Denílson diz como Galvão "turbinou" o lance mais conhecido da sua carreira

Bruno Freitas e Vinicius Mesquita

Do UOL, em São Paulo

Com o Brasil em vantagem sobre a Turquia na semifinal da Copa de 2002, Denílson entrou em campo com a missão de gastar o tempo com a bola. Foi então que o camisa 17 da seleção protagonizou, quase sem querer, o lance mais célebre de sua carreira, quando carregou a marcação de quatro turcos ao mesmo tempo em direção à linha lateral. Meio circense, a cena que hoje compõe nove entre dez clipes de Mundiais ficou famosa por "culpa" de Galvão Bueno, diz o ex-jogador.

No dia da partida, Denílson diz que não percebeu que Muzzy Izzet, Tugay Kerimoglu, Bulent Korkmaz e Alpay Ozalan correram em fila atrás dele e da bola, como predadores contra uma presa mais esperta. Foi só na volta ao hotel que o narrador da Globo deu a dica de que a cena transcenderia a compilação dos melhores momentos do dia: "você fez a jogada da Copa, garoto".

Denílson Oliveira Araújo não percebeu a perseguição dos turcos em 2002, mas viu um pouco de tudo nos campos. Com começo de carreira meteórico, saiu jovem do São Paulo como a negociação mais cara da história do futebol. Depois foi rebaixado na Espanha e enfrentou problemas sérios de lesão. No ápice, ganhou uma Copa na condição de 12º titular da seleção de Scolari. Todos esses altos e baixos e experiências diversas fazem parte do repertório de histórias que o meio-campo aposentado usa agora em sua nova atividade profissional, a de palestrante.

Por um cachê de R$ 30 mil, Denílson oferece ao mundo corporativo dramas e soluções típicos do universo boleiro. Desta forma, o craque que hoje brilha na televisão serve quase como um fetiche aos engravatados, acostumados a metas e desafios bem diferentes, na vida entre paredes de escritório.

Aos 36 anos, o comentarista da Bandeirantes fala na entrevista abaixo sobre o novo desafio de palestrante e agradece à colega Renata Fan pelas dicas no aprendizado como comunicador. Na conversa com o UOL Esporte, Denílson também conta que hesitou antes de virar profissional de televisão e relembra os bastidores do lance mais famoso da sua carreira.  

Juca Varella/Folha Imagem
Denílson escapa de marcação de turcos, nas semifinais da Copa de 2002

UOL Esporte: A imagem que ficou do Denílson na Copa de 2002 foi a dos turcos correndo atrás de você. O que você lembra daquele jogo? E dessa cena especificamente?

Denílson: Eu lembro do jogo. Um jogo muito difícil. Mas da jogada,  eu não lembro. Porque, quando você quando joga futebol no meu estilo de jogar, que eu partia para cima, dando o drible, isso acontecia toda hora, de você ter dois, três jogadores tentando tirar a bola de você. Acho que aconteceu no momento certo, na hora certa, e o Galvão Bueno valorizou tanto aquela jogada que chamou a atenção, senão não teria repercutido tanto. Então o grande responsável pela repercussão disso é o Galvão Bueno, não sou nem eu.

UOL Esporte: Algum dos jogadores comentou do lance com você após o jogo?

Denílson: Ninguém falou nada, ninguém se tocou, que eu me lembre, ninguém se tocou. Eu lembro que o Galvão, nessa aproximação com a imprensa que tinha em 2002, virou para mim e falou: "Você fez a jogada da Copa, garoto, você fez a jogada da Copa". E eu falei: "É mesmo? Legal!". Passou, entrou por um ouvido e saiu pelo outro. Aí você chega no Brasil, de dez perguntas oito eram sobre a jogada, e foi ganhando uma força, uma dimensão que, enfim, ficou gravada. Em clipes de Copa do Mundo ela aparece sempre, então, quer dizer, é uma jogada que ficou registrada em Copas do Mundo. De repente se tivesse acontecido em um Campeonato Brasileiro, num Campeonato Espanhol, Francês, nos campeonatos que eu disputei, não teria tido tanta importância.

UOL Esporte: Algum turco falou com você depois?

Denílson: Não, e mesmo se viesse eu não ia entender. Sei que teve uma reportagem recente que os quatro turcos que estavam comigo naquela jogada, os quatro pararam de jogar futebol e acho que os quatro são treinadores. Mas, enfim, foi uma jogada que me lembra só coisas boas. E eu era aquele 12º jogador. Tenho até um recorde, não sei se vocês sabem, mas eu tenho um recorde. Eu sou o jogador que mais atuou saindo do banco de reservas em todas as Copas. Isso é um recorde. De 14 jogos de Copa do Mundo, porque eu joguei duas, eu joguei 12. E é interessante, parece irônico, mas é interessante.

UOL Esporte: Você já pensou em ser técnico depois de se aposentar? Imaginou que iria para a televisão?

Denílson: Não. Eu ia fazer um curso de gestão para trabalhar no esporte, eu queria ser o elo entre um grupo de jogadores e a diretoria, porque senti muito isso na minha vida como jogador profissional. Eu queria falar com o presidente, com o treinador e tinha aquela barreira, então queria ser o cara de confiança dos dois lados. Eu estava me preparando para isso e, de repente, vem a oportunidade de trabalhar na televisão. Confesso que nunca tinha pensado em trabalhar na televisão até por esse meu jeito de brincar e de ser muito espontâneo e tudo mais. Achava que não ia dar certo.

UOL Esporte: Como apareceu essa oportunidade?

Denílson: Em 2009 o José Emílio Ambrósio, que estava na RedeTV na época, me convidou. Assim que acabou meu contrato com o Palmeiras ele me convidou para participar de um programa de debates com ex-jogadores, mas eu não aceitei. Falei: "Não, não dá. Você quer acabar com a minha carreira?".  Em 2010 ele me chamou de novo e eu fiz o Band Mania. Comecei participando uma vez por semana cobrindo a folga do Neto e fiquei de junho até dezembro assim, e na dúvida. Não sabia se continuava jogando, se fazia um curso de gestão, ou se ia para a televisão. Aí ofereceram um contrato de mais tempo, eu sentei com a minha família e bati o martelo, em lágrimas. Falei: "Não dá mais para jogar bola. Até aqui eu cheguei, meu joelho não aguenta mais. É o momento de eu seguir um outro caminho".

UOL Esporte: Com quem você mais aprende na Band?

Denílson: Eu trabalho muito com a Renata (Fan), a Renata é uma grande jornalista, uma grande apresentadora, então eu aprendo muito com ela, o lado espontâneo dela, a forma como ela faz as leituras do TP (teleprompter). Eu vou conversando e vou pegando um pouco de cada coisa e vou ajudando. Acho que, de certa forma, eles também aprendem comigo, porque eu tive aquilo na prática e tudo mais, então acho que essa união está dando certo. Pelo menos para mim, está dando muito certo.

UOL Esporte: Você agora começou a fazer palestras. O trabalho na TV te ajuda nesse sentido?

Denílson: Recentemente eu dei a minha primeira palestra. Na verdade, eu sempre dei palestras, mas sem imagem, sem nada disso. Era mais um bate-papo. Então eu pensei: "Bom, eu trabalho na televisão, já tenho essa responsabilidade da imagem, passei a ser um formador de opinião, então preciso me profissionalizar também nessa questão". Agora quando as pessoas me convidam ou me contratam para palestras, eu quero que elas vejam o profissionalismo, não foquem só na história do Denílson.

UOL Esporte: E como foi o retorno desta primeira palestra?

Denílson: Das 90 pessoas que tinham ali, fiquei muito feliz que tinha um cara que se identificou com a minha história. E foi até engraçado porque eu olhava para ele e achava que ele não estava gostando da palestra. E falam que você não pode focar o olhar em uma pessoa na plateia, que você tem que abrir o olhar. Mas não tem jeito, eu sempre voltava para o cara. E no fim ele foi o primeiro a pedir para falar e disse: "Cara, eu me identifiquei muito com a sua história, essa questão da lesão, essa questão de você ser forçado a para por uma questão clínica". E eu fiquei feliz, porque toquei alguém, né.

UOL Esporte: Quais histórias você conta na palestra que mais tocam as pessoas?

Denílson: Olha, eu tenho história triste e tenho feliz. É só você escolher. Eu tenho um momento muito difícil na minha carreira, que foi o momento de parar de jogar futebol. Uma decisão muito cruel para o jogador. E foi quando eu tive a minha lesão de cartilagem. Isso em 2003. O médico falou que eu tinha cinco anos para jogar, então em cinco anos eu tinha que fazer o máximo para viver 70, 80 anos.  Então  comecei a tomar decisões por causa da lesão, decisões mais financeiras do que profissionais. São escolhas, né? Eu tinha que escolher e sabia que a mídia seria cruel comigo, porque "como que o Denílson pentacampeão do Mundo tá indo jogar na Arábia, com 28 anos?".  Não vou falar que eu planejei, mas quando eu lia, dava vontade de ligar e falar: "Meu irmão, eu estou com esse problema". Mas não dá para ligar para todo mundo e falar: "Eu estou com esse problema então eu vou escolher o lugar que me paga mais".

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