Os erros da seleção de 1950 que Felipão sabe que não pode repetir

Paulo Passos

Do UOL, em Teresópolis (Rio de Janeiro)

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    Uruguaio Juan Pepe Schiaffino faz o primeiro gol da equipe contra o Brasil, na Copa de 50

    Uruguaio Juan Pepe Schiaffino faz o primeiro gol da equipe contra o Brasil, na Copa de 50

Luiz Felipe Scolari já disse mais de uma vez que não gosta do termo tragédia para definir a derrota da seleção brasileira na Copa de 1950. "Não morreu ninguém", retruca quando ouve isso em alguma pergunta. O certo é que, mesmo assim, alguns erros da experiência do único Mundial disputado no Brasil, que terminou com o Uruguai campeão no Maracanã, tiveram influência no planejamento para a preparação da atual seleção brasileira.

Organizado por Scolari e Carlos Alberto Parreira, coordenador técnico da seleção, o plano de trabalho que começou a ser executado nesta segunda-feira conta com ensinamentos do trauma de 1950. Isolamento, diálogo com os jogadores para evitar problemas sobre premiação e uma blindagem para barrar o uso político da equipe são algum deles.

Como revelou o UOL Esporte no dia 15 de maio, Felipão leu o livro "Dossiê 50", do jornalista Geneton Moraes Neto, que conta com depoimentos dos 11 titulares da seleção brasileira que perdeu a final para o Uruguai no Maracanã, além do técnico Flávio Costa e do "algoz" uruguaio Alcides Edgardo Ghiggia.

"Eu tive a oportunidade de conversar com Flávio Costa sobre 1950 e o que ele me contou assustou. Não se pode perder o foco como fizeram com os jogadores naquela vez. Temos de estar confiantes e alertas contra esse clima de oba-oba", disse Parreira.

Concentração aberta
A período de preparação para a Copa de 1950 foi bem maior que a atual. O time que disputou o primeiro Mundial no Brasil treinou por mais de dois meses, algo impossível de ser aplicado hoje, por conta das restrições que os clubes que pagam os salários do jogadores impõem.

Assim como a equipe de Scolari, que está em Teresópolis, os jogadores da seleção da época ficaram isolados numa concentração no interior, em Araxá (Minas Gerais). Antes da final, porém, os dirigentes da época resolveram levar o time para São Januário, no Rio de Janeiro, local da final.

Parreira e Scolari pretendem manter a equipe o máximo de tempo possível na Granja Comary. O isolamento do local é um dos principais motivos. A viagem para as cidades dos jogos acontecerá na antevéspera porque a Fifa exige que o treinamento na véspera ocorra no estádio da partida.

"Quando chegou o dia da final contra o Uruguai, eu sentei na mesa, mas só comi uma folha de alface e uma rodela de tomate, porque, a cada garfada, vinha um sujeito e dizia: chegou fulano de tal, candidato a presidente da República", disse Barbosa ao jornalista Geneton Moraes Neto.

"Numa Copa a primeira coisa a fazer é ganhar fora do campo, na logística", diz Parreira.

Uso político da seleção
Assim como agora, 1950 era um ano de eleições presidenciais. Há 64 anos, o time virou local de peregrinação de políticos em campanha. O candidato a presidência Cristiano Machado era o mais próximos aos cartolas da CBD (Confederação Brasileira do Deporto, entidade que deu origem à CBF (Confederação Brasileira de Futebol).

"A concentração da seleção brasileira, em São Januário, virou cenário da política nacional. Ouvimos, no dia da decisão da Copa, discurso do deu Cristiano Machado, candidato a presidente da República. Ouvimos o seu Ademar de Barros, igualmente candidato. Quer dizer: houve descontração!", relatou Zizinho.

Felipão já deu a entender que políticos não serão recebidos pelos jogadores durante a preparação e entre os jogos da Copa. A blindagem não deve poupar nem mesmo a presidenta Dilma Rousseff, que já recebeu o técnico e os jogadores em uma visita ao Palácio do Planalto em setembro de 2013.

Briga por premiação
Um oceano separa a realidade econômica dos jogadores da seleção atual com os do time de 1950. Relatos dos atletas que perderam para o Uruguai dão conta de que prêmios dados aos goleadores geraram intrigas na equipe. Quem fizesse mais gols ganhava um lustre. Jogadores da defesa não ficaram satisfeitos.

"Quanto aos prêmios, o que havia era uma firma que dava de presente um lustre de cristal a quem marcasse o primeiro gol. Não se tinha estabelecido nenhum outro prêmio pela conquista", relata Bauer ao livro "Dossiê 50". "Como é que se divide um lustre de cristal?", afirmou Zizinho.

Difícil imaginar os jogadores atuais enciumados com um lustre. O prêmio atual dados aos jogadores em caso de título deve ser milionário e já foi motivo de controvérsia em Copas anteriores. O acerto com os jogadores foi feito no primeiro dia da preparação.

Clima de já ganhou

Auxiliar de Scolari há mais de 20 anos, Flávio Murtosa é uma das pessoas que o técnico da seleção ouve. Ele tem uma tese sobre a derrota do Brasil em 50.

"O Brasil era favorito e o clima de "já ganhou" acabou levando o time a perder. Isso tudo não tem agora", afirma Murtosa.

Relatos da época indicam que houve uma euforia incontrolável antes da decisão. Os jogadores ganharam faixas antes do jogo e viram jornais que já traziam a foto do time com os dizeres "campeão do mundo"

"Fomos envolvidos pela cidade inteira. Não existia um meio de parar aquele clima de "já ganhou". É como gritar fogo dentro de um cinema. Ninguém sai devagar", disse Zizinho ao "Dossiê 50".

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