Brasil tem 'seleção' de xarás de jogadores famosos

Luiza Bandeira

Da BBC Brasil, no Rio de Janeiro

Quando Angela engravidou, combinou com o marido que, se o bebê fosse menina, seria Amanda; se fosse menino, seria Lineker, em homenagem ao atacante inglês Gary Lineker, artilheiro da Copa do Mundo de 1986.

Nasceu menina, mas virou Lineker mesmo assim. "Não sei como, mas ele convenceu a minha mãe", diz a estudante Lineker Hoffmann, de 21 anos.

Depois disso, ela conta, várias pessoas - meninos e meninas - em sua cidade, no interior do Espírito Santo, também ganharam o nome do ídolo inglês.

Bem ao estilo brasileiro, a grafia foi variando: segundo o cartório de Nova Venécia, Lineker já virou Linique, Linick e Linik.

Quando começar a Copa, uma verdadeira seleção de xarás vai acompanhar o torneio do lado de fora dos estádios brasileiros.

O time de famosos tem Diego Maradona da Silva, Jorge Beckenbauer, Michel Platini Góes, Rummenigge da Silva, Edson Arantes do Nascimento Souza, Klinsman Carrilho e Ruud Gullit Ribeiro.

Mão de Deus

Batizar os filhos com nomes de jogadores famosos, brasileiros ou não, é uma prática comum no país, que tende a ficar mais forte em períodos de Mundial.

O Maradona brasileiro, por exemplo, é fruto da Copa de 1986. "Escolhi esse nome na hora que ele fez aquele gol de mão", conta a dona de casa Maria Lucia da Silva, de 52 anos.

O técnico em engenharia Diego Maradona da Silva, 26, não gosta muito da homenagem. Além de não jogar futebol, teve de ouvir piadas sobre o rival argentino a vida inteira.

"Ele não foi um verdadeiro ídolo, um exemplo para o país dele".

Diego não deu nome de jogador a nenhum dos seus filhos, mas a tradição não foi interrompida.

Sua irmã batizou o primeiro filho, hoje com quatro anos, de Henry, em homenagem ao francês Thierry Henry. O segundo, de dois anos, chama-se Romário.

"Não escolhi nome de jogador porque fui muito zoado na infância, sei como é. Mas nunca pensei em mudar o meu. Acostumei", afirma Maradona.

Vergonha

A lei brasileira é liberal em relação à escolha de nomes.

Diferentemente de Portugal, onde há uma lista com cerca de 3.000 opções e grafias que podem ser usadas, a legislação do Brasil define apenas que o nome não pode causar constrangimento. Cabe ao cartório levar o caso à Justiça quando considera um nome vexatório.

A adoção de nome de objetos, de nomes criados a partir de junção de sílabas ou de estrangeirismos é recorrente no país, o que faz com que muitas pessoas tentem mudar o nome na Justiça quando adultos.

O advogado Gerson Martins, que já conseguiu mudar mais de cem nomes, afirma que não é comum homônimos de jogadores de futebol pedirem a alteração.
Quem tem nome de jogador diz que uma das vantagens é ter um nome diferente e marcante. Mas há alguns inconvenientes.

"Nunca acertam meu nome. Me chamam de 'blequienpauer, blequinopauer'", conta o advogado Jorge Beckenbauer, de 43 anos, cujo nome homenageia o jogador alemão.

O estudante Klinsman Carrilho, de 19 anos, - batizado assim porque sua mãe achava o atacante alemão "bonitão" - passa pela mesma situação. "Sempre me chamam de Cristian", afirma.

Mesmo assim, ele já definiu: quando tiver um filho, irá batizá-lo Matthaus, em homenagem ao companheiro de Klinsmann na seleção alemã. "Vai ser uma piada interna com meu filho".
Mas, na infância, ele próprio não gostava de futebol. Só passou a jogar bola e a torcer por um clube, o espanhol Real Madrid, quando se encantou com o ídolo português Cristiano Ronaldo.

Hoje, afirma que costuma confundir as pessoas quando usa uma camisa do clube com seu nome. "Todo mundo vem me perguntar se o Klinsmann jogou no time", diz.

O economista Lucas Scottini pesquisou a relação entre nomes e indicadores sociais. Seu estudo, que usou dados de alunos de escolas públicas e particulares (não existe no país um registro único oficial de dados de nascimento), detectou um padrão na escolha do nome Romário, estrela da Copa de 1994.

A maioria dos Romários nasceu exatamente em junho de 1994, quando a seleção brasileira conquistou o tetracampeonato. Os pais de Romários tendem a ter educação e renda inferiores à média geral.

Homenagem

A Copa de 2014, apesar de ainda não ter começado, já alterou o padrão de escolha de nomes no país, de acordo com o site Babycenter, que usa um cadastro de cerca de 60 mil nomes de bebês para fazer listas de escolhas populares.

O site registrou a entrada do nome do zagueiro David Luiz na lista dos cem nomes mais usados. Também foram registrados, desde o ano passado, dois (argentino Lionel) Messis, quatro (portugueses) Cristianos Ronaldos, um (holandês Wesley) Sneijder e um (italiano Filippo) Inzaghi.

Neymar, astro da seleção brasileira que vai disputar a Copa neste ano, também está em alta.

"Quero que ele seja um campeão", diz a balconista Lenilda Bezerra, de 29 anos, grávida de cinco meses de um Neymarzinho.

A estratégia deu sorte para Lineker Augusto da Silva Matos, de 21 anos. "Todo mundo dizia que eu tinha que honrar o nome, então me esforcei", diz ele, que hoje atua profissionalmente pelo Águia de Marabá, time paraense que disputa a série C do Campeonato Brasileiro.

Assim como outros xarás, Lineker não vai assistir aos jogos da Copa. Além das dificuldades para comprar ingresso, alguns homônimos reclamam dos altos gastos do governo com o evento, fazendo coro com o pessimismo que se espalhou pelo país às vésperas da Copa.

"Vai ter muita greve, muita desorganização. Vamos ver se dá certo", disse um desanimado Michel Platini da Costa Góes, de 28 anos, que é carpinteiro.

Já o metalúrgico Edson Arantes do Nascimento Souza, de 43 anos, mais conhecido como Pelé, está desanimado é com a seleção – ao contrário do Pelé original, grande entusiasta do evento. "Do jeito que está, acho difícil o Brasil levar essa."

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