Técnico da Colômbia já foi taxista e deu Lionel Messi à Argentina
Do UOL, em São Paulo
Há 36 anos, enquanto a Argentina levantava sua primeira Copa do Mundo, José Pekerman ganhava a vida como taxista em seu Renault 12 pelas ruas de Buenos Aires.
Ele tinha sido um jogador de alguma importância, que abandonara a carreira prematuramente aos 28 anos por um problema crônico no joelho. Mas não era reconhecido pelos passageiros porque a maior parte de sua carreira havia sido feita na Colômbia. Antes de ser jogador, ele trabalhara na pizzaria de seus pais. Quando se aposentou, não teve dificuldade de seguir uma profissão autônoma.
O táxi não era apenas seu meio de sustento, mas também o passaporte para a sua verdadeira paixão. A bordo do Renault, ele cruzou o país da Patagônia à fronteira com a Bolívia em busca de jovens talentos para o Argentino Juniors, clube que o revelara.
"Enquanto conduzia o táxi, fazia projetos", explicou ele em uma entrevista em 2006. "Assim comecei a trabalhar nas categorias de base do Argentino Juniors. Alternando entre o táxi e os treinos. Até que o presidente do clube me propôs que ficasse a cargo de toda a estrutura de captação e formação de jogadores. Foi o começo de uma grande época na 'cantera' do clube, quando surgiram Batista, Redondo, Cambiasso, Riquelme..."
Era o começo também do aspecto que marcaria para sempre a carreira do atual técnico da Colômbia, o time-sensação desta Copa: a facilidade de revelar novos talentos e tirar deles o seu melhor.
Depois do fracasso da Argentina na Copa de 1994, a federação local resolveu reformular as categorias de base da seleção e promoveu um inédito concurso para selecionar um projeto para revelar e desenvolver talentos. Entre nomes mais conhecidos, sobressaiu o de Pekerman, que acabou escolhido e revolucionou o futebol de base da Argentina.
No comando da seleção sub-20, Pekerman foi bicampeão do Mundial da categoria, além de levantar um título com a seleção sub-17, tudo em um período de seis anos. Entre os nomes que revelou estão Sorín, Colocchini, Milito, Burdisso, Aimar, Saviola, Aguero e outros.
Os bons resultados com a base o levaram em 2002 a um cargo de coordenador técnico do time de cima e, dois anos depois, ao de técnico da seleção profissional. Foi a primeira vez na história da Argentina que o treinador foi promovido ao time principal vindo da base.
E foi quando a biografia de José Pekerman se mistura à de Lionel Messi.
"Uma benção"
Em 2005, Messi foi convocado pela primeira vez pela seleção argentina profissional. Pekerman era o técnico. A convocação era um movimento para afastar a corte que a seleção espanhola vinha fazendo sobre a jovem promessa do Barcelona, que já vivia na Europa desde criança.
"Ele foi uma benção. Não acreditava no que estava vendo", afirmou o treinador, em uma entrevista já vestindo o uniforme colombiano, uma semana atrás em Belo Horizonte. "Eu nunca duvidei que o grande astro dos próximos anos estava surgindo. Aqueles primeiros passos foram inesquecíveis."
Devem ter sido mesmo, principalmente para Messi. Aos 18 anos, vestindo a camiseta número 18, ele entrou no segundo tempo de um amistoso contra a Hungria em Budapeste. E foi expulso 90 segundo depois, em seu primeiro toque na bola, por causa de uma cotovelada que atingiu o pescoço de um húngaro.
O início desastroso não diminuiu o apreço de Pekerman pelo garoto, e Messi seria convocado para compor o banco no Mundial seguinte, na Alemanha.
Nas quartas de final, o duelo contra a Alemanha poria um ponto final na relação do técnico com a seleção albiceleste. Vencendo por 1 a 0, ele recuou o time, tirou Riquelme, colocou Cambiasso, e confiou que a equipe conseguiria segurar a vitória até o fim. Mas do outro lado havia Miroslav Klose.
Um gol dele, o empate, a prorrogação e a derrota nos pênaltis trouxeram a desgraça a Pekerman, que seria muito criticado nos meses seguintes por ter deixado Messi no banco.
Ele pediu demissão após o fracasso. Voltou ao futebol de clubes e treinou o Toluca, do México por dois anos.
Até que em 2012, o presidente da federação colombiana lhe fez uma ligação, convidando-o para um jantar nos Estados Unidos, onde a seleção excursionava. Ele tinha conversas também com a federação australiana, mas preferiu assumir o desafio de treinar a equipe que tentava voltar a uma Copa do Mundo depois de 12 anos.
A virada colombiana
"Apesar das críticas da mídia por trazerem um 'argentino caro', ficou logo evidente que a seleção tinha uma dinâmica diferente", escreveu o jornalista colombiano Juan Arango sobre o trabalho de Pekerman. "A equipe parecia mais rápida. Havia mais perigo no ataque. As chances de gol ficaram mais frequentes."
"O melhor trabalho de Pekerman, no entanto", ele continua, "não foi no campo. Foi na cabeça dos jogadores. O psicológico deles recebeu um duro golpe depois de um empate com a Venezuela e uma derrota para Argentina [nas Eliminatórias] meses antes de Pekerman assumir. Ele fez a equipe acreditar que eles podiam superar o estado precário em que se encontravam."
E foi assim também que os colombianos conseguiram superar a perda de seu principal jogador para o Brasil, Falcao Garcia, o grande astro do atual futebol colombiano.
Mesmo sem ele, a Colômbia é uma das poucas seleções com três vitórias em seus três jogos na Copa. E entre esses times, talvez seja o que tem mostrado o futebol mais vistoso até aqui, embalado pelo talento de James Rodriguez e Juan Cuadrado.
O clima de euforia toma conta da Colômbia, e dos colombianos que vêm ao Brasil e lotam os estádios onde a seleção se apresenta. É muito provável que o Maracanã neste sábado, quando o time pega o Uruguai pelas oitavas de final, esteja mais amarelo que azul celeste. O Placar UOL transmite a partida em tempo real a partir das 17h.
Pekerman, mesmo argentino, canta o hino colombiano junto com os torcedores.
"Eu me sinto muito confortável aqui, muito colombiano. Tem uma história anterior que me liga [ao país]. Com a ajuda dos jogadores, nós temos conseguido nos dar muito bem até aqui."