Itaquerão tem 35 anos de problemas. E a inauguração não vai zerar a conta

Guilherme Costa

Do UOL, em São Paulo

Foram anos de espera e provocações. Mas não é só isso que a torcida do Corinthians tentará deixar para trás neste domingo, quando o time alvinegro fará o primeiro jogo oficial em seu novo estádio. Mais de 35 anos após terem recebido o terreno da prefeitura de São Paulo, os corintianos ainda tentam encerrar a lista de problemas que cercaram a construção da arena.

Ainda inacabado, o Itaquerão será inaugurado num jogo entre Corinthians e Figueirense, válido pela quinta rodada do Campeonato Brasileiro. A partida já servirá como evento-teste para a Fifa, que assumirá depois do duelo a administração da arena.

O UOL Esporte preparou uma lista com oito problemas históricos do estádio do Corinthians. Poucas coisas justificam mais o estereótipo do torcedor alvinegro, que costuma se dizer "maloqueiro e sofredor, graças a Deus".

Doação, prazos ignorados e "abandono"

O Corinthians encerrou em 13 de outubro de 1977 o maior jejum de títulos da história do clube. No dia 10 de novembro do ano seguinte, a torcida alvinegra vislumbrou a realização de outro sonho: a prefeitura de São Paulo concedeu um terreno de 197 mil metros quadrados à equipe em Itaquera, na Zona Leste, para a construção de um novo estádio.

A cerimônia em que o prefeito Olavo Setúbal entregou o terreno a Vicente Matheus, presidente do Corinthians, teve presença até do general Ernesto Geisel, que ocupava a presidência da República. Matheus sonhava com um estádio que comportasse 200 mil pessoas. Ele apresentou duas maquetes (o "Vicentão" e o "Coringão II"), mas nenhuma foi além disso. 

Em 1988, o Corinthians ainda não tinha feito nenhuma intervenção no terreno o presidente Waldemar Pires chegou a lançar a pedra fundamental de um estádio em 1983, mas também não passou disso. O prefeito de São Paulo na época era Jânio Quadros, torcedor e conselheiro alvinegro, que deu nova concessão de 90 anos do espaço ao clube.

Entre as contrapartidas da concessão, o Corinthians prometeu iniciar a terraplanagem do terreno em 90 dias e ter um estádio em condições de receber jogos, "ainda que não totalmente construído", num prazo máximo de quatro anos. Pela segunda vez, os prazos foram ignorados.

Depois disso, a diretoria alvinegra estudou projetos de estádios na Raposo Tavares e na Marginal Tietê, por exemplo. E Itaquera, com investimento em torno de R$ 10 milhões, virou centro de treinamentos para as categorias de base do Corinthians. A ideia de um estádio no local foi abandonada durante anos.

Vai ter Copa? Não vai ter Copa?

Em 16 de junho de 2010, dois dias depois de o São Paulo ter apresentado garantias financeiras para uma reforma orçada em R$ 265 milhões no Morumbi, a CBF (Confederação Brasileira de Futebol) anunciou oficialmente a exclusão do estádio da Copa do Mundo de 2014 – a Fifa havia aprovado um projeto para o estádio, mas de R$ 630 milhões. Naquele momento, a capital paulista também estava alijada do evento.

Nos dias seguintes, autoridades de São Paulo chegaram a flertar com um projeto de estádio em Pirituba. Em 27 de agosto, o prefeito Gilberto Kassab, o governador Alberto Goldman e o próprio Ricardo Teixeira emitiram nota conjunta para anunciar que o Itaquerão seria o estádio paulista na Copa.

Andrés Sanchez, que era presidente do Corinthians, afirmou no dia 30 de agosto de 2010 que o Itaquerão custaria R$ 350 milhões. O estádio seria feito pela construtora Odebrecht, com capacidade para 48 mil torcedores, e não brigaria pela partida inaugural da Copa do Mundo.

Em 27 de maio de 2011, a Fifa anunciou que São Paulo não receberia jogos da Copa das Confederações. E o Corinthians, no mesmo dia, disse que as obras do estádio começariam em 30 de maio. Esse prazo foi cumprido.

Problemas pelo cano

O primeiro grande obstáculo que a construção do novo estádio do Corinthians encontrou foi a necessidade de transpor dutos da Petrobras que transportavam nafta e óleo combustível entre Santo André e Guarulhos. As linhas de 22 e 24 polegadas precisaram ser realocadas.

O Corinthians assumiu o custo da obra, estimada inicialmente em R$ 10 milhões. A realocação dos dutos começou em dezembro de 2011, com previsão de conclusão em março do ano seguinte.

No início de março, uma nova tubulação já havia sido instalada em área mais distante do estádio. No entanto, por falta de autorização da ANP (Agência Nacional de Petróleo e Gás), o fluxo não pôde ser desviado.

O Corinthians anunciou no dia 13 de abril de 2012 a conclusão da obra relacionada aos dutos. O clube não divulgou o valor final da remoção, e a Odebrecht disse na época que isso não impediria a entrega do estádio em dezembro do ano seguinte.

Qual é o prazo para conclusão do estádio, afinal?

No início das obras, Corinthians e Odebrecht falavam em entregar o Itaquerão pronto em dezembro de 2013. A data era o limite imposto pela Fifa para conclusão de estádios que seriam usados na Copa.

Em maio, o engenheiro-chefe da obra, Frederico Barbosa, funcionário da Odebrecht, admitiu que o prazo final não seria tão final assim. "Temos de fazer a ligação entre as duas estruturas de cobertura, e isso impede que se inicie a obra das arquibancadas provisórias. Podemos até tentar fazer um esforço para antecipar esse início, mas a finalização será feita depois", avaliou o profissional, jogando para março a previsão de entrega do estádio.

Ainda em 2013, porém, o prazo foi revisto mais uma vez. Em dezembro, um dia antes do sorteio dos grupos da Copa do Mundo, coube ao presidente da Fifa, Joseph Blatter, o anúncio de que a entrega do Itaquerão havia sido postergada novamente, para 14 ou 15 de abril.

O novo prazo durou até março, quando Corinthians e Fifa já admitiram que o estádio só ficaria pronto em maio. Mario Gobbi foi mais comedido: "Prefiro não dizer a data, mas a estreia vai ser Corinthians versus Corinthians". Nem esse prazo, porém, o Itaquerão vai cumprir. A cobertura pode estar inacabada durante a Copa, e o Corinthians já sabe que terá obras no estádio ao menos até 2015.

Estruturas provisórias, problemas permanentes?

O estádio do Corinthians começou a ser construído em maio de 2011, mas só foi confirmado como abertura da Copa em outubro. Isso não mudou apenas o status, mas o projeto. A principal intervenção motivada pela mudança de status do estádio foi a instalação de arquibancadas móveis. O Corinthians havia projetado o estádio para 48 mil espectadores, mas a Fifa exige 68 mil lugares para a partida inaugural da Copa.

O primeiro entrave para a instalação das arquibancadas provisórias foi o custo. Em novembro de 2012, a Ambev anunciou um investimento de R$ 40 milhões para a instalação da estrutura.

As arquibancadas móveis, contudo, são apenas uma parte das estruturas móveis que o Itaquerão terá para a Copa do Mundo. O estádio também adicionará itens em áreas como TI, receptivo de parceiros comerciais e concessões de alimentação. O valor total desses aparatos deve ficar em torno de R$ 60 milhões, e ainda não está claro como essa conta vai ser paga. E a instalação só deve ficar pronta em junho.

Depois da Copa do Mundo, as arquibancadas móveis terão de ser desmontadas. O Corinthians só não sabe quando. A retirada dessa estrutura representará outro custo e outra obra. E a presença delas, ainda que aumente o preço da manutenção do estádio, aumenta o potencial de faturamento.

O pior número da construção: três operários mortos

Entre os números controversos da Copa do Mundo de 2014, um não permite nenhuma interpretação otimista: as obras nos estádios brasileiros já mataram nove operários. E três deles trabalhavam na construção do Itaquerão.

O primeiro acidente fatal aconteceu no dia 27 de novembro de 2013. Uma parte da estrutura metálica da cobertura desabou. Dois operários morreram e um ficou ferido. O acidente provocou um luto de três dias e paralisou a obra. Quando a construção foi retomada, o prédio leste, onde aconteceu o acidente, seguiu paralisado para retirada das peças que caíram e para realização de perícia.

O MTE (Ministério do Trabalho e do Emprego) também interditou nove guindastes depois do acidente. Até o dia 13 de dezembro, oito haviam sido liberados. O módulo que caiu só foi retirado no início de 2014.

Entretanto, a obra do estádio teve poucos dias de ritmo "normal". No dia 29 de março, um funcionário que trabalhava na instalação de arquibancadas móveis caiu e morreu. O funcionário trabalhava na instalação de plataformas, e o MTE cobrou uma série de mudanças nos procedimentos de segurança – instalação de rede de proteção, por exemplo. A obra foi parcialmente interditada mais uma vez.

No início de abril, o setor sul e parte do setor norte foram liberados. E só no dia 11 a construção foi inteiramente retomada.

Quanto custará o Itaquerão? E quem vai pagar por isso?

Em 2010, Andrés Sanchez chegou a dizer que faria um estádio por R$ 350 milhões. Quando as obras começaram, o Corinthians trabalhava com uma estimativa de R$ 820 milhões. Mas o Itaquerão, aberto neste domingo, chegará ao fim da obra com um custo de R$ 1,2 bilhão.

Entre os itens que encareceram o projeto estão juros de R$ 110 milhões em empréstimos bancários e da empreiteira Odebrecht. A estimativa inicial de custo também passou por uma revisão.

Desse montante total, R$ 400 milhões saíram de uma linha de crédito do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). Mas esse dinheiro só foi liberado em março de 2014. Àquela altura, a Odebrecht já havia colocado R$ 776,5 milhões no empreendimento. Empréstimos como esse encareceram a obra, em média, R$ 12 milhões por mês.

Do custo total do estádio, R$ 420 milhões serão CIDs (Certificados de Incentivo de Desenvolvimento), títulos da prefeitura de São Paulo que poderão ser adquiridos por empresas. O Corinthians terá de pagar a diferença entre esse montante e o custo total do empreendimento.

O Corinthians vai sofrer para pagar a conta?

Nos primeiros oito anos, o Corinthians vai operar com faturamento reduzido e aperto financeiro no Itaquerão. Depois, se o clube conseguir cumprir o programado e pagar metade da dívida, a tendência é que a situação fique mais confortável.

Por contrato, toda a receita do estádio, incluindo bilheteria, será destinada inicialmente a pagar os R$ 400 milhões do BNDES. Com encargos da Caixa Econômica Federal, esse dinheiro terá taxa de juros de 8,5% ao ano.

O Corinthians deve desembolsar R$ 60 milhões por ano para pagar o empréstimo. Outros R$ 30 milhões, no mínimo, serão para a manutenção do estádio. E se houver sobra, o dinheiro deve ser destinado a apressar o pagamento da construção.

De acordo com o departamento financeiro do Corinthians, o clube terá de saldar R$ 750 milhões em dívidas. A previsão de Raul Corrêa da Silva, diretor da área, é que o clube consiga pagar isso com sete anos de bilheteria.

O Corinthians tem uma ideia de que o Itaquerão pode gerar até R$ 200 milhões por ano. Essa conta considera a venda de propriedades no interior do estádio – a principal delas, que envolve os naming rights, tem um custo de R$ 400 milhões por 20 anos.

Está na inauguração do Itaquerão? Mande sua foto para o UOL. Pelo Twitter, puplique suas imagens citando o perfil do @UOLEsporte com as hashtags #itaquerao #uol. Pelo Instagram, poste fotos e vídeos com #itaquerao #uol. As imagens e as informações poderão ser publicadas pela Redação do UOL.

Veja também



Shopping UOL

UOL Cursos Online

Todos os cursos