Os bastidores da passagem roots de Beckham pela Amazônia
Felipe Pereira
Do UOL, em Manaus
Frescura zero. David Beckham despiu-se do lado galã e estava mais para uma criança no sítio nos 12 dias em que gravou um documentário para BBC na Amazônia. Ele não ligou em andar sujo e a filosofia na hora de comer era o que vier morre, nem que a refeição fosse numa birosca de beira de estrada.
O UOL Esporte apurou que o ex-jogador achava ainda melhor se não era reconhecido e podia parar no boteco sem provocar aglomeração ou gritos histéricos. Nessas horas tinha tempo de analisar o salgado que ia comer, pagava a conta e sentava na cadeira de plástico com a cerveja que estivesse disponível, não importava se fosse Brahma, Skol ou Itaipava.
Mas claro que o inglês tinha suas preferências culinárias e açaí com açúcar e tapioca estava no topo delas. Entre os peixes, Beckham gostou muito do jaraqui, uma espécie bastante comum na Bacia do Amazonas. Do tambaqui, o predileto dos moradores de Manaus, comia até o couro.
A maneira como os locais preparavam a refeição impressionou o galã. Como ocorre em outras partes do Brasil, os caboclos fazem cortes de cima para baixo ao longo do peixe. Em Manaus e arredores isto é chamado de "ticar" o peixe e permite encher a boca sem precisar se preocupar com espinha.
Este período roots agradou muito Beckham que em certo momento comentou que estivera em todos os cantos do mundo, mas só conhecia hotéis e aeroportos. A declaração não surpreendeu a equipe. Eles lembraram que em sua passagem pela Amazônia, Bill Gates fez três pedidos: ir a lugares em que pudesse andar descalço; comer com a mão; e ter que pegar fila.
Também foi curiosa a despreocupação com a beleza. Nada de cremes no rosto e conferidas no visual diante do espelho. Os banhos eram no rio mesmo e quando precisava se aliviar no matinho não havia frescura. O tempo todo as pessoas andavam sujas e suadas e o ex-jogador não se incomodava.
O preparo físico dele não passou despercebido. Beckham caminha rápido por natureza, fazendo os outros apertarem o passo para conseguir acompanhar, e nem assim cansava. Quando os produtores do documentário permitiam, havia interação com os guias. Os anos de Real Madrid ensinaram espanhol e daí para o portunhol é um pulo. Em nenhum momento o assunto foi futebol e uma das perguntas recorrentes era saber quanto os produtos custavam em libra esterlina.
Quando estavam na mata alguns momentos deixaram o ex-atleta comovido com o que estava diante dele. A expressão entregou como estava emocionado na chegada ao Rio Negro, no segundo dia de expedição. O contato com o primeiro índio tocou Beckham. Antes de voltar a Inglaterra ele providenciou pulseiras para levar como lembrança.
Mas por maior que tenha sido o espírito aventureiro, ele não serve para Indiana Jones. O ex-jogador demonstrou medo em algumas circunstâncias. Foi assim ao perceber que a canoa que flutuava sobre um igapó, parte da floresta inundada na cheia do rio, estava furada. A preocupação não era a profundidade, mas haver piranhas ou sucuri na água. Os guias nativos nem ligaram porque faz parte do cotidiano lidar com estas coisas.
O ex-jogador também ficou desconfortável nos deslocamentos de avião, sempre em aeronaves pequenas. Mas se ele tinha momentos de medo, a equipe brasileira experimentava um período permanente de preocupação. Foi imposição dela a presença de cinco ex-oficiais da Polícia Militar no grupo. O temor era algo acontecer e a repercussão que causaria.
Por precaução o trecho de moto pelas rodovias teve escolta de policiais rodoviários federais. Mais tarde o ex-jogador comentaria que achou estranho que no meio da floresta os brasileiros usam Harley-Davidson. Do grupo chamou atenção a perícia que Beckham exibiu na pilotagem e o desapego que um milionário famoso no mundo inteiro estava demonstrando.
Na hora de descansar luxo zero. Ele chegou a dormir num barco com apenas um banheiro e passou a noite na rede como fazem os ribeirinhos. Numa dessas ocasiões tomou uns goles a mais e ficou alegrinho. Isto se repetiu outra vez, mas nada que atrapalhasse as gravações do documentário. Com ou sem cerveja na cabeça, Beckham ia dormir cedo e nem assim roncava.
Sempre que possível, Beckham ligava para a família. Ocorre que se nem na Avenida Paulista, em São Paulo, o celular funciona, não ia ser na selva que ele teria sinal quando bem entendesse. Nada que incomodasse. Tudo fez parte de uma grande aventura de uma celebridade mundial que está conhecendo o mundo. Por uma conveniência comercial Beckham passou pela Amazônia, mas pelo que demonstrou pagaria o que pedissem pela experiência.