Moradores reclamam de remoção de favela perto do Maracanã a meses da Copa

Taís Vilela e Vinicius Konchinski

Do UOL, no Rio de Janeiro

De algumas das casas remanescentes da favela Metrô-Mangueira, na zona norte do Rio de Janeiro, ainda se tem uma vista privilegiada da fachada do estádio do Maracanã. Ainda. Porque, no que depender da Prefeitura da capital fluminense, em breve já não haverá mais casa nenhuma naquela comunidade, nem vista do estádio.

Localizada a cerca de 700 metros da arena da final da Copa do Mundo de 2014, a favela Metrô-Mangueira está em processo de extinção. A maior parte de suas casas, que chegaram a abrigar mais de 600 famílias, já foi demolida pela administração municipal. As que ainda seguem de pé devem ser derrubadas dentro de um ou dois meses.

Segundo a Prefeitura, a remoção da comunidade vai abrir espaço para o Polo Automotivo da Mangueira, um centro comercial que vai reunir lojas de autopeças e borracharias que já funcionam na região. É justamente para a construção do polo que moradores estão sendo retirados de suas casas e transferidos para outras habitações.

No entanto, de acordo com o Comitê Popular da Copa e Olimpíada do Rio e quem ainda vive na favela, o motivo da remoção é outro: o Mundial de 2014, que começa daqui a 147 dias. "Aqui, tem fácil acesso para o Maracanã. O governo quer deixar tudo bonito para a Copa", explicou Elaine Vita Paulino da Silva, 29 anos, moradora da Metrô-Mangueira. "Acontece que o Rio não é só isso que eles [os políticos] querem mostrar. Aqui também tem gente sofrendo, precisando de uma casa", completou.

Elaine vive na favela com seus três filhos: um garoto de 14 anos, uma menina de 12 e a caçula, que tem cinco. A casa onde ela mora tem um banheiro, que não tem água, e dois cômodos: sala-cozinha e quarto.

A habitação foi construída em cima de uma borracharia, que dá de frente para a Avenida Radial Oeste, uma das principais vias de acesso ao Maracanã. O imóvel fica ao lado de um terreno cheio de entulho de uma casa recém-demolida pela Prefeitura.

"Na terça-feira passada [dia 7], eu saí para passear com as crianças. Quando eu voltei, vi que tinham demolido parte da minha varanda", contou Elaine. "Agora, não posso nem mais sair para vender alguma coisa. Dá medo."

Remoção e reocupação

Elaine mora na Metrô-Mangueira há um ano. Ocupou a casa em que vive hoje depois de perder o emprego e o dinheiro para o pagamento do aluguel. "Um dia, passei aqui, não vi ninguém na casa e entrei", contou ela.

A casa em que ela mora já foi de outra família. Quando a remoção da favela começou, ainda em 2010, os antigos moradores foram cadastrados pela Prefeitura, receberam um novo apartamento e só então mudaram-se. A casa ficou. Elaine entrou.

Também foi assim com Márcio José dos Santos, 30 anos, conhecido na Metrô-Mangueira como Pará. Vendedor ambulante, ele não tinha onde morar. Encontrou uma casa vazia na favela e ocupou. Agora, não quer sair.  "Não tenho para onde ir", justifica. "A prefeitura quer tirar todo mundo por causa da Copa do Mundo. Dizem que vão fazer um estacionamento aqui. Deve ser para eles ganharem mais dinheiro."

Para Carlos Alexandre dos Santos, o Paulista, relações públicas da associação dos moradores da Metrô-Mangueira, o fato de a prefeitura ter permitido a reocupação dos imóveis já interditados na favela complicou todo o processo de remoção. Ele diz que há pessoas que não moravam ali ocupando casas que haviam sido interditadas há dois anos. Hoje, parte desses novos moradores não tem outra alternativa de moradia. Por isso, negam-se a deixar os imóveis.

A Secretaria Municipal de Habitação do Rio de Janeiro já identificou essa situação. O órgão informou por meio de sua assessoria de imprensa que vai procurar todas as famílias que ainda vivem na favela para saber quem é morador antigo e quem chegou lá depois da interdição das casas. Os antigos moradores serão levados para apartamentos construídos pelo programa Minha Casa, Minha Vida. Para os novos, a alternativa até agora é o abrigo público.

A secretaria estima que o cadastro de todas as famílias seja concluído em um ou dois meses. Depois disso, as últimas casas da favela serão mesmo demolidas. Não por causa da Copa do Mundo, mas pelo Polo Automotivo.

Ainda segundo o órgão, o polo vai incentivar a geração de trabalho e renda na região da favela. Junto com a obra, serão construídas ciclovias e um parque linear ao lado da linha de trem que passa perto das casas que estão sendo demolidas.

Outras remoções

O caso da favela Metrô-Mangueira já foi incluído no dossiê Megaeventos e Violações dos Direitos Humanos no Rio de Janeiro, produzido pelo Comitê Popular da Copa e Olimpíada. O documento, divulgado no ano passado, informa que mais 8 mil famílias já foram ou podem ser removidas de suas casas na capital fluminense por causa de projetos relacionados ao Mundial da Fifa ou ao Rio 2016.

De acordo com o dossiê, a Metrô-Mangueira daria lugar a um estacionamento que serviria ao Maracanã. A Prefeitura nega.

Segundo a administração municipal, a única comunidade carioca que deve atingida por remoções ligadas à Copa ou à Olimpíada é a Vila Autódromo. O bairro fica ao lado do terreno em que está sendo construído o Parque Olímpico da Rio-2016. Moradores já elaboraram um projeto para evitar que suas casas sejam demolidas. 

O Plano Popular da Vila Autódromo recebeu no ano passado um prêmio internacional de urbanismo, o Deutsche Bank Urban Age. Segundo a Prefeitura, negociações com moradores ainda estão em curso, mas algumas remoções devem mesmo ser necessárias.

PLANO POPULAR CONTRA REMOÇÃO POR OBRA DA RIO-2016 GANHA PRÊMIO

  • Júlio César Guimarães/UOL

    Moradores da Vila Autódromo, no Rio de Janeiro, receberam no início do mês um prêmio internacional de urbanismo por causa do plano que eles mesmos elaboraram para evitar a extinção do bairro devido às obras para a Olimpíada de 2016. Em meio a 170 projetos concorrentes, jurados do Deutsche Bank Urban Age Award viram no chamado Plano Popular feito para a região por próprios seus habitantes um exemplo de ação para melhoria das condições de vida numa comunidade.

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