Quem são e o que querem os líderes das novas manifestações contra a Copa?
Tiago Dantas
Do UOL, em São Paulo
Após os protestos de junho de 2013, o povo voltou às ruas de 14 cidades do País no último sábado, 25, para fazer passeatas contra a Copa do Mundo. A segunda leva de manifestações não atraiu tantas pessoas quanto as marchas do ano passado, mas tem um foco bem específico, promete ter fôlego até julho e mostra uma participação mais efetiva dos Black Blocs.
O lema escolhido pelo movimento, "Não vai ter Copa", pode soar como uma demanda irreal. Quem participa dos protestos, porém, acredita que pode ao menos tentar atingir o objetivo. Se não for possível impedir a realização de um jogo, é provável que se crie tumulto suficiente para preocupar as autoridades e chamar a atenção da imprensa internacional.
Os Black Blocs assumiram, na manifestação de sábado, em São Paulo, parte do espaço que era ocupado pelo MPL (Movimento Passe Livre), principal motor das manifestações de junho. Pessoas que se identificam como sendo parte do grupo revelaram ao UOL Esporte que atuaram na divulgação do evento por meio do Facebook desde o fim de dezembro e ajudaram a colar cartazes e fazer pichações pela cidade com o objetivo de chamar as pessoas.
Já na passeata, jovens que cobriam o rosto com máscaras ou camisetas pretas formavam a linha de frente do protesto, indicando o roteiro que deveria ser seguido. Os Black Blocs costumam ficar à frente das manifestações e afirmam que só atacam se forem agredidos pelos policiais. No meio do caminho, lixeiras foram quebradas e vidros de agências bancárias, apedrejados. Um Fusca que tentou passar por um colchão pegando fogo no meio da rua foi incendiado.
"A gente não ataca a pessoa, o trabalhador, o manifestante. Se é para quebrar alguma coisa, é a propriedade do Estado que não nos representa, ou só representa uma parcela pequena da população e oprime a maior parte. A gente quebra um banco, que não nos representa também", disse um ativista do grupo, de 20 anos, que pediu para não ser identificado.
"Mas o BB [abreviação de Black Bloc] não é uma organização. É um movimento aberto. Tem gente que acredita em todo tipo de coisa", concluiu. Ao ser questionado sobre como definia sua atuação, outro jovem citou o lema do seu grupo, a Facção Central: "Não aceno bandeira, não colo adesivo, não tenho partido, odeio político. A única campanha que eu faço é pelo ensino e pro meu povo se manter vivo."
Em geral, os manifestantes evitam dar entrevistas, pois não acreditam nos grupos que controlam a "grande mídia" e temem que suas declarações sejam distorcidas. Quando falam, mantém o anonimato e evitam dar declarações pessoais, que possam ajudar a identificá-los. Até seus perfis nas redes sociais são anônimos, mostrando fotos de mascarados, como a imagem de Guy Fawkes, utilizada pelo personagem de "V, de Vingança", e nomes que fazem alusão a revolucionários ou a seus apelidos.
"Defino o Black Bloc como uma forma de protesto", afirma a pesquisadora Esther Solano, professora de relações internacionais da Unifesp (Universidade Federal do Estado de São Paulo), que tem se dedicado a estudar o assunto. "O denominador comum é o uso da violência como forma de expressão. Eles notaram que o governo não os escuta. E que a única forma de se fazer ouvir é partindo para uma ação mais dura."
O que os Black Blocs defendem?
O grupo é formado, em sua maioria, por estudantes do Ensino Médio ou de faculdades públicas. Integrantes dos Black Blocs ouvidos pela reportagem se definem como anarquistas e se dizem contra qualquer tipo de controle do Estado.
Embora defendam a violência para chamar a atenção do poder público e aprovem a depredação de agências bancárias e outros prédios privados, os Black Blocs não admitem violência contra pessoas. Por isso, segundo o grupo, só atacam se forem agredidos antes.
Em alguns fóruns frequentados por Black Blocs são discutidas táticas para atrapalhar a realização da Copa do Mundo. A ideia do grupo é continuar convocando atos como o de sábado, mas diminuir o intervalo entre um protesto e outro conforme a Copa se aproxima.
Uma enquete, por exemplo, questiona se devem ser realizadas ocupações nos principais aeroportos do País para dificultar o embarque e desembarque de turistas e delegações. Há sugestões para bloquear as vias que dão acesso aos estádios e até ataques a ônibus de times que estiverem na cidade.
"Vai ter atentado a delegações, ônibus incendiados, ocupações", disse um jovem de 18 anos, que não quis se identificar, ao UOL Esporte. Ao ser questionado sobre quais suas principais reivindicações, o manifestante foi econômico: "Não vai ter Copa!"
Classe média é mais presente
Isso não significa, entretanto, que todas as pessoas que foram para as ruas são Black Blocs ou defendem abordagens violentas. Um grupo que se intitula Unidade Negra, por exemplo, montou uma página no Facebook na qual oferece apoio ao próximo protesto, marcado para 22 de fevereiro, em São Paulo, mas recomendou aos Black Blocs que evitem começar confrontos.
Movimentos sociais também apoiam o protesto. "Vi muitas caras novas nesse protesto, pessoas que não estavam na rua em junho do ano passado. Mas os grupos sociais e políticos mais estruturados e tradicionais ainda estão longe do movimento", diz Esther. "Em geral, não são pessoas das periferias mais distantes, mas são uma classe média que tem contato com os problemas do Brasil: as escolas públicas, filas em hospitais."
A cobrança por educação e saúde "padrão Fifa" já haviam surgido em meio às manifestações de junho, em meio a pedidos para reduzir tarifas de transporte. Agora, ao menos por enquanto, o foco é o investimento público na organização da Copa.
"As pessoas querem serviços públicos de qualidade, e nisso vejo muitas semelhanças com os protestos de junho de 2013. São pessoas reivindicando gastos públicos mais responsáveis", afirma o pesquisador Wagner Iglecias, doutor em Sociologia e professor do Curso de Graduação em Gestão de Políticas Públicas e do Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina da USP.
Segundo Iglecias é natural que as reivindicações tenham voltado às vésperas do Mundial. "As pessoas se sentem enganadas com a promessa do legado. Tirando algumas coisas em aeroportos, quase nada ficou pronto. Enquanto as cidades estão entrando em colapso, o governo investe alto em estádios", opina Iglecias.
MANIFESTANTES FORAM ÁS RUAS EM 14 CIDADES
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Os protestos contra a Copa do de 25 de janeiro contra a Copa do Mundo levaram manifestantes para as ruas em 14 cidades. São Paulo teve a passeata mais movimentada. Um manifestante foi baleado pela PM e está internado em estado grave. Outras 135 pessoas foram detidas. Em Natal, 17 manifestantes foram detidos. Os jovens jogaram grades de ferro no alambrado da Arena das Dunas (foto), estádio recém-inaugurado.
Inércia do governo e repressão policial aumentam apoio
A falta de resposta do poder público às demandas populares e a repressão da Polícia Militar a manifestantes devem servir como combustível para os próximos protestos, na opinião do pesquisador Rafael Alcadipani, PHD em Ciência da Administração e professor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da FGV.
"O governo não está encontrando uma saída política para esse problema, apenas uma saída policial, que se mostrou ineficiente. E essa inércia só aumenta a quentura", diz Alcadipani. "Todos estavam esperando os protestos de sábado, pois sabemos que seria um termômetro de como será o ano. E, pelo jeito, será muito quente."
Iglecias acredita que a forma como os candidatos vão se posicionar com relação aos protestos também é um ponto importante. "Em um ano eleitoral, é impossível que os atores do jogo político não se posicionem em relação ao que está acontecendo nas ruas. Por mais que alguns grupos rejeitem partidos políticos, algumas pessoas podem se beneficiar."