Isenção a Itaquerão deve levar Kassab à Justiça por falta de contrapartida social
Roberto Pereira de Souza
Do UOL, em São Paulo
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Coutinho Diegues Cordeiro / DDG
Maquete digital da arena do Corinthians
O Ministério Público de São Paulo está apertando o cerco à isenção tributária oferecida pelo prefeito Gilberto Kassab em benefício da construção do Itaquerão. O mandatário pode ser processado por improbidade administrativa por promover prejuízos financeiros aos cofres da cidade ao conceder isenção tributária sem receber garantias de contrapartida social.
A Prefeitura de SP concedeu isenção total do imposto sobre serviço (ISS) que incidiria no valor final da construção do estádio, estimado em R$ 820 milhões. Pela isenção, pelo menos R$ 42 milhões deixarão de entrar nos cofres da Prefeitura, pela alíquota de 5%. A isenção pode passar desse patamar porque a obra talvez custe mais que os R$ 820 milhões anunciados pela Odebrecht: a construtora já pagou cerca de R$ 24 milhões com apólices de seguro total do empreendimento.
"Isso é ilegal", dispara o promotor Marcelo Milani, que analisa as razões que levaram o prefeito a renunciar a uma arrecadação de R$ 42 milhões. "Esse valor irá beneficiar uma construtora, um clube de futebol, em troca de quê? O que cidade vai ganhar em contrapartida dessa isenção de ISS?".
Somando-se a isenção tributária contida nos títulos de incentivo a investimento (CIDs de R$ 420 milhões), que serão emitidos pela Prefeitura e assinados por Kassab, a renúncia fiscal municipal pode chegar a R$ 462 milhões, mais da metade do custo de engenharia previsto para o Itaquerão. O promotor Milani está fazendo comparações orçamentárias para justificar uma pressão jurídica sobre a Prefeitura.
"Uma ação civil pública por improbidade administrativa é o instrumento a ser usado pelo MPE em casos como esse", garantiu um especialista em ações tributárias ao UOL Esporte.
Se recebesse R$ 42 milhões, a prefeitura poderia construir até 40 creches em Itaquera, uma das regiões mais carentes da cidade, a um custo aproximado de R$ 1 milhão por unidade para abrigar até 100 crianças em cada uma.
"A lei tributária fixa normas para que isenções tributárias só sejam concedidas mediante oferta de vantagens para a cidade, estado ou governo federal. A Odebrecht não ofereceu nada para ter direito à isenção de R$ 42 milhões", reage o promotor Milani.
O Itaquerão está sendo construído sob a responsabilidade total da Odebrecht tanto no empréstimo de R$ 400 milhões junto ao BNDES, via Banco do Brasil (intermediário necessário), quanto na apresentação de garantias reais para o fechamento do contrato.
Por não ter ações na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), a construtora terá de oferecer 130 % de garantias, o que corresponde a R$ 530 milhões.
"Essas garantias são oferecidas ao BB, que avaliza a operação junto ao BNDES", confirmou um gerente do banco estatal. "Se houver inadimplência, o BNDES cobra a dívida do Banco do Brasil. O BB executará as garantias reais oferecidas pela construtora", explicou o gerente.
Todas essas informações estão sendo avaliadas pelo BNDES, no Rio de Janeiro. O empréstimo ao Itaquerão ainda não foi aprovado. Para ser dono do Itaquerão, o Corinthians terá de pagar cerca de R$ 60 milhões ao ano até 2027, depositando essa quantia no Fundo de Investimento Imobiliário, que controla a obra. Como a Odebrecht é a cotista principal do FII, responderá por tudo até a quitação dos financiamentos. A administração do FII será da corretora BRL Trust.
O MPE tem dúvidas se o clube poderá honrar com essas parcelas anuais, considerando que a receita bruta de bilheteria em 2011 ficou em R$ 27,2 milhões. A renda bruta com direitos de televisão foi de R$ 112 milhões. O que parece preocupar os promotores é o custo com a manutenção mensal de um estádio tão moderno.
O Itaquerão, que abrirá a Copa 2014, deve consumir mais de R$ 100 milhões ao ano, só com manutenção da estrutura, usando a mesma matemática dos gastos em construção. O dinheiro gasto com a manutenção de estádios usados durante a Copa chocou os sul-africanos, que sediaram o evento, em 2010. Um estudo propôs a demolição de um das principais arenas por problemas de falta de receita. Os sul-africanos construíram cinco arenas novas.
O pesadelo africano também causa insônia na Inglaterra. Os gestores londrinos estão perdendo o sono e não encontram uma saída para o Estádio Olímpico dos Jogos 2012, em Strattford. Nenhum clube de futebol aceitou o desafio de ocupar o empreendimento, um dia após as olimpíadas, e bancar a manutenção das instalações.