"Padrão Fifa" ameaça liberdade a palavrões em estádios brasileiros

Guilherme Costa

Do UOL, em São Paulo

Se você frequenta estádios de futebol, é melhor pensar em um jeito mais criativo de reclamar com juízes e adversários. Um dos alvos do "padrão Fifa" das novas arenas do Brasil é a linguagem. Nesses equipamentos, os palavrões estão com os dias contados.

Antes da Copa das Confederações deste ano, realizada no Brasil, a Fifa divulgou um manual de conduta para os estádios da competição. A lista tinha 50 normas, e os vetos incluíam gritos e palavrões.

Durante o evento, ao menos três pessoas relataram ao UOL Esporte que foram repreendidas por orientadores e por outros espectadores por causa da linguagem nos estádios. Em todos os casos, o argumento que esses torcedores ouviram é que "havia famílias presentes".

"A paixão exacerba e acentua tudo, levando o indivíduo a ter reações que não tem normalmente. O ambiente favorece também por ser mais permissivo. Ele acaba extravasando vários problemas, como se fosse uma catarse coletiva. É um padrão até civilizacional das grandes festas, como o futebol e o Carnaval. Mas se eu ultrapassar e transgredir a lei, ferir o limite da liberdade ou confundir adversário com inimigo, aí é outra coisa", explicou Mauricio Murad, professor titular do mestrado de sociologia do esporte na instituição de ensino Universo (Universidade Salgado Oliveira).

O psicólogo Florival Scheroki também cita a importância do ambiente para determinar os limites da linguagem: "Basicamente, os palavrões são formas de expressão que você aprende culturalmente. A importância que eles têm é expressar uma emoção. Muitas vezes, essas pessoas não usariam esse comportamento em outro contexto. O cara que é executivo tem problemas no trabalho, mas não pode reagir daquela maneira".

Scheroki, no entanto, não vê o futebol como forma de compensar a opressão que os torcedores passam em outros âmbitos. "Não acho que você leve para um campo de futebol as mágoas anteriores e afogue tudo ali. Acho que a emoção tem mais a ver com aquele contexto, mesmo", avaliou o psicólogo da USP (Universidade de São Paulo).

As regras de conduta em estádios não são exclusividade da Fifa. Na MLS, a liga profissional de futebol dos Estados Unidos, o New York Red Bulls ofereceu US$ 500 por jogo para o público que ficar sem falar palavrões.

A medida do time de Nova York é uma reação a um movimento crescente na MLS, conhecido pela sigla YSA ("You suck asshole"). Basicamente, a ideia é gritar essas três palavras antes dos goleiros cobrarem tiros de meta, cópia de um movimento muito tradicional nos estádios mexicanos.

Em e-mail para os torcedores, a diretoria do New York Red Bulls mostrou preocupação com essa onda. A mensagem apresenta a oferta financeira, que é válida apenas para grupos de adeptos.

"Não sei se a cultura brasileira conseguiria erradicar os palavrões. Por que as pessoas deixariam uma forma de expressão adquirida? Será que eles venderiam isso? Eu não acredito", comparou Scheroki.

Regras de comportamento em estádios de futebol, aliás, são comuns nos Estados Unidos. Existem até alguns casos extremos, como o do Los Angeles Dodgers. Na arena da equipe de beisebol, pessoas são proibidas de entrar descalças ou de chinelo.

O San Francisco 49ers (futebol americano) também tem normas de conduta para o estádio. Nos jogos da franquia, torcedores não podem beber de forma irresponsável ou usar roupas ofensivas.

Na Itália, o Milan estipula limites para evitar que torcedores façam propaganda, por exemplo. Na maioria dos casos, porém, o maior foco das regras de conduta em estádios é o comportamento preconceituoso.

"Essa é uma coisa interessante: civilizar os estádios passa pela volta da família. Quando um cara tem um comportamento exagerado ou exibicionista, a família reclama. A reeducação do público passa pelo próprio público. Você não muda a cultura de cima para baixo, mas de baixo para cima", explicou Murad.

As medidas relacionadas a padrões de conduta em estádios geram duas preocupações em Murad: a criação de um modelo de comportamento e o foco. No primeiro caso, o problema é a organização dos eventos considerar que todo o público tem reações similares.

"O padrão, por princípio, de forma única e monolítica, não pode existir. Futebol é a maior paixão popular brasileira, e por isso leva ao estádio variados segmentos sociais. Você não pode chegar com uma camisa de força e determinar que o padrão é esse", ponderou o sociólogo.

Quanto ao foco, o que preocupa Murad é a preocupação excessiva com a parte interna dos estádios: "O maior problema está do lado de fora. Estamos trocando medidas essenciais, como o controle do público e a segurança pública, por paliativos factuais". E, se as determinações da Fifa virarem regra geral, ninguém vai poder xingar por isso.

Veja também



Shopping UOL

UOL Cursos Online

Todos os cursos