9 perguntas e respostas sobre a investigação que tem Felipão como alvo
Guilherme Costa e Gustavo Franceschini
Do UOL, em São Paulo
-
AFP PHOTO/ODD ANDERSEN
Felipão no comando da seleção de Portugal; período do treinador no país europeu está sendo investigado
Desde a última terça-feira, o noticiário esportivo foi recheado por matérias que mostram a investigação a qual Luiz Felipe Scolari, técnico da seleção brasileira, está sendo submetido. A Procuradoria-Geral de Portugal suspeita que o treinador, no período em que treinou o país europeu, entre 2003 e 2008, tenha sonegado mais de 7,4 milhões de euros (R$ 22,4 milhões) em direitos de imagem.
A investigação está em curso em Portugal e tornou-se pública nesta semana, mas ainda deixa muitas perguntas sem resposta. Para tentar responder a maior parte delas, o UOL Esporte consultou diferentes especialistas, que ajudaram a jogar luz sobre o caso.
1- Por que Felipão está sendo investigado?
Felipão está sendo investigado por sonegação de impostos e lavagem de dinheiro. O inquérito ainda está em andamento e não há denúncia formal contra o treinador. Os portugueses identificaram que duas empresas (Chaterella e Flamboyant) receberam, ao todo, 7,4 milhões de euros em uma conta em Miami por conta da venda dos direitos de imagem do treinador.
"Felipão era técnico de Portugal, com residência fiscal e física em Portugal nesse período. Essas empresas foram utilizadas para comercializar um ativo intangível, que é vinculado à pessoa do Felipão. Essas empresas auferiram renda em razão da comercialização desse ativo. A dúvida de Portugal é: por que esse ativo não foi tributado em Portugal?", disse Thiago Medaglia, sócio do departamento de consultoria tributária do Felsberg Advogados, especialista em direito tributário internacional com mestrado em Georgetown, nos EUA.
Felipão, segundo o Fisco português, declarou apenas 255 mil euros (R$ 774 mil) em direitos de imagem nos anos em que morou no país. A disparidade entre os valores explicaria a suspeita, mas não prova nenhuma irregularidade.
"Tem planejamento tributário bem feito aí. Ele está cedendo os seus direitos de imagem e nesse contrato com as empresas ele combinou como iam repartir as coisas. Você faz isso para reduzir os impactos tributários, o que é normal. O Felipão está fazendo alguma coisa de errado se, de acordo com o contrato que ele fez com essas empresas, não está pagando imposto direito sobre a grana que recebe", diz Ronald Veras, chefe do departamento de economia da PUC-SP e professor de economia internacional.
2 - Felipão é o único investigado?
Felipão é o principal personagem da investigação em questão, mas está longe de ser o único alvo da Justiça de Portugal. As suspeitas de sonegação fiscal surgiram a partir de 2008, quando José Oliveira e Costa deixou o comando do BPN (Banco Português de Negócios).
A instituição financeira, que patrocinou a Federação Portuguesa de Futebol, se viu envolvida em um enorme escândalo financeiro, que envolvia crimes de sonegação fiscal e lavagem de dinheiro. O escândalo chegou a atingir Cavaco Silva, presidente do país.
No decorrer das investigações, descobriu-se que Oliveira e Costa e Cavaco Silva eram vizinhos em Algarve, tradicional destino turístico do Sul de Portugal. Além disso, o presidente do país e o mandatário da instituição financeira já haviam negociado ações em um passado recente.
Além deles, Luis Figo, ídolo histórico do futebol português, também entrou na mira da Receita. Assim como Felipão, ele foi patrocinado pelo BPN no período em que serviu à seleção portuguesa. Em 2013, 17 pessoas envolvidas no escândalo foram condenadas pelo Banco de Portugal (espécie de Banco Central do país europeu), entre elas Oliveira e Costa.
3 - A investigação envolve algum paraíso fiscal?
Não há um indício concreto de que isso tenha ocorrido. A documentação que se tornou pública no início da semana mostra parte da investigação conduzida em Portugal e algumas conclusões tiradas pelo procurador-geral da Flórida em uma análise preliminar do material recebido dos europeus.
O documento da Procuradoria-Geral de Portugal cita duas empresas como beneficiárias dos direitos de imagem de Felipão: a britânica Chaterella e a holandesa Flamboyant. Ambas recebem verbas em Miami, no banco Credit Lyonnais, onde o próprio técnico e seu filho Leonardo possuem conta.
"O fato de todos estarem no mesmo banco não quer dizer grande coisa. O Fisco nos EUA é muito agressivo e controla muito direitinho o que tem de pagar. Acho que Miami não é o melhor lugar para fazer coisa errada. Eu, sinceramente, duvido que ele tenha cometido alguma ilegalidade", disse Ronald Veras, chefe do departamento de economia da PUC-SP e professor de economia internacional.
A única citação a um paraíso fiscal está no documento assinado por Wilfredo Ferrer, procurador-geral do Distrito Sudeste da Flórida, que designou um promotor para dar sequência à investigação nos EUA.
Em seu texto, ele cita um contrato de 3,4 milhões de euros (R$ 10,3 milhões) em que a Taliston Financial Corp. assume os direitos de imagem do treinador de forma não-exclusiva. A empresa é das Ilhas Virgens britânicas, um pequeno país do Caribe conhecido por ser um dos maiores paraísos fiscais do mundo.
Por algum motivo, porém, a relação da empresa com o treinador não foi citada pelos promotores portugueses no pedido feito aos EUA – ao menos na parte tornada pública. A Procuradoria-Geral de Portugal, que informou ter pedido ajuda a Holanda, Reino Unido, EUA e Brasil, não informou qualquer investigação relacionada às Ilhas Virgens Britânicas.
4 - Quanto Felipão estaria devendo?
É impossível precisar sem ter acesso ao processo. Os portugueses suspeitam que Felipão não tenha pagado impostos sobre mais de 7 milhões de euros (R$ 21,3 milhões). Ainda que eles estejam certos, as variações de alíquotas e dos períodos devidos tornam a conta impossível de ser feitas.
"No Brasil, quando a pessoa comete algum tipo de evasão fiscal ou sonegação, a Receita instaura inquérito e faz a cobrança. A multa pode chegar a 225% do valor do imposto que seria devido sobre o valor sonegado. Se o valor sonegado é alto, evidentemente o valor do imposto também", disse Henrique Formigoni, professor do curso de Ciências Contábeis do Mackenzie.
A lógica é parecida à de Portugal, mas os números não são os mesmos, o que inclusive explica por que engenharias financeiras envolvendo outros países são comuns. Muitas vezes, receber no exterior compensa para quem recolhe grandes quantias, já que as alíquotas variam.
"Muito provavelmente o dinheiro foi colocado em empresas porque elas estão sujeitas a uma carga tributária muito menor do que ele seria submetido em Portugal. A carga tributária da pessoa física em Portugal gira em torno de 30%", disse Thiago Medaglia, sócio do departamento de consultoria tributária do Felsberg Advogados, especialista em direito tributário internacional com mestrado em Georgetown, nos EUA.
5 - O processo pode atrapalhar Felipão durante a Copa?
É muito difícil que isso aconteça. No momento, a investigação está em curso nos Estados Unidos e pode estar em andamento em Portugal – a Procuradoria-Geral do país não comenta o assunto. Felipão poderia ser chamado para depor, mas mesmo que isso aconteça, dificilmente isso mudaria sua rotina durante a Copa do Mundo.
"Normalmente, você recebe notificações e vai respondendo nos prazos estabelecidos legalmente. Ainda é um procedimento de investigação, e nessa fase é menos rígido. É possível que ele receba notificações para se apresentar e prestar esclarecimentos durante a Copa, mas eu suponho que seja algo que, devidamente assessorado por um advogado português, se consiga postergar", disse Thiago Medaglia, sócio do departamento de consultoria tributária do Felsberg Advogados, especialista em direito tributário internacional com mestrado em Georgetown, nos EUA.
6 - Quem está investigando Felipão?
Prioritariamente Portugal. Partiu do país europeu a suspeita de que Felipão teria sonegado impostos entre 2003 e 2008, e os promotores pediram a ajuda de seus colegas de outros quatro países para concluírem o inquérito.
Reino Unido, Holanda e Brasil, segundo a Procuradoria-Geral de Portugal, já enviaram dados de volta ao país. Não há nenhum indício de que esses países ainda estejam investigando Felipão. Os Estados Unidos, por sua vez, iniciaram agora o seu processo de averiguação.
"Os países podem fazer investigações independentes. Cada um age de uma forma. As autoridades solicitam informações para vários países, que podem abrir inquéritos próprios sobre o assunto", explicou Maurício Maluf Barella, advogado especializado em direito tributário e sócio de um escritório que leva o seu nome.
A reportagem consultou a Promotoria da Flórida, onde Felipão está sendo investigado. O órgão, no entanto, não comenta nenhum caso que corre em sigilo de justiça.
7 - Felipão está ciente da investigação?
O técnico não fala sobre o assunto, portanto não é possível saber se ele foi, ou não, notificado sobre a investigação. O trâmite português, porém, indica que ele deve ter recebido um aviso na abertura do inquérito.
"Não dá para saber se ele prestou depoimento, mas ele deve ter sido notificado de que existe a investigação contra ele", Claudio Pereira, professor de processo penal da PUC-SP, usando explicação parecida à da assessoria de imprensa da Procuradoria-Geral de Portugal, em resposta à reportagem.
8 - O que o Felipão diz sobre tudo isso?
Felipão, desde que o caso ganhou repercussão internacional, foi sucinto ao tratar do tema. Por meio de uma nota oficial, o treinador reiterou sua inocência e disse não ter culpa de eventuais irregularidades cometidas por outras pessoas.
"Eu fiz todas as minhas declarações de renda corretamente. Em todos os países que trabalhei, sempre declarei meus rendimentos. Tenho absoluta convicção das minhas declarações. Se há algo errado, não é comigo. Que a Justiça apure todos os fatos", disse Luiz Felipe Scolari à imprensa, na última terça.
9 - Ele pode ser preso?
Neste momento, não. Os crimes de fraude fiscal grave e lavagem de dinheiro, citados no inquérito, podem render até 17 anos de cadeia em Portugal. Felipão, porém, ainda está muito distante de uma condenação.
Hoje ele é considerado "arguido" em Portugal. Na lei do país europeu, isso significa um estágio além de "suspeito", em que ele é o personagem principal de uma investigação em curso. Não há, no entanto, uma denúncia formal contra Felipão, que somente depois de um julgamento poderia, eventualmente, ser condenado.
"Lá em Portugal, a figura do arguido é a figura do indiciado, do suspeito indicado oficialmente como suspeito da prática ilegal. O arguido no Brasil é só uma pessoa que foi ouvida. Lá, o arguido não pode contestar as provas do inquérito, não acompanha tanto o processo", diz Claudio Pereira, professor de processo penal na PUC-SP.
Luiz Felipe Scolari