Especialistas em gestão questionam opções de Felipão como líder da seleção

Guilherme Costa

Do UOL, em São Paulo

"O Brasil vai ser campeão" e "é um jogo de 90 minutos que te dá chances de seguir ou não". Com um intervalo de 222 dias, as duas frases foram ditas publicamente por Luiz Felipe Scolari, técnico da seleção brasileira. A primeira ele disse em novembro de 2013, quando a equipe nacional vinha de cinco triunfos consecutivos em amistosos e estava embalada pelo título da Copa das Confederações. A segunda, na véspera do confronto com o Chile, válido pelas oitavas de final da Copa de 2014. O intervalo foi suficiente para mudar drasticamente o status do time dirigido por Felipão – outrora badalado e confiante, hoje desacreditado –, e isso alterou também o comportamento do treinador. Às vésperas do confronto decisivo com a Colômbia, essa instabilidade está no cerne de qualquer discussão sobre a preparação brasileira. Os questionamentos acerca do time começam pelo líder.

"Acredito que mudanças assim num curto espaço de tempo podem gerar uma insegurança na equipe de trabalho. Quando você faz um planejamento e está há um tempo à frente de um grupo, ainda mais quando você é um líder experiente, qualquer mudança é difícil e pode ter repercussões", disse Ricardo Barbosa, especialista em gestão de projetos e que trabalha na consultoria Innovia Training & Consulting. "A equipe passa por um momento de dificuldades emocionais justamente porque ele, embora tenha fama de ser durão, está numa fase muito soft. Então, o grupo acabou ficando muito órfão. Ele ficou mais paizão e menos general", avaliou Marcus Soares, especialista em gestão de pessoas e professor do MBA executivo do Insper. "Se o líder muda o comportamento, os liderados sentem", finalizou a psicóloga Dulce Penna Soares, coordenadora do Instituto Ser.

A mudança de perfil de Scolari também acirrou o clima que cerca a seleção. Depois da vitória sobre o Chile, o treinador chegou a cobrar mais agressividade do time nacional: "Discutimos no vestiário que estamos sendo muito cordiais e educados com as equipes adversárias".

"Ele parece viver os estágios do luto. O primeiro é a negação, o segundo é a raiva e o último é a aceitação. Parece que ele agora reconhece os problemas, mas neste momento a guerra está piorando. No começo da batalha você pode passar a mão na cabeça, mas agora é matar ou morrer", afirmou Soares.

Com dois empates e dois triunfos em quatro jogos, o Brasil de 2014 é o que menos venceu em uma Copa desde 1986, quando a Fifa adotou o sistema de disputa com oitavas e quartas de final. Até o time de 1990, eliminado nas oitavas de final, havia acumulado três resultados positivos na primeira fase.

Equipe liderada por Felipão mostra descontrole

Além do desempenho problemático, a seleção brasileira de Scolari tem chamado atenção pelo aspecto emocional. Jogadores choraram durante o Hino Nacional. O goleiro Júlio César fez o mesmo antes e depois de ser herói nos pênaltis contra o Chile.

"Isso é a demonstração prática da pressão que os jogadores estão sentindo, e que os dirigentes não estão conseguindo manter sob controle. Chorar depois de uma vitória é uma maneira de desabafar, mas chorar antes, cantando o Hino Nacional, certamente não é. Em empresas, equipes de vendas choram em convenções, mas não choram na porta do cliente, e nunca chorariam na frente de um concorrente", ponderou Max Gehringer, administrador de empresas, palestrante e escritor cujos principais focos de trabalho são gestão empresarial e de carreiras.

O exemplo mais claro disso foi dado pelo zagueiro Thiago Silva, capitão do time, que não quis ser um dos cobradores de pênaltis contra o Chile. "O capitão também é um líder, e assumir que você não está bem para uma ação também faz parte da liderança. O que não pode acontecer é a pessoa não estar preparada nunca. Se for assim, a posição dela tem de ser repensada", argumentou Claudia Carraro, psicóloga especialista em orientação de carreiras, pós-graduada em gestão de recursos humanos e psicopedagogia.

Em meio a esse debate sobre o descontrole emocional do time, Scolari pediu ajuda a Regina Brandão, psicóloga que trabalha com ele há mais de uma década. Na terça-feira, ela esteve na Granja Comary, em Teresópolis, e conversou com os jogadores. Esse bate-papo foi motivado por uma constatação do treinador, que admitiu problemas no time.

"Acho que um grande líder reconhece erros. Esse é o princípio do líder que não se acha intocável. É claro que ele não pode ir adiante com isso, mas reconhecer um erro é muito importante", comentou Clarisse Setyon, professora de marketing esportivo da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing).

Felipão usa conversa com jornalistas para amenizar clima

A estratégia de Scolari contra o mau momento também passou por uma conversa reservada com seis jornalistas. "Uma diferença entre esta Copa e as anteriores é a enorme quantidade de informações e opiniões que podem ser passadas via Internet. Durante muito tempo, houve no Brasil um número limitado de jornais e revistas, e um número igualmente reduzido de cronistas esportivos. Agora, há centenas de blogueiros com boa audiência, para não mencionar o que rola nas redes sociais. O que Felipão fez foi convidar jornalistas que ele ele considera formadores de opinião para tentar influenciar os demais. Isso funcionou muito bem até 1998, mas não creio que funcione tão bem nos dias atuais, com a informação tão pulverizada como está", analisou Max Gehringer.

Na conversa com os jornalistas, Scolari admitiu até que faria uma mudança no grupo de 23 jogadores se isso fosse possível. No entanto, o técnico não disse qual jogador ele se arrependeu de ter convocado para a Copa.

"Isso é péssimo para o time. Isso é desmotivador. O seu diretor diz que tem um cara no time que está na marca do pênalti, e a maioria tem um instinto natural de culpa. Mesmo se não tiverem errado, 60% das pessoas são mais sentimento. As que têm essa tendência a ser mais emocionais carregam mais a culpa", disse Marcus Soares. "É algo que ele não deveria ter falado. Isso acaba entregando para o grupo que algum deles não merecia estar ali", adicionou Ricardo Barbosa.

O próximo teste para as escolhas do líder Scolari será realizado às 17h de sexta-feira, em Fortaleza. O Brasil jogará contra a Colômbia em duelo válido pelas quartas de final da Copa do Mundo, fase em que o time pentacampeão mundial foi eliminado nas duas últimas edições.

Veja também



Shopping UOL

UOL Cursos Online

Todos os cursos