta de ser no Brasil e ter figurinhas do novo Maracanã, do novo Estádio do Corinthias", diz. "Mas é sempre prazeiroso "testar a sorte" nos pacotes e no desenrolar para conseguir os dos números faltantes. Existe também o carinho em colar todas as figurinhas milimetricamente iguais, conhecer os jogadores, os estádios..."