Greves só atingem obras de arenas da Copa onde prejuízo por atraso é pago pelo Estado
Vinícius Segalla
Do UOL, em São Paulo
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CELSO PUPO/FOTOARENA/AE
Reforma do Maracanã é a campeã em greves; 24 dias parados e denúncia até de comida estragada
As greves que já paralisaram por cem dias os trabalhos nos estádios que estão sendo construídos para a Copa do Mundo de 2014 aconteceram apenas em arenas que pertencem ao poder público. Dos noves estádios públicos da Copa, oito já enfrentaram greves. Já nas três arenas privadas (Beira-Rio (RS), Arena da Baixada (PR) e Itaquerão (SP)), não houve paralisações até agora.
AS GREVES NOS ESTÁDIOS DA COPA
Estádio | Dias parados | Construtoras responsáveis |
Arena Amazonas/AM | 1 | Andrade Gutierrez |
Arena das Dunas/RN | 13 | OAS |
Arena Fonte Nova/BA | 9 | Odebrecht e OAS |
Arena Pernambuco/PE | 17 | Odebrecht |
Castelão/CE | 16 | Consórcio Galvão, Serveng e BWA |
Estádio Nacional/DF | 10 | Andrade Gutierrez e Via Engenharia |
Maracanã/RJ | 24 | Odebrecht e Andrade Gutierrez |
Mineirão/MG | 10 | Construcap, Egesa e Hap |
Total | 100 |
Quando uma greve acontece, o cronograma da obra é afetado. No caso dos estádios da Copa, a questão é mais delicada porque há um prazo definido para a conclusão das empreitadas. Se o atraso é grande demais, é preciso acelerar os trabalhos para garantir o cumprimento do cronograma.
"Quanto mais greves enfrenta uma obra, maior é o risco de se tornar necessária a criação de turnos extras ou a contratação de mais trabalhadores, o que, obviamente, encarece o projeto", explica o engenheiro civil Marcelo Tessler, especialista em gestão de obras.
Em uma obra pública, a empreiteira responsável assina um contrato com o governo, após ter sido vencedora em uma licitação. O contrato tem custo e prazo definido. Se, para cumpri-lo, é preciso pagar mais horas extras ou contratar mais trabalhadores porque o cronograma foi afetado por greves, assina-se um aditivo, alterando o custo total. Assim, a obra fica mais cara, e quem paga é o poder público.
As obras públicas
Um exemplo desta situação ocorre na Arena Pernambuco, que está sendo erguida pela empreiteira Odebrecht na Grande Recife, com dinheiro do governo estadual. Lá, os operários já cruzaram os braços por 17 dias, alegando motivos variados, desde demissão de trabalhadores membros da CIPA (Comissão Interna para Prevenção de Acidentes), passando por falta de pagamento de horas-extras, até assédio moral supostamente cometido por um segurança.
GREVE E PROTESTO EM PERNAMBUCO
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Na Arena Pernambuco, a Odebrecht já demitiu mais de 300 operários, dois deles membros da Cipa (Comissão Interna para Prevenção de Acidentes), o que resultou em greve. Trabalhadores do estádio já ficaram 17 dias parados. Atrasos na obra vão causar um custo extra de cerca de R$ 14 milhões ao governo do Estado. LEIA MAIS
Em janeiro deste ano, quando a obra passava por sua terceira das quatro paralisações que já enfrentou, Marcos Lessa, presidente da empresa montada pela Odebrecht para tocar a empreitada, declarou: "A greve afeta bastante o cronograma. Nós temos um prazo apertadíssimo. Isso realmente pode prejudicar o andamento para a Copa das Confederações (junho de 2013)".
Três meses depois, assumindo que a obra, do jeito que está indo, não ficará pronta antes de julho de 2013, o secretário estadual de Pernambuco para a Copa, Ricardo Leitão, anunciou que vai haver a contratação de mais 2.000 funcionários, para que o estádio seja entregue em fevereiro de 2013, a tempo de ser utilizado na Copa das Confederações.
Já no Maracanã, onde o governo do Rio de Janeiro começou anunciando que iria gastar R$ 705 milhões com a reforma e atualmente fala em R$ 859 milhões, já se acumulam 24 dias de greve e quatro termos aditivos ao contrato. Odebrecht, Andrade Gutierrez e Delta são as empreiteiras que venceram a licitação para a obra.
Em maio do ano passado, um segundo turno de trabalho foi criado para que a obra, inicialmente prevista para ser entregue em dezembro de 2012, possa ser entregue pelo menos até fevereiro de 2013, ainda a tempo de ser usada na Copa das Confederações.
Lá, os trabalhadores já cruzaram os braços por aumento de salário, porque alegaram que estava sendo servida comida de baixa qualidade aos peões e até por mais segurança, quando, em agosto do ano passado, um latão metálico explodiu no canteiro e projetou um operário por dois metros.
Em outra obra tocada pela Andrade Gutierrez, o Estádio Nacional de Brasília, os peões já pararam por dez dias, com reivindicações como aumento do valor pago pelas metas de produtividade e horas extras, oferta de plano de saúde, cesta básica, auxílio-refeição e melhores condições de trabalho.
O governo do Distrito Federal, que banca a arena que tem capacidade para 71 mil pessoas, começou dizendo que gastaria R$ 671 milhões. Hoje em dia, fala em R$ 800 milhões, embora esta cifra possa ultrapassar R$ 1 bilhão. Para entregar a obra na data prometida, dezembro de 2012, as autoridades distritais anunciaram, em maio do ano passado, a criação de um turno noturno de trabalho, oficializado pelo devido termo aditivo, um dos 11 que a empreitada já coleciona.
As obras privadas
Na construção do estádio do Corinthians, em São Paulo, a Odebrecht ainda não enfrentou nenhuma paralisação. Lá, apesar dos empréstimos estatais e das isenções fiscais concedidas, quem tem que arcar com os eventuais custos gerados por atrasos são a empreiteira e o clube alvinegro. Enquanto o menor salário pago pela Odebrecht aos operários da Arena Pernambuco é de R$ 876, o piso salarial no Itaquerão, um dos mais altos do país, é de R$ 968 e chega a R$ 1.150, incluindo hora extra.
FUTEBOL E FESTA NO ITAQUERÃO
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Na obra privada do estádio do Corinthians, em São Paulo, os operários disputarão, a partir do próximo dia 20, o "Brasileirinho", torneio que contará com cobertura da imprensa, árbitro profissional e 40 times brigando pelo troféu, que será entregue em uma festa no fim do ano. LEIA MAIS
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Já no dia 21 de dezembro do ano passado, a Odebrecht realizou uma festa de fim de ano para os operários do Itaquerão. O então presidente do Corinthians, Andrés Sanchez, esteve presente e autografou camisas do clube. Mil camisetas oficiais do Corinthians foram distribuidas aos trabalhadores da obra
Por lá, ninguém reclama de maus tratos ou comida estragada. Pelo contrário. Na próxima segunda-feira, os operários envolvidos na construção da arena participarão de um "Ato Público pelo Trabalho Seguro na Construção Civil".
Ao chegarem para o trabalho, os trabalhadores receberão kits contendo cartilhas sobre prevenção de acidentes, além de brindes promocionais doados pelas empresas e entidades sindicais parceiras do programa.
Depois, personalidades do mundo esportivo como Ronaldo Nazário e Roberto Rivellino darão palestras sobre trabalho seguro. Em seguida, haverá sorteio de vários brindes para os trabalhadores, como 20 camisas autografadas e oficiais do Corinthians.
Já no último dia 1º de maio, conforme relata o site do Corinthians, os trabalhadores ganharam um "mega churrasco" e um dia de festa: "A programação da festa começou às 09h15, com uma cerimônia oficial. Depois, houve shows de duplas sertanejas, sorteio de presentes e entrega de medalhas a quem tem mais tempo de trabalho na Odebrecht.
Esta é certamente uma realidade muito diferente da que vivem os operários da Arena Amazônia, em Manaus (AM). Por lá, onde a Andrade Gutierrez é acusada de superfaturar a obra paga pelo governo do Amazonas, operários dizem sofrer assédio moral no canteiro de obras. Há denúncias de maus-tratos e de situações de constrangimento, que geraram uma paralisação de um dia como forma de protesto.
O Ministério Público do Trabalho investiga o caso. Segundo o procurador Jorsinei Dourado, as denúncias foram feitas por dezenas de trabalhadores, cujas identidades são mantidas em sigilo para evitar que fiquem expostos a demissões. Em nota, a Andrade Gutierrez afirmou que "qualquer menção a maus-tratos e falta de segurança é totalmente infundada, uma vez que a empresa se pauta pelo respeito à dignidade do trabalhador".
Nada disso acontece na reforma do Beira-Rio (RS), obra privada tocada pela mesma empreiteira, em Porto Alegre. Lá, não há notícia de reclamações por maus tratos ou reivindicação por melhores salários ou condições de salários. Pelo contrário. Os cerca de 140 trabalhadores que ficaram 270 dias parados em virtude do impasse na assinatura do contrato entre empreiteira e o Internacional, dono do estádio, mostram-se satisfeitos por trabalharem assistindo aos treinos do Colorado.