Seleção se reaproxima da torcida com meio-termo entre 2006 e 2010
Fernando Duarte, Gustavo Franceschini e Ricardo Perrone
Do UOL, em Belo Horizonte
A seleção brasileira que joga uma Copa do Mundo em casa não teme vaias, não faz cara feia e nem tropeça no salto alto. A seleção brasileira que tenta o hexa tem atletas que não são de ferro, que se identificam com a camisa amarela e que choram em campo. Nem tão galáctica, nem tão robótica. Por encontrar um meio-termo entre a barriga cheia de 2006 e a fome exagerada de 2010, o time atual se destaca de seus antecessores e conquista, a cada passo, o carinho da torcida.
A diferença passa pelo quanto e por quê cada time se importa. O Brasil que foi à Alemanha, por exemplo, se interessava por pouca coisa, e a Copa e a torcida não estavam nessa lista enxuta. O da África do Sul dava tudo pela taça, mas sempre viu os fãs como um detalhe adjacente, nunca um fator primordial no caminho do sucesso. Em 2014, aparentemente, agradar ao público e ser campeão são objetivos que andam lado a lado, o que faz com que o time atual se diferencie de seus antecessores.
A geração de Neymar, David Luiz e Thiago Silva se distancia em quase tudo do fracasso de 2006, quando Carlos Alberto Parreira comandava uma seleção que prometia ser brilhante. Forjada a partir do penta de quatro anos antes, o time comandado em campo por Ronaldo e Ronaldinho Gaúcho não era tão próximo da torcida brasileira.
De 2006 até a Copa da Alemanha, a CBF viu o time campeão que tinha em mãos virar uma mina de ouro. Foi a camisa daquele Mundial que a entidade vendeu os direitos dos amistosos da seleção e passou a excursionar o globo terrestre. Dos 19 amistosos que fez no período, só dois foram no Brasil, e um deles só com atletas que atuavam no país.
O time também não ajudava. A concentração em Weggis, na Suíça, foi marcada por muito clima de festa, invasões de campo e exagero dos atletas. Logo no começo da preparação, jogadores que chegaram à concentração fora de forma foram flagrados em baladas locais. A sensação de que o grupo já não tinha mais ambição, somada à impressão de que a constelação de craques ganharia tudo a qualquer momento, criou a imagem de um elenco descompromissado.
O resultado é história. A seleção passou sem encantar pela primeira fase, superou Gana e caiu sem apelação diante da França. A imagem de Roberto Carlos ajeitando o meião no momento do gol de Henry e o beija-mãos do time brasileiro a Zidane no vestiário só acrescentaram pimenta ao tempero.
"Weggis foi o grande problema da nossa campanha em 2006. Durante duas semanas a gente treinou com a torcida gritando nos nossos ouvidos e tinha uma porção de câmeras o tempo todo no campo, transmissão ao vivo, essas coisas. A gente nunca teve a chance de trabalhar em paz, de conseguir ter algum tipo de tranquilidade para treinar e concentrar", disse Gilberto Silva no prefácio do livro "Shocking Brazil", que reconta alguns dos fracassos do Brasil em Copas do Mundo.
Quatro anos depois, tudo foi feito ao contrário. O discurso profissional e dedicado de Dunga tomou conta de uma seleção que se fechou em Copas, esteve focada como nunca e ainda assim foi distante do público. Vencedora, esforçada, merecedora… e quase robótica.
O time que perdeu para a Holanda em 2010 tinha o semblante sisudo, o discurso belicoso e vivia hermeticamente fechada. Na preparação para a Copa do Mundo, reclusão no CT do Caju, em Curitiba, e muita distância de qualquer torcida.
"O grupo de 2010 tinha gente com fome de ser campeão, porque a maioria não tinha passado pela experiência de 2002. Isso fez muito a diferença no foco. A gente não queria fugir de ninguém ou afastar o público da seleção. Era uma questão de ver o que importava mais para o time, para o bem da campanha. A imprensa pegou muito no pé do Dunga, mas fomos nós que optamos", disse Gilberto Silva.
Nada disso se aplica à geração atual. A distância física da torcida foi reduzida por motivos que são alheios aos jogadores, é bom que se diga. Sem eliminatórias e com uma Copa em casa pela frente, o time fez mais partidas no Brasil. Só que ele teve, na marra, de superar a desconfiança e as vaias do público para trazer as arquibancadas a seu favor.
Até a chegada de Felipão ao comando, havia um temor de que a Copa fosse marcada por protestos contra o time e uma dissociação total entre a seleção e o público. Depois de muito trabalho, o fracasso dos Jogos Olímpicos de 2012 deu lugar ao sucesso do ano passado, que mudou a trajetória da equipe.
"Isso se estabeleceu claramente na Copa das Confederações. A partir dali a seleção caiu de vez no gosto da torcida. Mesmo jogando mal agora não houve vaias, ela foi apoiada o tempo todo. Acho que ela é uma seleção simpática ao torcedor", disse Juca Kfouri, blogueiro do UOL Esporte que acompanhou de perto o Brasil nas últimas Copas.
Simpática e dedicada, a seleção de hoje adotou sem reclamar a clausura da Granja Comary e as cansativas viagens de ônibus a Teresópolis após cada partida. Para chegar na ponta dos cascos à Copa, jogadores como Thiago Silva pediram até tratamento especial em seus clubes, condicionando seus treinamentos ao Mundal.
Só que conseguiu, mesmo confinada, estabelecer uma conexão com o público. Ainda que Felipão tenha tentado isolar os treinos, jogadores como David Luiz, Neymar e Hulk superam qualquer barreira e se destacam pelo tratamento carinhoso a quem gasta seu tempo atrás da seleção.
O discurso é de quem ainda não ganhou, mas está sedento para fazê-lo, e em campo todos mostram isso. O choro, tão criticado pelos psicólogos esportivos, contraria a lógica de que o atleta de alto rendimento precisa estar focado e motivado no limite certo. A seleção brasileira desaba no choro em um minuto e, no outro, consegue uma vaga suada nos pênaltis fazendo exatamente aquilo que se espera dela.
Na comparação com suas antecessoras, encontra um meio-termo entre a alienação e o profissionalismo excessivo e se humaniza diante do público, que cada vez mais demonstra carinho por figuras como David Luiz. O zagueiro que cumpre seu papel em campo como uma estrela da Copa também é capaz de comemorar como quem faz o primeiro gol da vida e cumprimentar uma estrela rival após uma vitória dura.
Carisma é um fator relativo, é verdade, mas é difícil argumentar contra David Luiz em uma comparação com o rosto fechado e a fala dura de Lúcio, por mais que o capitão de 2010 inspire sucesso e dedicação.