ONGs do Ceará contestam jornalista dinamarquês que saiu do país
Adriano Wilkson
do UOL, em São Paulo
-
Reprodução/Youtube
Mikkel Keldorf Jensen, jornalista dinamarquês, que deixou o Brasil após visita a Fortaleza
Organizações não-governamentais consultadas pelo jornalista dinamarquês Mikkel Keldorf quando ele esteve em Fortaleza dizem que não há grupos de extermínio matando crianças de rua para "limpar" a cidade que se prepara para a Copa do Mundo.
A existência desses grupos, denunciada pelo jornalista em seu perfil do Facebook, foi apontada por ele mesmo como o principal motivo de sua saída do país antes da cobertura da Copa, seu sonho profissional.
"Não sei qual foi a fonte dele, mas eu não conheço nenhum caso de extermínio", afirma Adriano Ribeiro, diretor da ONG "O Pequeno Nazareno", uma das principais entidades que atendem crianças em situação vulnerável no Ceará.
"Existem assassinatos, claro, mas por vários motivos. Eu não seria leviano em afirmar que há uma ação deliberada de extermínio por causa dos grandes eventos."
Em seu já famoso post no Facebook, Keldorf, um jornalista freelancer que trabalhava no Brasil, sugeriu que crianças de rua estariam sendo mortas para não serem vistas por turistas e jornalistas estrangeiros. "Muitas vezes, são mortas quando estão dormindo à noite em área com muitos turistas. Por quê? Para deixar a cidade limpa para os gringos e a imprensa internacional? Por causa de mim?"
Na quarta-feira, em entrevista ao canal de televisão dinamarquês TV2, o jornalista foi mais explícito ao mencionar esse suposto grupo de extermínio.
"Uma das minhas fontes tem contato diário com crianças de rua", afirmou Keldorf. "Ele tem informações de duas crianças que viram quatro outras tomarem tiros quando estavam na rua. Duas delas morreram. E não, eu não vou dizer quem ele é [a fonte] porque ele corre risco de morrer. É uma coisa que muita gente sabe que acontece. Mas ninguém ousa falar sobre isso."
Adriano Ribeiro, Antônio Carlos da Silva (ambos de "O Pequeno Nazareno") e Jacinta Rodrigues (da "Barraca da Amizade") estiveram com Keldorf em sua estadia de alguns dias na capital do Ceará. Eles trabalham com crianças de rua há anos e apresentaram ao repórter dinamarquês um pouco da realidade delas.
"Falar em grupo de extermínio de pessoas... eu não tenho conhecimento disso não, desse grau de periculosidade...", afirma Antonio Carlos, há 14 anos trabalhando nas ruas de Fortaleza.
Em 2013, os profissionais d'O Pequeno Nazareno ouviram denúncias de que um suposto grupo estaria tirando crianças de locais de concentração de turistas por causa da Copa das Confederações. Mas ao averiguar as denúncias, eles não conseguiram chegar a nada de concreto.
Uma decisão radical
Em seu texto no Facebook, Keldorf contou a história de um garoto chamado Allison, um vendedor de amendoim que ele conheceu no Ceará. A segurança do menino teria sido um dos motivos que o fizeram deixar o Brasil.
"A vida dele está em perigo por causa de pessoas como eu. Ele corre o risco de se tornar a próxima vítima da limpeza que acontece na cidade de Fortaleza", escreveu o repórter.
Na opinião dos profissionais que lidam com crianças como Allison diariamente, isso é um exagero.
"Eu não vejo de que forma a presença dele possa prejudicar as crianças na rua, as crianças continuam morrendo por várias causas independente de ele estar aqui ou não", diz Antonio Carlos da Silva. "Pra mim, essa decisão de ele ter ido embora foi meio radical."
Na opinião de Jacinta Rodrigues, que também ciceroneou o dinamarquês em Fortaleza, o repórter não estava preparado para o choque de realidade que sofreu nos poucos dias que passou na cidade.
"Quando a gente conversou, ele estava realmente assustado, revoltado com a desigualdade social. Para alguém que vem de onde ele vem, ver criança passando fome deve ser realmente muito chocante."
Um jornalista sueco diz que fica
Natural da Suécia, outro país escandinavo, o jornalista Sujay Dutt foi procurado pelo UOL Esporte para comentar o assunto que dominou a internet na quarta-feira.
Dutt está no Brasil desde fevereiro cobrindo a Copa do Mundo para dois jornais suecos (o Aftonbladet, de Estocolmo, e o Göteborgs-Posten, de Gotemburgo). Ao contrário de seu colega, ele vai ficar até o final do torneio.
"Um jornalista tem que saber que é parte do nosso papel mostrar o problema, ver o que acontece e reportar. E a desigualdade social é muito visível aqui, existem grandes diferenças entre pessoas que têm [renda] e que não têm. Mas o Brasil não é o único país no mundo assim."
Obras no Castelão
Veja também
- Jornalista dinamarquês deixou Brasil por medo e promete lançar documentário
- Jornalista dinamarquês se decepciona com Fortaleza e desiste de cobrir Copa
-
- Aeroporto de Fortaleza será o único com terminal provisório durante a Copa
- Obras de mobilidade no entorno do Castelão, em Fortaleza, continuam paradas