Dez argentinos compram ônibus para dar 'rolezinho' no Brasil durante a Copa
Carolina Juliano
Do UOL, em São Paulo
Quando, aos 84 anos, a senhora Emília do filme Família Rodante (2003) resolve partir com toda a família em um motorhome adaptado em cima de um velho Chevrolet Viking 56, cruzando a Argentina para voltar à sua cidade natal, parece uma completa loucura daquelas que só vemos em filme. Logo o road movie de Pablo Trapero deixa bem claro que de desbravador e louco, todo argentino tem um pouco.
E se no objetivo final de uma viagem como a do filme não estivesse o retorno à cidade natal, mas sim a Copa do Mundo Brasil 2014? Imaginem só essa loucura potencializada pelo fanatismo argentino pelo futebol, com uma pitada de rivalidade com o Brasil. Aí, a loucura do argentino transcende, ultrapassa, vira real e se materializa.
Em vez de um Chevrolet Viking 56, um ônibus Mercedes Benz 1417, ano 1998, carroceria Metalpar. A bordo dele, Santiago, Andres, Guido, Román, Joel, Juan, e quatro Nicolas. Dez amigos que têm entre 23 e 27 anos e que em uma roda de conversa no ano passado tiveram a "ideia louca" de raspar as economias que já tinham (devidamente destinadas ao Mundial) e comprar um ônibus para viver a Copa do Mundo no Brasil.
"Todos nós já estávamos juntando dinheiro para a Copa, sem saber como conseguiríamos ir. O certo é que iríamos, só não estava claro como", conta Román Richter, 25 anos. "Quando tivemos essa ideia louca, juntamos nossas economias e conseguimos comprar o ônibus em três parcelas. O valor total foi de aproximadamente 60 mil pesos (R$ 21 mil reais)."
Os jovens vivem em Escobar, província de Buenos Aires, a cerca de 50 Km da Capital Federal. São estudantes, recém formados e alguns comerciantes, compraram o ônibus no ano passado e desde então têm investido mensalmente para deixá-lo capaz de rodar milhares de quilômetros até as cidades onde a Argentina jogará partidas do Mundial. "Todos participaram da compra e todos dão dinheiro todos os meses para os reparos, o ônibus é de todos e decidimos isso para que as responsabilidades sejam igualmente divididas", conta Román.
Ônibus e hotel
O Mercedes Benz 1417 já foi visto por vários mecânicos especializados que garantem que ele aguenta chegar ao Brasil e não deixar os aventureiros na mão. Desde a compra, os jovens já arrumaram as partes elétricas do painel, trocaram todo o piso, fizeram reparos no motor e o próximo passo é trocar todos os pneus. Mas além dos reparos mecânicos, estão sendo feitos também alguns ajustes para deixar o interior do veículo mais cômodo porque, além de ser o meio de transporte dos garotos, ele será também o hotel deles durante a Copa. "Vamos dormir no ônibus, ele será a nossa casa."
A ideia do grupo de amigos é partir com o ônibus na sexta-feira após o início da Copa. A partida de abertura entre Brasil x Croácia, em São Paulo, será dia 12 de junho, quinta-feira, portanto a partida do ônibus está prevista para 13 de junho. O primeiro destino será Belo Horizonte, onde a Argentina faz seu segundo jogo contra o Irã, no dia 21/06. "Não vamos poder sair antes porque muitos de nós não conseguiram férias antes desta data", conta Juan Ranne. "Lamentavelmente não poderemos estar na partida inaugural de nossa seleção", lamenta Andres Mucilli.
"Nós pulamos a partida do Rio de Janeiro (do dia 15, contra a Bósnia) porque pensamos que não conseguiríamos chegar a tempo", completa Román. "Por enquanto somos apenas dois motoristas no grupo, mas queremos que pelo menos a metade dos viajantes possa conduzir até a data de partida para render melhor a viagem".
Sem ingressos
Até o momento nenhum dos dez amigos conseguiu ingressos para entrar nos jogos da Copa. Román trabalha no escritório da rede McDonald's para a América Latina, e como a empresa é um dos parocinadores oficiais da Copa, os funcionários têm a possibilidade de comprar entradas entrando em um pool de empregados. "Fiz as reservas e este mês tem que sair o resultado para ver se consegui ou não. Mas se não tivermos entradas nós vamos do mesmo jeito porque queremos viver o Mundial por dentro."
Os ingressos vão definir a permanência do grupo no Brasil. A ideia inicial é ficarem 3 semanas, mas se não conseguirem entradas para os jogos devem ficar somente durante a fase de grupos e voltar. Claro que isso tudo pode mudar, dependendo do desempenho da seleção argentina na competição e da euforia dos torcedores.
Inveja e loucura
O ônibus deve ficar pronto no fim de maio, muito perto da data da partida e até lá os meninos esperam batizá-lo e, se sobrar dinheiro, pintá-lo com o nome. Por enquanto ele vem sendo chamado de Tiburón Blanco (Tubarão Branco), já foi definido também carinhosamente como el bondi mundialista de los pibes (o ônibus mundialista dos garotos). Os tripulantes ainda estão buscando patrocínios que possam dar algum auxílio de custo na longa jornada e também para a plotagem do ônibus com o nome escolhido, o que é bastante caro.
A aventura deverá ser narrada em alguma rede social. O grupo já tem um twitter oficial pelo qual está contando a aventura da compra do ônibus (@pibesdelbondi) mas, além disso, haverá duas câmeras filmando 24 horas tudo que irá se passar na viagem dos torcedores rodantes. "Estamos muito entusiasmados. Nossos amigos não acreditaram quando concretizamos a compra e o sonho, muitos estão nos invejando insanamente. Nossos pais dizem que nós estamos loucos", conclui Román.