Fifa quer uniformes de cor única e seleções acatam, mas antes não era assim

Felipe Noronha

Do UOL, em São Paulo

A Espanha terá como 1° uniforme na Copa-2014 camisas, calções e meiões vermelhos, algo inédito. A Alemanha jogará toda de branco, também pela 1ª vez em Mundiais. A Argentina abandonou o calção preto e usará branco. A Itália, agora, é totalmente azzurra. França, Inglaterra e praticamente todas as outras seleções também abdicaram de seus uniformes tradicionais. Por quê? Ordem da Fifa, que deseja que todas as seleções sejam "monocromáticas". Mas nem sempre foi assim.

A ideia da Fifa é que não haja peças do uniforme de cores repetidas (ou do mesmo tom) entre seleções que se enfrentam, para na teoria facilitar a visualização por parte de quem assiste pela televisão - a justificativa é que ainda existem, principalmente em regiões pobres, muitos aparelhos em preto e branco. 

Mas a ironia é exatamente essa: quando os televisores eram apenas em preto e branco, décadas atrás, as seleções - e a Fifa - não ligavam para cores repetidas entre rivais. No total, foram 772 partidas na história das Copas, e em 26% delas - ou seja, 202 jogos - havia peças de uniforme de cores iguais.

Mais do que isso: a última Copa, na África do Sul, foi a com menor porcentagem: 7% de peças repetidas. Se não fosse isso, o número seria bem maior. Como foi em 1934, quando 88% dos jogos tiveram cores parecidas - e até camisas quase idênticas.

Abaixo, veja como a Fifa quer mudar a tradição de uniformes do futebol em Copas contradizendo a história de sua principal competição.

Uniformes em Copas - monocromáticos ou não?
  • Reprodução
    1930
    A primeira Copa da história teve 77% de seus jogos com uniformes com cores repetidas. Nenhuma seleção entrou em campo como prefere hoje a Fifa: monocromática. Em quatro dos 18 jogos houve até camisas de cores parecidas, inclusive na final entre Argentina (branco e azul celeste - foto) e Uruguai (azul celeste). Foto: Reprodução
  • Arquivo/Folha Imagem
    1934 e 1938
    A Copa de 1934 foi a com mais jogos em que os uniformes de times adversários tinham peças parecidas: 88%, ou 15 dos 17 jogos. Houve até duelo entre times de camisa azul, calções brancos e meiões pretos/azuis escuros: Itália 7 x 1 EUA. Em 1938, pela primeira vez uma seleção entrou em campo usando uniforme monocromático: a Itália, toda de preto contra a França - homenagem ao fascismo. Foto: Arquivo/Folha Imagem
  • Divulgação
    1950
    No vice brasileiro, a seleção se tornou a pioneira no uso exclusivo de uniformes monocromáticos em Copas: nos 5 jogos o Brasil atuou todo de branco, única seleção a fazer isso no Mundial. Em toa a Copa, 54% dos jogos tiveram peças de uniforme parecidas entre rivais. Foto: Divulgação
  • AFP
    1954 e 1958
    Foram as últimas Copas em que peças de uniforme iguais foram maioria nos jogos: 65% em 1954, 60% em 1958. A moda foi usar calções e meiões de cores/tons iguais, o que certamente deixaria a Fifa desesperada atualmente. O jogo mais curioso: Argentina e Alemanha duelaram em 1958 com calções e meiões pretos; a Alemanha de camisa branca, e a Argentina com uma camisa emprestada do Malmö-SUE, amarela. Foto: AFP
  • Acervo UH/Folhapress
    1962
    No Chile, as seleções começam a ser menos criativas: sete jogos têm uniformes monocromáticos, para deleite da Fifa. Apenas 25% dos jogos tem peças parecidas, e o Brasil chega a usar a criticada combinação de camisa amarela, calção e meiões brancos (contra a Espanha - foto). Foto: Acervo UH/Folhapress
  • Allsport Hulton/Archive
    1966 e 1970
    As Copas na Inglaterra e México tiveram menos da metade dos jogos com uniformes parecidos: 31% em 1966, 34% em 1970. Porém, na Copa de 1966,dois jogos irritariam a Fifa atual: contra Inglaterra (foto) e Alemanha Ocidental, a Argentina jogou de branco e azul celeste contra adversários de branco. Foto: Allsport Hulton/Archive
  • Arquivo/EFE
    1974 e 1978
    O sonho da Fifa começou a se realizar na Copa da Alemanha. Apenas 13% dos 38 jogos tiveram uniformes parecidos. Na Argentina, porém, uma confusão histórica: a França jogou com uma camisa listrada verde e branco, emprestada pelo Kimberçey, time amador de Mar del Plata, para não jogar de branco contra a também branca Hungria. Foto: Arquivo/EFE
  • Jorge Araújo/Folha Imagem
    1982
    Se a Fifa quer uniformes monocromáticos, até os calções devem ser diferentes. Mas em 1982 isso não ocorreu: 15 jogos tiveram seleções com calções de mesma cor/tom. Foram vários jogos com rivais de calções brancos, pretos e azuis escuros, vermelhos... Foto: Jorge Araújo/Folha Imagem
  • David Cannon/Allsport
    1986
    Não à toa que nunca mais isso ocorreu: A Fifa deve ter adorado quando Dinamarca (foto) e Argélia jogaram a Copa de 1986 com camisas metade de cor escura, metade de cor clara. Apenas 13% dos jogos, porém, teve adversários com uniformes parecidos. Foto: David Cannon/Allsport
  • Steve Dunn/ALLSPORT
    1990 e 1994
    As seleções fazem a Fifa feliz: as fornecedoras começam a produzir uniformes padrão para as seleções que patrocinam, sempre usando o tema monocromático como padrão. Em 1990, apenas 9% dos jogos têm uniformes parecidos; em 1994, 17%. Porém o improviso ainda era baixo: 13 jogos tem rivais com calções iguais, mostrando que a Fifa ainda não forçava a troca de peças solitárias. Foto: Steve Dunn/ALLSPORT
  • Shaun Botterill/Getty Images
    1998 e 2002
    Em 1998, 12% os jogos tiveram uniformes parecidos; em 2002, 10%. A Fifa comemorava, mas algo a irritou: o Paraguai tinha como uniforme 1 em 2002 a camisa listrada em vermelho e branco; como 2, camisa laranja. No jogo contra a Espanha não teve jeito: vermelho contra laranja e a Fifa sem ter como evitar atletas jogando com camisas quase idênticas. Foto: Shaun Botterill/Getty Images
  • Clive Mason/Getty Images
    2006
    Nas oitavas e nas quartas, a Alemanha jogou de calção preto contra adversários de... calção preto/escuro! Isso não confundiu ninguém contra a Argentina, nas quartas, e contra a Itália, nas semis, e aí fica a pergunta: por que para 2014 a Alemanha terá que jogar toda de branco? Foto: Clive Mason/Getty Images
  • Gallo Images/Getty Images
    2010
    Na África do Sul, a Fifa assumiu publicamente que queria todo mundo jogando de forma monocromática. E conseguiu: apenas 7% dos jogos foram com rivais usando pelas parecidas (5 partidas em 64). Teve até um grupo só com jogos com equipes de uma cor só: o C, de EUA, Inglaterra, Eslovênia e Argélia. Foto: Gallo Images/Getty Images

Além disso, há uma outra situação: o improviso. Muitas seleções precisaram inventar para se adequar a esta situação, como nos casos citados acima de França com listar verdes e Argentina de camisa amarela.

O Uruguai, em 2010, inventou uma terceira combinação de meião e calção (azul celeste) só para não jogar a disputa de 3° lugar com o mesmo calção preto da Alemanha. A Espanha jogou por diversas Copas de meião preto, até mudá-lo para azul e, agora, para vermelho. A Hungria, em 1966, criou um calção azul para jogar contra a Bulgária, assim como Portugal. Na mesma Copa, a União Soviética criou uniforme azul claro.para encarar rivais de vermelho  branco, suas cores tradicionais.

Será que, na Copa de 2014, em campos brasileiros, a Fifa obrigará novos improvisos? Em 1950, o México jogou em Porto Alegre com o uniforme listrado em azul e branco emprestado pelo pequeno Cruzeiro, da capital gaúcha, contra a Suíça. Se para muitos o Brasil é o país do "jeitinho", é possível que a Fifa consiga imprimir seu "padrão" até nos uniformes...

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