Santuário informal de Garrincha reúne Copa alternativa no PR

Guilherme Palenzuela

Do UOL, em Curitiba

Arlindo Ventura, 41, não é apenas o dono de um bar ou um fanático por Garrincha. É um aficcionado pela cultura brasileira, que encontrou no ex-ponta direita a personificação do retrato nacional. Mais conhecido como Magrão, Arilindo escolheu Curitiba para abrir um bar no qual pudesse exibir boa parte de sua coleção sobre o jogador, e no qual pudesse também criar ambiente cultural eclético, que satisfizesse a vontade de público alternativo da capital paranaense. Assim nasceu O Torto, do nome ao banheiro representado por Garrincha, e hoje responsável pela completa transformação de um bairro na cidade.

O Torto existe desde 2003, está em uma das esquinas do cruzamento das ruas Duque de Caxias com Paula Gomes, no bairro de São Francisco. Está próximo do centro histórico de Curitiba, mas em região que até sua fundação não era famosa pela diversão noturna ou por diversidade cultural. Mais de 11 anos depois, a diferença é completa: a fundação do bar sobre Garrincha atraiu outros 12 estabelecimentos semelhantes que, juntos, fizeram de São Francisco o reduto alternativo de Curitiba. Como o Baixo Augusta, para os paulistanos. Algo possível de ser constatado durante a partida entre Brasil e México, que terminou em empate por 0 a 0 nesta terça-feira.

"Aqui é do gari ao executivo", diz Magrão, que trabalha até hoje no balcão do Torto. E não é da boca para fora. Entre os espectadores que beberam cerveja e assistiram ao jogo no bar – até a TV é alternativa, sintonizada na ESPN Brasil, e não na Globo – foi possível avistar de paletós a corpos cobertos por tatuagens.

Os clientes mais antigos relatam a importância do bar de Magrão para a criação de um ambiente em São Francisco que abrigasse um ambiente confortável para um grupo de curitibanos que, até então, não se sentia plenamente confortável com as opções culturais da cidade.

"São histórias gloriosas. Tivemos atividades culturais, artísticas, de rua. Isso criou um movimento eclético, alternativo. E toda esa estrutura a partir de um espaço de 50m². Proporcionou grande movimento na região, um movimento de bares. Hoje nós temos 13 bares na região, tudo por causa do Torto", diz Magrão, com o entusiasmo de quem conseguiu realizar um objetivo de vida. Nascido e criado em Mauá, no ABC paulista, ele começou a trabalhar em bares aos 12 anos.

Magrão não é velho o bastante para ter vivenciado os momentos de glória de Garrincha. Mas explica que seu fanatismo pelo craque não tem tanto a ver com o futebol mas sim com o Brasil: "Arte não tem idade, ainda mais no futebol. A gente tem admiração por figuras que marcaram época, por grandes figuras brasileiras. Se eu não fizesse um trabalho sobre o Garrincha, faria sobre Luiz Gonzaga", conta Magrão, que chama de "trabalho" aquilo que coleciona com extremo cuidado e que rendeu exposições durante anos.

"Faço desde criança. E na fase de adolescente, em Mauá, virei um rato de sebo, guardando material sobre o Garrincha. Me influenciou a gostar muito do Mané o fato de ele ser humilde, simples, brincalhão, como é o brasileiro. Ele gostava de tomar uma cachacinha, várias mulheres que passaram na vida dele. A figura do Garrincha se confunde com a característica do brasileiro, e talvez por isso ele seja uma unanimidade. Ele teve problemas com o alcoolismo, evidente, mas uma unanimidade, pode-se dizer. Era uma unanimidade na bondade, no jeito brasileiro de ser. Por isso que sou aficcionado", diz.

Durante a partida entre Brasil e México, acompanhada no bar, a rua Duque de Caxias ficou quase fechada pelos presentes. As reações não diferem de outros incontáveis bares pelo país que transmitiram a partida – à parte uma confusão inicial de alguns, que acharam que o adversário era o Chile, e de algumas mulheres que encontraram semelhança entre Neymar e a cantora norte-americana Miley Cyrus –, mas a última terça-feira representou não só o sucesso de um projeto pessoal, como também a definição de uma região na zona central da capital do Paraná, agora representada pela diversidade cultural dos bares.

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