Arena da Amazônia troca Copa por Peladão e suas rainhas "matadoras"

Rodrigo Bertolotto

Do UOL, em Manaus (AM)

Imagine um campeonato de futebol em que a musa do time é mais decisiva que o centroavante, salvando uma equipe que já estava eliminada. Não precisa imaginar: ele existe e se chama Peladão. Esse torneio de várzea é o próximo hóspede da Arena da Amazônia após o final da parte amazônica desta Copa do Mundo.

O glamour "padrão Fifa" se despediu de Manaus na última quinta (25/6) com a Suíça batendo Honduras por 3 a 0. E agora é a vez de entrar em campo o coquetel explosivo de testosterona e comoção popular que o Campeonato de Peladas do Amazonas promove  todos os anos desde 1973. "O homem pensa em duas coisas: futebol e mulher. Nós juntamos as duas coisas e só poderia dar certo", define Kid Mahal, coordenador do concurso de beleza do torneio.

A organização do Peladão fechou a utilização da moderna arena amazonense para a final do torneio amador. Também vai usar outro estádio reconstruído para Copa como local da abertura, cerimônia em que o ponto alto é o desfile de centenas de rainhas em uma passarela montada no meio da arquibancada.

A fileira interminável de mulheres parece saída de um desvario adolescente. A camiseta do time é amarrada na cintura para mostrar cintura, quadril e barriguinha. Pernas e bundas são besuntadas com óleo de amêndoa para ressaltar os dotes. O resto é um biquíni mínimo e muita maquiagem nos rostos de fortes feições indígenas.

Cada time inscrito é obrigado a ter uma rainha, e ela deve desfilar na abertura do torneio. Caso contrário, é eliminado sem mesmo entrar em campo. Só times formados por evangélicos podem dispensar o desfile de sua musa de biquíni.

Como qualquer um pode se inscrever, levando ao extremo a ideologia nacional de que todo mundo é um jogador de futebol, o time de gordinhos Barra Pesada F.C., por exemplo, inscreve sempre a miss mais cheinha de todas.

O regulamento não exclui ninguém. Pode ser menor de idade: já houve monarcas de 12 anos. Pode ser mãe, como a gari Márcia Lobo, 36, com cinco filhos em casa para criar. Pode se inscrever quantas vezes quiser, como Kelly Rodrigues que vai para sua décima participação em 2014.

"As meninas aqui são cheias de curva. Da cintura para baixo, elas são ótimas. Mas é da cintura para cima que a gente consegue selecionar. Tem que ser bonita e ter boa altura." Quem explica o "padrão Peladão de beleza" é um dos criadores do torneio, o radialista Arnaldo Santos.

Em um país em que os dirigentes querem ser tão criativos quanto os atacantes, parece uma jogada de gênio a mistura de campeonato de futebol e concurso de beleza do regulamento do Peladão: as 16 rainhas que chegam às finais classificam seus respectivos times para um torneio de repescagem. O vencedor dele vai direto para as oitavas de final, e muitos já foram campeões após serem eliminados graças às musas. 

Se a regra do Peladão valesse na Copa do Mundo, uma beldade italiana, inglesa ou espanhola poderia resgatar as eliminadas seleções na primeira fase. No Peladão, foi o exemplo do Arsenal, que em 1998 foi ressucitado por sua rainha para depois erguer a tarça de vencedor.

Também é o do Puraquequara. Após perder por 1 a 0 do São José, o time do subúrbio de Manaus foi salvo dois dias depois pela beleza morena de Jéssyca Gomes, que avançou pelos critérios dos jurados. Ao final, Jéssyca e o Puraquequara ficaram, coincidentemente, no terceiro lugar de suas respectivas disputas.

"Talvez eu seja a craque do time. A classificação no concurso foi como fazer o gol da vitória nos acréscimos", define Jéssyca. Na sala de troféus da equipe, um pôster de Jéssyca em pose provocante ocupa mais espaço que as fotos do time em formação. "A gente fez vaquinha no bairro para pagar salão de beleza, roupas e academia. Ela tinha que nos representar bem", conta a presidente do time, Socorro Paz.

Jéssyca perdeu na final para Brenda Carioca, que também resgatou seu time (o Balbina), mas os jogadores não tiveram melhor sucesso. Desde 2012, a final da Rainha do Peladão virou um reality show. O programa se chama "Peladão a Bordo" e deixa confinadas as 12 finalistas durante 30 dias em um barco no rio Amazonas. Na TV local, que também é organizadora do torneio, as moças de shortinho e à deriva na correnteza são a sensação.

A votação decisiva para escolher a vencedora é da audiência por meio de chamadas de telefone e mensagens de internet da audiência. "A gente comprou um monte de chip pré-pago e crédito, distribuiu para os vizinhos ligarem, mas não conseguimos vencer porque o sinal na área é muito ruim", conta a dirigente Socorro à beira do rio Negro.

O maior desafio da eleita Brenda em seu ano de reinado é envergar o manto de veludo da Rainha do Peladão em pleno calor amazônico. "Vou chegar de helicóptero na abertura, desfilar sobre um buggy diante das candidatas e lembrar que, como elas, sempre sonhei em ser a rainha do torneio", planeja a soberana sobre a cerimônia que vai acontecer no final de julho.

O maior campeonato brasileiro de futebol amador (já chegou a ter mais de 1.100 equipes disputando uma edição), o Peladão só perde em proporção no mundo para a Copa Telmex, que é bancada pelo empresário mexicano Carlos Slim, bilionário que sempre se reveza com Bill Gates como o homem mais rico do mundo.

As regras são de pelada mesmo, sem impedimento e podendo cobrar o lateral com os pés. Na decisão de 2009, o público oficial no estádio Vivaldão (demolido para dar lugar à Arena da Amazônia) foi de 43 mil pessoas, um público que nenhum dos times profissionais da Amazônia (todos eles estão fora das três divisões do Campeonato Brasileiro) consegue atrair.

Com mais de 40 anos de existência, o Peladão cresceu junto com a cidade que viu a Zona Franca atrair uma grande população para o meio da selva amazônica. O futebol do Peladão era o principal lazer da multidão que chegava à capital amazonense. Muitos times até hoje são formados por operários de fábricas, trabalhadores do porto ou funcionários de comércio.

Assim como o Teatro Amazonas é a joia que simboliza a riqueza do ciclo da borracha, a Arena da Amazônia é o ícone da expansão recente da cidade e sua paixão pelo futebol - o próprio Peladão foi usado no marketing de Manaus para vencer Belém e ser escolhida sede amazônica da Copa da Fifa.

Agora é a vez do Peladão invadir o que para alguns é um "elefante branco" no meio da mata. Tanto o Peladão quanto a Arena da Amazônia refletem essa mistura de megalomania que a floresta e a distância dos outros centros estimulam. Parecem lendas amazônicas, mas são de verdade.

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