Jogadores do Brasil revelam tensão fora do normal, mas evitam falar em medo

Julio Gomes

Enviado especial da BBC Brasil a Belo Horizonte

Fim da prorrogação no jogo entre Brasil e Chile neste sábado. Enquanto os jogadores da seleção brasileira ouviam instruções de Luiz Felipe Scolari, o capitão Thiago Silva estava sentado em uma bola, afastado, olhos marejados. Júlio César chorou antes mesmo de ser o herói dos pênaltis contra o Chile.

Desabou depois, quando o nervosismo virou felicidade. O Brasil passou para as quartas de final, mas uma grande interrogação está na cabeça de muitos especialistas e torcedores: esse time está preparado emocionalmente para aguentar até o final da caminhada rumo ao hexa?

"É bom passar por essas tensões, te dá mais maturidade, mais experiência. O fato de jogar uma Copa e ser o país sede pode te levar a um período de tensão, mas eles estão maturando e dando uma resposta positiva a cada partida", disse à BBC Brasil o médico da seleção, José Luis Runco, em sua quinta Copa do Mundo.

"Eles não estão conseguindo resolver a questão emocional", analisou o jornalista Paulo Vinicius Coelho, um dos principais especialistas de futebol no país. "O Márcio Santos (zagueiro campeão na Copa de 94) falou algo perfeito. Ninguém quer ser o novo Barbosa (goleiro que levou a culpa pela derrota na final de 1950, disputada no Brasil). Está todo mundo com medo de ser vilão da perda do título em casa, e isso é muito grave."

Nos últimos dois Mundiais, o Brasil foi eliminado nas quartas de final - em 2006, pela França, e, em 2010, pela Holanda. A característica em comum dos times de Carlos Alberto Parreira e Dunga foi a praticamente ausência de reação quando aqueles jogos se transformaram e o Brasil se deparou com uma situação adversa.

Em 2010, o time perdeu o controle em campo antes mesmo de levar a virada contra a Holanda. O gol de empate foi suficiente para que muitos jogadores mostrassem que o lado emocional era o grande ponto fraco do grupo.

A seleção de Luiz Felipe Scolari é mais jovem do que as de 2006 e 2010, as duas de maior média de idade que o Brasil já teve em Mundiais. O grupo atual tem média 27,8 anos, puxada para baixo justamente pelos atletas que são a referência esportiva em campo: Neymar e Oscar têm apenas 22.

Medo?

Na Copa, a seleção mostrou que os nervos estão à flor da pele na estreia, quando saiu perdendo para a Croácia. E no sábado, no Mineirão, depois de levar o gol de empate contra o Chile.

"O homem tem medo, quer que as coisas saiam da melhor maneira possível. Não é diferente para o jogador de futebol. Com certeza nós sentimos medo, somos iguais às outras pessoas. Mas a gente tenta usar esse medo e passar por cima dele", falou o volante Fernandinho, que ganhou a posição de Paulinho no time titular.

Outros jogadores ouvidos pela BBC Brasil ficaram incomodados quando foi colocada a palavra "medo". Neymar, por exemplo, evocou uma frase até certo ponto batida no futebol: "Medo a gente não tem. O medo de perder tira a vontade ganhar", disse.

Mas alguns de seus companheiros admitiram que a descarga emocional antes, durante e depois dos pênaltis contra o Chile foi inédita em suas carreiras. "Nunca tinha passado por isso. Uma Copa do Mundo, nos pênaltis. Foi f…", disse o meia Oscar. "Eu nunca tinha passado por isso na minha vida, estamos emocionalmente mortos", disse o lateral Marcelo.

"Foi um dia em que sofri bastante emocionalmente, a dúvida do vai jogar, não vai. A gente tanto esperou um momento como esse para agora, por uma fisgada nas costas, não jogar? Então foi uma grande descarga emocional. Mas quando tem emoção, sofrimento e ganha, é bom", comentou o zagueiro David Luiz, que foi dúvida para a partida e bateu o primeiro pênalti da disputa. É dele o discurso mais forte. "Quem tem medo não vive", disse.

Controle dos nervos

O meia Willian, que havia entrado na prorrogação no lugar de Oscar, foi o segundo a cobrar na disputa de pênaltis. Errou, chutou para fora e chorou. Precisou ser levado de volta ao meio do campo por Luiz Gustavo e David Luiz.

"Me emocionei bastante. Não imaginaria a seleção de fora (da Copa) porque eu errei um pênalti. Mas medo a gente não sente, é o frio na barriga normal. Cada jogador tem seu jeito, tem uns que não conseguem dormir direito antes do jogo. Tem jogador que descansa, que fica pensando. Procuro ficar tranquilo, me concentrar bastante", contou Willian à BBC Brasil.

"Minha estratégia para estes momentos é pensar o mínimo possível em coisas que podem te prejudicar, tem que pensar em coisas positivas", revelou o volante Luiz Gustavo, que está suspenso e não enfrentará a Colômbia, sexta-feira, em Fortaleza.

"Ou você é corajoso ou você é medroso. Para enfrentar o medo de perder, é só ser corajoso", disse Hernanes, um dos cotados para substituir Luiz Gustavo. O mais provável é que jogue Ramires ou que Paulinho volte ao time.

Segundo especialistas, o excesso de tensão no esporte pode levar à perda de concentração e afetar na execução de movimentos. Os efeitos do "nervosismo" são diferentes, logicamente, de atleta para atleta.

O capitão Thiago Silva, por exemplo, admitiu que a tensão minou a confiança dele antes da disputa por pênaltis. O técnico Luiz Felipe Scolari queria colocá-lo como o sexto da lista de cobradores, mas ele pediu para ficar por último. Atrás, inclusive, do goleiro Júlio César.

"Pedi a Deus para que não chegasse a minha cobrança, porque dos últimos três que eu bati com o PSG, errei dois. Eu não estava confiante. Quando não está confiante, tem que ser homem suficiente para falar que não está bem para bater", falou Thiago Silva.

"Na roda antes dos pênaltis todo mundo falou um pouquinho, mas aí teve o Paulinho e você para e pensa. Pô, o cara estava jogando, era titular, saiu do time, está desmotivado. Nada. A palavra que ele deu foi impressionante, nos colocou para cima. Batendo no peito de cada um e falando 'tua família está aí, tua família está aí'. Me arrepio só de lembrar", prosseguiu o capitão.

Folga

A comissão técnica da seleção decidiu dar folga aos jogadores neste domingo como tática para "liberar a cabeça dos jogadores". Junto com os amigos e familiares, fora do "confinamento" na Granja Comary, em Teresópolis, eles deixariam um pouco de lado toda a tensão dos jogos e treinos.

Para Paulo Vinicius Coelho, no entanto, é provável que o filme se repita contra a Colômbia e os jogadores só sintam menos o medo da derrota caso cheguem à fase posterior, indo até o fim da Copa. "Se chegar na semifinal, aí mesmo que perca já não é vexame", concluiu.

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