Familiares de mortos em BH lamentam tragédia abafada por lesão de Neymar

Luiza Oliveira e Pedro Ivo Almeida

Do UOL, em Belo Horizonte

A Copa do Mundo já acabou em Belo Horizonte. E não há nada que mude essa ideia na cabeça de pelo menos duas famílias na capital mineira. Ainda que estejam diante da semifinal histórica entre Brasil e Alemanha nesta terça-feira, no Mineirão, os parentes de Hanna Cristina dos Santos e Charlys do Nascimento não têm motivos para qualquer festejo.

A mulher de 25 anos e o homem de 24 foram as duas vítimas fatais do desabamento de um viaduto em construção na última quinta-feira, na região de Venda Nova.

E não é apenas a morte que incomoda aqueles que ficaram órfãos da tragédia. O esquecimento do poder público e até de parte da mídia menos de uma semana após o desastre tira o sono das famílias de ambos.

"Não quero dinheiro, sei que ela não volta mais, mas queria um apoio. Não queria que ignorassem isso. A família não merece isso", disse Enderson Eliziano, o ex-marido da motorista do ônibus que passava embaixo do viaduto na hora do desabamento.

Ele ainda lamentou que a lesão sofrida por Neymar na partida contra a Colômbia, um dia após a tragédia, tenha abafado a repercussão do caso.

"Só se fala de Neymar, Neymar, Neymar. É complicado que lembrem da nossa dor. E estamos falando de algo muito sério. Sei que a seleção e os jogadores não têm qualquer culpa, mas isso não pode ser esquecido. Ocorreu uma tragédia e praticamente não falam. Infelizmente, a Copa ofusca. Antes [da lesão do Neymar], só falavam disso. Agora simplesmente ignoram. Nada contra os jogadores e o evento em si, mas não pode cair no esquecimento. Só a Copa dá ibope, isso me chateia muito".

Em uma semana onde até a presidente Dilma Rouseff e o mandatário de Fifa, Joseph Blatter, se pronunciaram sobre a lesão de Neymar, as mortes no viaduto pareceram secundárias.

"Estamos falando de duas vidas. Nenhuma autoridade me ligou ou se posicionou sobre isso. Queríamos um apoio moral e não tivemos. E nem sei se teremos. Se tivesse a mesma atenção com o viaduto que tiveram com o Neymar, nada disso aconteceria. Hoje, o problema do Brasil é o Neymar. Não pode ser apenas isso", encerrou o marido da motorista que deixou uma filha pequena, de apenas 5 anos.

Mesmo com toda a paixão de ambos pelo futebol, a tragédia da última semana fez a Copa do Mundo perder o significado para os familiares e passar a ser vista apenas como sinônimo de tristeza.

"Não temos o que comemorar ou criar qualquer expectativa pelo jogo. A Copa agora nos lembra a tragédia. Não tem como não associar uma coisa à outra. Se não tivesse Copa, essa tragédia não teria ocorrido. Esse é o meu sentimento. A correria ocorreu por conta disso, queriam o viaduto pronto o quanto antes. Uma obra desse tamanho cair é inaceitável, algo primário", desabafou ele, relembrando que a obra era parte da matriz de responsabilidade para o Mundial. E atrasada, só ficaria pronta em 2015.

O mesmo sentimento de desolação se faz presente nas palavras de Juarez Moreira de Melo, pai de Charlys do Nascimento, outra vítima fatal na tragédia. Ee estava no Fiat Uno que ficou totalmente destruído debaixo dos escombros.

"A Copa para mim acabou. E olha que representava muito. Mas agora não é mais nada. Não tem o que comemorar. Enquanto a seleção jogava [contra a Colômbia], eu enterrava meu filho. E vocêquer dor maior que essa?".

Torcedor do Atlético-MG, Charlys era fã de futebol e estava empolgado com a campanha da seleção brasileira na Copa do Mundo. Tanto que no dia da tragédia ia ao Centro da cidade para comprar adereços para comemorar a vitória da seleção contra a Colômbia.

Pedro Ivo Almeida/UOL
Enderson Conceição se emociona ao falar de Hanna Cristina, ex-mulher e mãe de sua filha

O Brasil venceu e se classificou para a final, mas Charlys morreu um dia antes. "Ele queria curtir o jogo, mas não deu tempo", contou o pai, emocionado.

De casa, Enderson, Juarez e tantos outros parentes não querem saber como ficará o time de Felipão sem Neymar. E nem se eles conseguirão fazer história em Belo Horizonte. Ambos só pedem que a trajetória interrompida de Hanna e Charlys não vire apenas um detalhe no futuro, quando todos contarem como foi a Copa do Mundo de 2014 – um torneio que, mesmo sem títulos, já estará marcado para eles. E da pior maneira possível.

Prefeitura nega falta de apoio

Através de um comunicado oficial, a prefeitura de Belo Horizonte rebateu as acusações de falta de apoio às vítimas da tragédia. De acordo com a entidade, profissionais têm dado apoio psicológico aos sobreviventes e às famílias dos mortos. Ainda afirmou ter comparecido aos velórios das duas vítimas fatais, representada pelos secretários Marcelo Mourão, da Assistência Social, Geraldo Magela, da Regional Nordeste e Elson Alípio, da Regional Norte, além de uma equipe da Assistência Social.

Confira a íntegra da nota da prefeitura:

A Prefeitura de Belo Horizonte prestou toda a assistência necessária às vítimas, familiares e moradores do entorno do Viaduto Guararapes, desde a hora do acidente, ocorrido na tarde de quinta-feira, dia 3 de julho, na Avenida Pedro l.

No local do acidente

O Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) chegou ao local do acidente em 11 minutos, prazo inferior à média, que é de 13 minutos. Imediatamente, todas as portas dos hospitais de urgência e das Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) foram liberadas para atender as vítimas. A UPA do Barreiro, por exemplo, a mais distante do local do acidente, já estava pronta para receber pacientes, se assim fosse necessário, 15 minutos depois do ocorrido.

Apoio às vítimas

Durante o período em que os pacientes ficaram internados, em todos os hospitais e nas unidades de atendimento Venda Nova e Pampulha, a Prefeitura se fez presente. Profissionais da Prefeitura deram atenção médica direta e apoio psicológico e social a todos os internados, sempre em articulação com o corpo médico dos hospitais e das UPAs, onde eles estavam sendo atendidos.

O serviço psicossocial do Hospital Odilon Behrens (HOB), que tem experiência importante nessa área, está visitando em seus domicílios todos os pacientes e fazendo o acompanhamento pós-alta hospitalar. Está sendo feito casa a casa, paciente a paciente. Também foi implantado no HOB, através do telefone 3277-6269, um serviço que vai funcionar para agendamento de consultas de 8h às 17h para todas aquelas pessoas que necessitarem de apoio psicossocial e que presenciaram ou foram vítimas do acidente.  Este apoio será permanente enquanto for necessário. A Prefeitura, por meio do SUS, também disponibilizou apoio no que se refere a fornecimento de medicamentos.

Apoio às vítimas das famílias das vítimas fatais

A Prefeitura prestou solidariedade às famílias das vítimas fatais e compareceu ao velório de Hanna Cristina dos Santos e Charlys Frederico Moreira do Nascimento, representada pelos Secretários Marcelo Mourão, da Assistência Social, Geraldo Magela, da Regional Nordeste e Elson Alípio, da Regional Norte, além de uma equipe da Assistência Social. A Construtora Cowan está arcando com as despesas de velório e enterro das duas vítimas fatais.

No velório de Charlys do Nascimento, no Cemitério de Lagoa Santa, os secretários Elson Alípio Júnior e Marcelo Mourão estabeleceram contato com familiares da vítima, colocando-se à disposição da mãe de Charlys, a senhora Orni, da esposa, Cristilene, dos tios Aristides e José, da prima, Patrícia, e do primo e padrinho, Edmilson Guedes.

No velório de Hanna Cristina, no Cemitério Parque Bosque da Esperança, os secretários Geraldo Magela e Marcelo Mourão, além da equipe de Assistência Social da Secretaria Regional Venda Nova, estabeleceram contato e colocaram-se à disposição do pai de Hanna, o senhor José Antônio dos Santos e da tia, Rosângela.

Segurança de moradores e edificações do entorno do viaduto

A Defesa Civil reuniu-se com moradores do entorno do viaduto, estabeleceu uma comissão para o acompanhamento dos trabalhos e está monitorando, permanentemente, a segurança das edificações da vizinhança.

 

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