Policial da Nigéria é filmado e estranha liberdade de imprensa do Brasil

Aiuri Rebello

Do UOL, em Brasília

Instantes do início da partida que acabaria com a vitória da seleção francesa sobre a da Nigéria por 2 a 0, no estádio Mané Garrincha, em Brasília, um "choque cultural" inusitado chamava a atenção próximo a um dos portões e acesso à arena: Irritado por ter sido filmado por um cinegrafista de televisão ajudando a resolver uma confusão entre torcedores por ali, um policial nigeriano fardado e trabalhando partiu para cima do profissional mandando desligar a câmera e apagar o vídeo, por que ele não havia dado autorização para ser filmado.

Aturdido o cinegrafista, da TV Globo, pediu desculpas e abaixou a câmera, mas o policial nigeriano não parecia disposto a deixar a questão para lá e continuava a avançar muito irritado em direção ao jornalista. Neste momento, ele foi puxado por um agente da Polícia Federal que o acompanhava. "Aqui no Brasil a imprensa é livre", disse o agente, que preferiu não se identificar ao UOL Esporte, que acompanhava a cena. "Estamos no meio da rua e, em um local público, a imprensa registra o que quiser, inclusive nosso trabalho", disse o brasileiro para o colega estrangeiro.

O policial da Nigéria ainda tentou argumentar. "Não tem problema se ele me pedir antes, mas não sei o que ele vai dizer usando minha imagem", disse. "Não posso permitir ser filmado desse jeito sem permissão nem saber para que", completou. "Aqui no Brasil é assim, não discute mais por que ele vai filmar o que quiser", arrematou o policial federal, em inglês para o colega nigeriano.

O estrangeiro e mais três colegas policiais da Nigéria estavam ali para acompanhar um grupo de torcedores de seu país que havia causado confusão sem ingresso no portão do estádio e servir de interlocutores entre os africanos e a polícia brasileira. Eles fazem parte do Centro de Cooperação Policial Internacional do Centro de Comando e Controle da Copa.

A estrutura, vinculada ao Ministério da Justiça e ao Ministério da Defesa, centraliza todas as operações de segurança para o Mundial de futebol. Todas as seleções participantes da Copa enviaram equipes de policiais para acompanhar grandes grupos de torcedores de seus países nas cidades-sede dentro e fora dos estádios, conforme mostrou o UOL Esporte antes da Copa.

Falta de costume

De acordo com Gabriel Alobo, um dos policiais nigerianos que está no Brasil para a Copa e estava na confusão de segunda-feira na entrada do Mané Garrincha, é uma questão de costume. "Na Nigéria, a imprensa não pode colocar uma câmera na sua cara e te filmar sem explicar o que está fazendo", diz. "Principalmente um policial a serviço na rua. Depois podem fazer uma reportagem falando o que quiser sobre nós e como é que fica? ", questiona ele, defendendo o colega que se irritou com o cinegrafista.

"Na Nigéria também há liberdade de imprensa, não temos nada a esconder, não é esse o problema", diz o também policial na Nigéria Ohikorede Okunowo. "É uma questão de respeito, se eu não quero ser filmado é meu direito, simples", disse ele. "Não temos problemas em dar entrevistas, é só falar com a gente e conversamos normalmente, sobre qualquer assunto, mas não sem falar com a gente né", diz.

"Mas muito bem, estamos aqui como convidados, é um costume diferente e temos que nos adaptar, no final não é nada demais", encerrou a discussão Alobo. Após ajudar a conter os torcedores nigerianos que estavam sem ingresso e queriam entrar para o jogo em Brasília. "Gostamos do trabalho da imprensa, foi um mal entendido". Todos atenderam a reportagem solicitamente e, após um pedido de permissão, posaram para fotos sorrindo antes de entrar no estádio para ficar próximo à torcida nigeriana.

De acordo com um ranking internacional de liberdade de imprensa elaborado pela organização Repórteres Sem Fronteiras, em 2014 a Nigéria ocupa a 112ª posição, apenas uma atrás do Brasil, que está na 111ª entre 179 países. A Nigéria possui uma das imprensas livres mais fortes da África, segundo a organização.

Nos últimos anos, há relatos crescentes de pressão política sobre os veículos de imprensa e intimidação policial a repórteres na realização do trabalho em cidades grandes. Outro problema para os jornalistas na Nigéria surgiu com a criação do grupo islâmico radical Boko Haram, em 2002. Desde então e principalmente nos últimos anos, o grupo tem promovido atentados terroristas contra empresas e profissionais de mídia.

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