Holanda reinventa time, muda estilo e retoma sonho deixado na final de 2010

Guilherme Costa

Do UOL, em São Paulo

Faltavam quatro minutos para o término da prorrogação quando Andrés Iniesta fez o gol que definiu a Copa da África do Sul. Até ali, a despeito das trajetórias distintas no torneio, Espanha e Holanda faziam um duelo com chances para os dois lados. Aquele foi o Mundial em que triunfou o tiki-taka, mas a história podia ter sido contada por arrancadas de Arjen Robben ou gols de Wesley Sneijder. A distância histórica parece abissal, mas foi escrita em apenas quatro minutos. E isso tem relação direta com o que acontece na Copa do Mundo de 2014.

O título coroou o estilo espanhol, que se tornou uma marca nos anos seguintes. A seleção ibérica agarrou-se ao tiki-taka e aos nomes que haviam brilhado em 2010, mesmo que ambos tenham envelhecido. E a Holanda, após ter ficado tão perto da glória, decidiu reinventar seu jogo. Analisar esses processos é fundamental para entender por que o time campeão na África do Sul foi eliminado na primeira fase de 2014, mas o segundo colocado daquele ano vai disputar as semifinais no Brasil.

A Holanda de 2010 era o time de Wesley Sneijder. Revelado pelo Ajax, o meia tinha superado passagem irregular pelo Real Madrid e se consolidado na Inter de Milão. Na temporada 2009/2010, anotou seis gols e distribuiu 17 assistências em 54 partidas pela equipe italiana. Além disso, foi um dos artífices da conquista na Liga dos Campeões da Uefa.

O desempenho de Sneijder foi ainda mais arrebatador na Copa. O camisa 10 da Holanda fez cinco gols e ainda deu uma assistência nos sete jogos que disputou na África do Sul. Dividiu com Thomas Müller (Alemanha), David Villa (Espanha) e Diego Forlán (Uruguai) a artilharia daquele Mundial.

Sneijder fez apenas um gol na Copa de 2014. Foi um lance importante – a Holanda perdia por 1 a 0 para o México até os 43min do segundo tempo das oitavas de final, e aquela bola nas redes abriu caminho para a virada ainda no tempo regulamentar –, mas isso não dirimiu dúvidas em torno do camisa 10. O principal motivo para isso é que ele tem sido mais importante para a seleção em ações defensivas do que ofensivas.

O rendimento do meia depois da Copa de 2010 caiu a ponto de ele ter sido considerado dispensável pela Inter de Milão. Em 2013, Sneijder foi negociado com o turco Galatasaray.

"Se estiver bem fisicamente, o Sneijder é um jogador muito importante para a seleção holandesa. Em condições ideais ele é um dos melhores do mundo. O problema é que ele passou muito tempo encostado na Inter de Milão, sem jogar, e acabou perdendo espaço", relatou o brasileiro Alessandro Schoenmaker, que trabalha como preparador físico no time holandês Twente.

A irregularidade na carreira em clubes refletiu diretamente no desempenho de Sneijder na seleção. O meia disputou seis jogos nas Eliminatórias para a Copa de 2014, com um gol e uma assistência. Ele chegou até a perder espaço entre os titulares da Holanda.

Em meio a esse processo, o técnico da seleção holandesa, Louis van Gaal, resolveu criticar a condução da carreira de Sneijder. "Na minha opinião, ele devia sair do time atual e jogar no Chelsea. Seria uma chance de desenvolvimento para o jogo dele, e isso ajudaria a equipe nacional", disse o treinador em fevereiro de 2104 ao site da "ESPN".

Na Copa de 2014, Sneijder só virou titular absoluto da Holanda porque o time de Van Gaal perdeu duas peças importantes no meio-campo. Pouco antes de o torneio começar, o técnico foi obrigado a cortar Kevin Strootman e Rafael van der Vaart, ambos lesionados.

A reconstrução e o novo estilo da Holanda

No entanto, a queda de rendimento de Sneijder não é a única explicação para a Holanda ter mudado tanto entre 2010 e 2014. O grande ponto de virada da seleção europeia foi a participação na Eurocopa de 2012, competição em que a seleção vice-campeã mundial foi eliminada ainda na primeira fase. "Não lembro um torneio importante em que a Holanda tenha feito campanha tão ridícula", avaliou o jornalista Rodrigo Bueno, comentarista dos canais "Fox Sports".

A campanha frustrante na Eurocopa disputada na Ucrânia findou a passagem de Bert Van Marwijk no comando técnico da Holanda. A federação local contratou então o experiente Louis van Gaal, que já havia comandado a equipe nacional entre 2000 e 2002, período em que a seleção laranja não conseguiu sequer classificação para a Copa do Mundo da Coreia do Sul e do Japão.

Van Gaal rejuvenesceu a Holanda, principalmente na defesa, e montou um time com filosofia diferente. Ao contrário do que fazia até a Eurocopa de 2012, a seleção laranja passou a apostar numa combinação de forte defesa, marcação recuada e velocidade nos contragolpes, com uso frequente de três zagueiros e alas avançados. E aí, com transições mais intensas, o time adotou jogo à feição de Arjen Robben.

Segundo estatísticas do site oficial da Fifa, a Holanda é o time que menos chega ao ataque entre os quatro semifinalistas da Copa de 2104. No entanto, a seleção finaliza mais do que a Alemanha e acerta mais o gol do que qualquer outro postulante ao título.

Robben é o jogador holandês que mais finalizou na Copa (17, com 16 chutes na direção do gol). Também é, com três gols marcados, um dos artilheiros da seleção laranja no Mundial. Divide a condição com Van Persie, capitão do time.

Ascensão de Van Persie: uma das histórias da Holanda pós-2010

Em 2010, Van Persie fez apenas um gol no Mundial. O atacante também deu uma assistência, mas esteve longe de ser unanimidade entre os torcedores holandeses. "A Copa dele foi horrível. Foi um jogador muito apagado, bem abaixo do ritmo dos outros", disse Felipe Santos Souza, colunista de futebol holandês no site "Trivela".

A virada de Van Persie na seleção holandesa começou depois da Eurocopa de 2012. O camisa 9 fez 11 gols em nove jogos nas Eliminatórias para a Copa de 2014 e assumiu a condição de maior referência ofensiva do time de Van Gaal.

"Eu convivi com ele. É um jogador de muita qualidade, que muitas vezes é imprevisível e que teve um crescimento muito grande na carreira. Era tido como um temperamento explosivo, mas foi amadurecendo", contou o ex-jogador Gilberto Silva, que foi companheiro de Van Persie no Arsenal (Inglaterra).

"O Van Persie melhorou muito depois da Eurocopa. O Sneijder, ao contrário, deu sinais de decadência. Isso aparece também nas carreiras deles em clubes, com o Sneijder indo para o Galatasaray e o Van Persie sendo negociado com o Manchester United. Os números fizeram do Van Persie um jogador imprescindível para a Holanda do Van Gaal", completou Rodrigo Bueno.

Robben, Sneijder e Van Persie têm 30 anos. Entre eles, apenas o camisa 9 não tem longo histórico de problemas físicos. Portanto, entre oscilações técnicas e variações de estilo, a Copa de 2014 virou um teste de potencial para a geração comandada pelos três.

Como era a Holanda quando esteve perto da glória

A Holanda já esteve quatro vezes entre os quatro melhores da Copa do Mundo (1974, 1978, 1998 e 2010). Só em 1998, quando perdeu para o Brasil nos pênaltis, o time laranja não chegou à decisão.

A geração que disputou os títulos de 1974 e 1978 era a que consolidou o apelido de "laranja mecânica". Eram times de movimentação constante, futebol envolvente e muitas trocas de posição.

Em 1974, a Laranja Mecânica era comandada em campo por Johann Cruyff. Aquele time chegou como favorito à decisão contra a anfitriã Alemanha, a despeito das 79 mil pessoas que lotavam o Estádio Olímpico.

A Holanda chegou a abrir 1 a 0 (gol de Neeskens a 1min do primeiro tempo), mas permitiu uma virada da Alemanha e não conseguiu empatar no segundo tempo. Naquele ano, o futebol total perdeu para o pragmatismo.

Mais experiente e com algumas mudanças no time, a Holanda tentou repetir a identidade em 1978. A estratégia funcionou até a decisão, novamente contra o time da casa. Aí prevaleceu a virilidade da Argentina, que venceu por 3 a 1 na prorrogação.

A Holanda atual ainda busca uma identidade. Como a liga local é fraca financeiramente, os principais destaques da seleção jogam em outros países. "Cada vez mais, jogadores fazem uma temporada boa e saem do clube. Não dá tempo para construir algo de prazo mais longo. Nós tivemos de mudar 14 atletas no ano passado, em um grupo com 22", disse Alessandro Schoenmaker.

A Holanda já pensa no pós-Copa

O sonho de conquistar pela primeira vez um título de Copa do Mundo, porém, não é a única coisa na cabeça dos dirigentes holandeses atualmente. Eles já começaram a pensar no que fazer com a seleção depois do Brasil-2014, e isso começará com uma mudança no comando técnico.

Van Gaal assumirá o Manchester United depois da Copa do Mundo. O lugar dele será ocupado pelo experiente Guus Hiddink, 67, que assinou contrato com a federação holandesa até 2016. Ele será auxiliado nesse período por Danny Blind, que assumirá a equipe depois. A comissão técnica ainda terá o ex-centroavante Ruud van Nistelrooy.

Hiddink já comandou a seleção holandesa. Ele assumiu o time na segunda metade de 1995 e saiu depois da derrota para o Brasil na Copa da França.

No novo trabalho, o treinador encontrará uma defesa com fôlego para o próximo ciclo. A Holanda de 2014 tem quatro jogadores que eram titulares em 2010, e todos atuam na frente – o volante De Jong, que também era remanescente, sofreu lesão e foi cortado.

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