Gerrard e Lampard não conseguiram ser 'Xavi e Iniesta' da Inglaterra

Pedro Lopes

Do UOL, em São Paulo

Gerrard despontou no Liverpool como um volante moderno, quase perfeito: sabia defender, e tinha categoria para sair jogando. Quase ao mesmo tempo, Lampard, um meia de chegada, com qualidade nos passes e nas finalizações, chegava ao Chelsea. Os dois pareciam uma dupla perfeita para o 4-4-2 inglês, que tem no meio uma linha de quatro, com dois jogadores abertos e dois centralizados – ambos competentes marcando e apoiando, um mais defensivo, outro mais ofensivo. 

Gerrard, porém, era muito técnico para ficar uma partida inteira postado na frente da defesa; Lampard, por sua vez, tinha resistência física e força demais para ficar limitado a servir os atacantes. O tempo empurrou o primeiro para a frente e puxou o segundo para trás. Se encontraram no meio do caminho. Infelizmente, para muitos treinadores, ter dois craques com as mesmas características e posição nem sempre dobra os benefícios: o campo é só um e seus espaços são finitos. Algo como o que ocorreu com Xavi e Iniesta na Espanha - dois jogadores que se destacam pela mesma característica (nesse caso, a técnica e o passe) - atuando juntos, em sintonia, é raro.

Esta Copa do Mundo há de ser a última de ambos pela Inglaterra, e coloca um ponto final no debate que começou em 2004 e durou dez anos: Gerrard e Lampard podem atuar juntos? Por seus clubes, ganharam títulos e se tornaram lendas. E pela seleção?

Todos os treinadores que passaram pela Inglaterra procuraram soluções para tê-los em campo rendendo ao mesmo tempo, mas, em 2014, no Brasil, a despedida foi melancólica, com uma eliminação na primeira fase e uma história sem troféus.

Euro 2004
  • Lindsey Parnaby/EFE
    Sven Goran Eriksson
    O sueco Sven Goran-Eriksson treinou a Inglaterra na Euro 2004. Na época, porém, Gerrard ainda era volante, e Lampard jogava mais avançado. Os dois atuaram nas suas posições de origem, mas os holofotes no torneio estavam voltados para as estrelas David Beckham e Michael Owen. Os ingleses se classificaram em segundo no grupo, atrás da França, mas caíram nas quartas, nos pênaltis, diante de Portugal. Foto: Lindsey Parnaby/EFE

Dois anos depois, na Copa de 2006, as coisas já tinham mudado: Gerrard já tinha se firmado como um jogador mais avançado e fazia no Liverpool a mesma função que Lampard no Chelsea – o debate sobre os dois jogarem juntos começara. Mesmo assim, Eriksson pretendia manter seus planos. "As pessoas têm dúvidas sobre Lampard e Gerrard jogarem bem juntos, eu acho inacreditável que duvidem disso", disse, após uma goleada por 6 a 0 sobre a Jamaica em amistoso em 2006.

Copa de 2006
  • Reprodução
    Começo promissor
    O técnico começou o torneio com Gerrard, Lampard e dois pontas: 1 a 0 sobre Paraguai, 2 a 0 sobre Trinidad e Tobago. O sofrimento contra times considerados inferiores gerou críticas, e no terceiro jogo, contra a Suécia, o marcador Hargreaves foi colocado no lugar do jogador do Liverpool ? empate em 2 a 2, com Gerrard saindo do banco para marcar um gol. Foto: Reprodução
  • Alex Livesey/Getty Images
    Mudança de rumo
    Nas oitavas, a cautela falou mais alto: o treinador sacrificou Owen e escalou Hargreaves como cabeça de área, atrás de Gerrard e Lampard, com Rooney sozinho no ataque. A produção ofensiva caiu, resultando em um 0 a 0 e nova eliminação nos pênaltis, outra vez contra os portugueses. Foto: Alex Livesey/Getty Images

Steve McClaren assumiu a seleção após Eriksson, e tinha pela frente a missão de qualificar os ingleses para a Euro 2008. Nesse momento, a ideia de que Lampard e Gerrard não podiam sustentar sozinhos o meio da Inglaterra estava enraizada na mídia local

"Há tempos atrás, olhei as estatísticas da seleção com Lampard e Gerrard juntos no meio de campo nos últimos dois anos. Não são ruins, e provam que eles podem, sim, jogar juntos" afirmou McClaren, durante as eliminatórias para a Euro 2008.

Euro 2008
  • REUTERS/Dylan Martinez
    McClaren tenta proteger a dupla
    O técnico insistiu e escalou ambos, mas com um cabeça de área - Carrick, ou Hargreaves - para protegê-los. A falta de produção ofensiva do time foi alvo de duras críticas durante a era McClaren.A campanha da Inglaterra foi desastrosa: mesmo sendo a mais tradicional seleção do seu grupo, ficou em terceiro lugar, atrás de Rússia e Croácia, e sequer se classificou para a Euro. Foto: REUTERS/Dylan Martinez

O próximo treinador a enfrentar o desafio de escalar um meio de campo da Inglaterra com Gerrard e Lampard foi o badalado Fábio Capello. "Bons jogadores podem jogar com qualquer um. Aqui não estamos falando apenas de bons jogadores, mas de jogadores fantásticos, de qualidade maravilhosa. Por que não poderiam jogar juntos?" falou Capello, antes da Copa de 2010.

Copa de 2010
  • AFP
    Capello busca alternativa
    Na Copa de 2010, o italiano inovou: escalou o meia do Chelsea ao lado do volante Gareth Barry no centro, sacrificando nas pontas o craque do Liverpool. Gerrard chegou a jogar aberto pela esquerda no torneio, tanto na primeira fase como nas oitavas de final.Os ingleses foram atropelados por uma arrasadora Alemanha nas oitavas, em uma goleada por 4 a 1. Foto: AFP

A sucessão de fracassos fez com que Roy Hodgson assumisse a equipe, em 2012, receios quanto à possibilidade de escalar de forma eficiente os dois astros. "Sei que não funcionou no passado, por isso não quero garantir que sim, vai funcionar. Estaria descartando muitas evidências em contrário se fizesse isso. Tenho que descobrir por mim mesmo", disse, naquele ano, em entrevista ao Goal.

Hodgson não descobriu. Lampard, lesionado, não participou da Euro-2012. No Brasil, em 2014, com os dois já veteranos, o técnico não quis arriscar: Gerrard atuou nos dois primeiros jogos; o companheiro, no terceiro, já com a Inglaterra eliminada.

Em entrevista ao Daily Mirror no ano passado, Lampard culpou Eriksson, McClaren e Capello por nunca terem sido capazes de fazer o meio de campo com Gerrard funcionar.

De fato, desde 2004, ninguém mais insistiu na dupla e no 4-4-2. Sempre que jogaram juntos, houve um preço a ser pago: pelo esquema tático, quando perdeu um atacante para ganhar um volante; por Owen, o atacante que saiu; por Gerrard, quando teve que atuar na ponta esquerda, longe de sua posição preferida.

Em 2014, essa conta foi fechada. Pensar sempre é possível, mas já não há tempo para tornar reais as ideias do que poderia ter sido. A realidade que fica mostra que Gerrard e Lampard nunca puderam ser, para a Inglaterra, o que Xavi e Iniesta foram para a Espanha.

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